17 Outubro 2022
A decisão da Procuradoria de Roma de pedir o arquivamento da investigação sobre o sequestro do padre Paolo Dall’Oglio, desaparecido em Raqqa em 29 de julho de 2013, é no mínimo surpreendente. Os magistrados argumentam que não é possível apurar o destino dele, ou seja, se ele foi morto ou se ainda está vivo.
O comentário é de Riccardo Cristiano, jornalista italiano e fundador da Associação de Jornalistas Amigos do Padre Dall’Oglio, publicado por Settimana News, 13-10-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
De acordo com o que foi divulgado pela imprensa italiana no último dia 12, a reconstituição dos fatos obtida pelos magistrados afirma que Dall’Oglio foi sequestrado em Raqqa, mas não pelo ISIS de Raqqa como pareceria mais lógico, e sim por um emir – também afiliado ao ISIS – em um pequeno centro, Karama.
Então, esse emir teria invadido e entrado em uma cidade que não estava sob seu controle e teria tomado o refém para levá-lo ao seu território. Eu acrescento que esse território fica a cerca de 30 quilômetros de Raqqa: naquela época, as estradas estavam cheias de postos de controle de todos os tipos, até mesmo dos inimigos do ISIS. Depois de ter levado o refém para a sua área, o emir o teria matado.
Tal reconstrução, na minha opinião, não é verossímil, simplesmente porque leva à exoneração total dos líderes do ISIS em Raqqa. Lembro que o autor do relato – que chegou aos magistrados por meio da Unidade de Crise –, naquela época, trabalhava justamente para o ISIS de Raqqa.
Eu estava bem a par, há muito tempo, a partir de fontes sírias, da versão que levaria ao emir de Karama, mas, justamente pelas estranhezas mencionadas, ela nunca me convenceu. Com razão, a própria magistratura acredita que isso não é suficiente para concluir que as coisas realmente foram assim.
Portanto, não entendo por que os magistrados italianos citaram precisamente essa versão não confiável. De todos os modos, trata-se de uma tese não comprovada. Existem outras variantes, na minha opinião, mais verossímeis.
Também acho estranha a busca pelo corpo de Paolo – por meio do reconhecimento de DNA – realizada entre os restos de alguns cadáveres de detentos encontrados nas valas comuns de Raqqa: isso não podia permitir que seu corpo fosse identificado. De fato, um religioso cristão – e como tal, na visão integralista, impuro – nunca teria sido enterrado pelo ISIS em valas comuns. Para mim, isso é muito evidente.
Depois, como publicado pelos jornais após o pedido de arquivamento, há um ponto muito importante a ser destacado: afirma-se que o Pe. Paolo teria defendido a libertação dos dois bispos sírios sequestrados naqueles tempos. Infelizmente, nada foi ouvido sobre eles também. A referência a essa tentativa do Pe. Paolo nunca havia chegado até mim.
Embora se saiba que, durante anos, mesmo após o desaparecimento de Paolo, as negociações sobre os bispos haviam sido conduzidas pela inteligência libanesa, nunca especificando que se estava lidando com o ISIS. Se o jesuíta tivesse estado em Raqqa pelos bispos, não deveria ser difícil apurar isso, pois, se o Pe. Paolo realmente tivesse empreendido essa tentativa, ele teria informado a cúpula eclesial síria.
Chegando àquele que, para mim, constitui o cerne da história, levanto a questão em outras palavras. De fato, ele desapareceu em Raqqa. Agora, me parece cada vez mais evidente que, entre os protagonistas do caso, ninguém quer saber o que realmente aconteceu, para que o Pe. Paolo não seja reconhecido em um determinado lugar, nem entre os vivos nem entre os mortos, para remover sua figura. Por isso, acredito que a investigação não deve ser absolutamente arquivada.
Entendo que, para continuar as investigações, é preciso apresentar razões, enquanto, infelizmente, estamos tateando no escuro. Alguma razão há. Mas eu não a buscaria no séquito de personagens com uma vocação fácil à despistagem. Naturalmente, eu não tenho certezas. Procedo por sensações.
Os poucos confiáveis, aqueles que devem ser ouvidos para continuar as investigações, não devem ser procurados entre as fileiras do ISIS, mas entre os amigos do Pe. Paolo, aqueles que o hospedaram em Raqqa. Eles sabem o que ele disse e fez naqueles dias. Ou o que sussurrou.
Um deles – recentemente refugiado na Europa –, ex-detento do ISIS, me disse que naquele 29 de julho de 2013 acompanhou Paolo ao quartel-general do ISIS. De repente, ele lhe perguntou por que estava indo para lá: de que adiantava? Paolo, encurralado por um amigo tão querido, teria dito a ele que os líderes do Curdistão iraquiano lhe haviam confiado uma mensagem para seus piores inimigos, ou seja, os chefes do ISIS. O que Paolo tinha em mente naquele momento?
Ouvir esse amigo ajudaria a entender quConteúdoe, mesmo na ausência de provas, ainda vale a pena continuar com as investigações, talvez pedindo a figuras importantes da época confirmações ou desmentidas sobre os indícios: por exemplo, perguntando aos curdos ou aos bispos.
Eu não levaria muito em consideração as vozes pouco confiáveis daqueles que parecem encobrir mais do que descobrir a verdade. Pelo contrário, levaria em consideração o grande potencial cultural, social, espiritual e político que o Mosteiro de Deir Mar Musa e toda a missão do Pe. Paolo Dall’Oglio representam – como importante testemunho cristão e italiano – na Síria e em todo o Mediterrâneo.
Tal testemunho deve ser compreendido em sua profundidade, protegido e valorizado. Enquanto o seu e o nosso país, na minha opinião, está negligenciando isso. O capital humano tem um grande valor, para todos.
Eu realmente gostaria que o arquivamento do caso do Pe. Paolo não ocorresse, especialmente agora, mas talvez mais para nós italianos – para a Igreja italiana – do que para o próprio Paolo.
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Paolo Dall’Oglio: investigação sobre sequestro será arquivada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU