04 Março 2024
Uma reforma da Igreja verdadeiramente eficaz é obrigada, hoje, a tratar da questão “clerical”, da questão do “poder” e da questão da “dignidade da mulher” de uma forma inevitavelmente paralela. Achar que se pode abordar uma questão deixando a outra no congelador é algo no mínimo ingênuo.
O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, publicado em seu blog Come Se Non, 03-03-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Li com um certo desconforto o breve e apodítico raciocínio com que Luigino Bruni entra na questão teológica do “ministério feminino”, exibindo alguns lugares-comuns que não são apenas dele, mas que também não ajudam a compreender a questão.
Igualmente surpreendente é o fato de o L’Osservatore Romano intitular com grande evidência uma tese no mínimo questionável (“O sacerdócio não é a solução”; o texto italiano do artigo pode ser lido aqui).
No início de sua intervenção, Bruni recorda com razão o atraso com que a Igreja se encontra em relação ao caminho com que a sociedade reconheceu de um modo novo a vocação e a dignidade das mulheres. Para recuperar essa “lacuna”, porém, a Igreja deve evitar “clericalizar a mulher”.
Vejamos como Bruni argumenta sobre esse perigo. Relato aqui o cerne argumentativo de seu texto:
“Embora conhecendo e reconhecendo muitas das razões de quem luta por isso, nunca pensei que a solução fosse estender o sacerdócio às mulheres, porque, enquanto o sacerdócio ministerial for entendido e vivido dentro de uma cultura clerical, estender a ordem sagrada às mulheres significaria, de fato, clericalizar também as mulheres e, portanto, clericalizar ainda mais a Igreja inteira. O grande desafio da Igreja de hoje não é clericalizar as mulheres, mas sim desclericalizar os homens e, portanto, a Igreja. Seria necessário, então, compreender onde se encontram os locais das boas batalhas e concentrar-se neles, mulheres e homens juntos – um erro comum é achar que a questão feminina é um assunto apenas das mulheres. Portanto, é preciso trabalhar, homens e mulheres, a teologia e a práxis do sacerdócio católico, ainda ligado demais à época da Contrarreforma, porque, uma vez reconduzido o sacerdócio ao da Igreja primitiva, tornar-se-á natural imaginá-lo como serviço de homens e mulheres. Se, em vez disso, empregarmos as nossas energias agora na introdução de algumas mulheres no clube sagrado dos eleitos, apenas aumentaremos o número da elite, sem obter bons resultados nem para todas as mulheres nem para a Igreja. O Sínodo em curso, com seu novo método, pode ser um bom início também nesse processo necessário.”
Os argumentos principais são quatro:
a) Como a compreensão do “sacerdócio” é clerical, é melhor que a mulher não entre nele;
b) Primeiro, deve-se trabalhar, todos juntos, para mudar o sacerdócio e torná-lo não clerical;
c) Uma vez alcançado esse resultado, será natural que essa nova noção inclua no futuro tanto os homens quanto as mulheres;
d) Se hoje empregássemos energia para fazer com que as mulheres entrem na atual concepção do sacerdócio, teríamos elites também femininas introduzidas no “clube sagrado”, e nada mudaria.
Não é a primeira vez que escuto esse raciocínio. Muitas vezes, ele une homens e mulheres “de direita”, mas sobretudo homens e mulheres “de esquerda”. Porém, parece-me que se trata de uma forma de não abordar realmente a questão e de confundir problemas diferentes. Tento apresentar aqui brevemente as minhas objeções.
A primeira exigência consiste em distinguir adequadamente duas questões, que aqui me parecem confusas demais: ou seja, o reconhecimento da “autoridade feminina” também na Igreja e o desenvolvimento do “ministério ordenado”. Creio que seria útil usar a terminologia melhor, porque, quando falamos de “sacerdócio”, permanecemos em uma visão velha, que corre o risco de negar a diferença entre o conceito de “ministério ordenado” e o conceito de “sacerdócio”, entre os quais existe não existe identidade. Basta dizer que o “diaconato” não está ligado ao sacerdócio, mas sim ao ministério ordenado. Eis, então, o que não me convence no raciocínio apresentado:
a) A diferença de Deus, na sociedade da honra, é mediada por duas diferenças estruturais da ordem social e eclesial. A diferença de autoridade entre homem e mulher, e a diferença de autoridade entre clérigos e leigos entre os homens. Trata-se de dois níveis diferentes, que não devem ser confundidos.
b) O caminho com que a Igreja do Concílio Vaticano II abordou esses dois pontos-chave da identidade eclesial não é homogêneo. Muito se investiu no nível da “reforma do ministério”, mas muito pouco na “superação da negação de autoridade à mulher”.
c) Achar que a segunda questão só pode ser abordada quando a primeira for resolvida significa adiar “sine die” a própria questão, idealizando inapropriadamente um modelo “não sagrado” de ministério, o que seria uma espécie de “pré-requisito” para o acesso a ele por parte das mulheres.
d) Estou convencido de que somente trabalhando simultaneamente essas duas “diferenças irredutíveis” para a sociedade da honra e para a Igreja como “societas inaequalis” é que se poderá obter, paralelamente, a desclericalização do ministério e o reconhecimento da autoridade feminina também na Igreja.
e) Por outro lado, é igualmente verdade que hoje na Igreja existem “sacerdotes” que não exercem sua autoridade de forma clerical (mesmo que estejam condicionados por uma estrutura institucional e normativa clerical): por que é que deveríamos imediatamente atribuir a uma mulher que entrasse no âmbito do ministério ordenado o epíteto de “membro de um clube sagrado”?
f) Uma reforma da Igreja verdadeiramente eficaz é obrigada, hoje, a tratar da questão “clerical”, da questão do “poder” e da questão da “dignidade da mulher” de uma forma inevitavelmente paralela. Achar que se pode abordar uma questão deixando a outra no congelador é algo no mínimo ingênuo.
Não acredito que a única solução para a crise atual possa ser o acesso da mulher ao ministério ordenado. Mas também não acredito que excluir a questão da “agenda” (porque é essa que me parece ser a intenção nem tão oculta de Bruni) seja uma forma verdadeiramente convincente e clarividente de abordar o problema.
Eu diria assim: para a reforma do ministério ordenado, a questão da superação da “reserva masculina” é um aspecto decisivo. Não é a única reavaliação necessária, mas ninguém poderá sair do clericalismo sacerdotal senão superando gradualmente a “reserva masculina”. Isso vale tanto para o artigo de Luigino Bruni quanto para o título do L’Osservatore Romano. Um bom título alternativo (mas para um artigo diferente) teria sido: “A reserva masculina não é a solução”.
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Mulheres e ministério ordenado: a reserva masculina não é a solução. Réplica de Andrea Grillo a Luigino Bruni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU