Não esqueçamos o padre Dall’Oglio. Artigo de Enzo Bianchi

Paolo Dall’Oglio | Foto: Asia News

26 Julho 2022

 

"Infelizmente, há aqueles que são nomeados santos imediatamente e aqueles que são ignorados, apesar de terem despendido a vida por seus irmãos e irmãs na humanidade e sonhado com justiça e paz para eles. A santidade dos devotos é sempre mais apreciada do que o testemunho profético que questiona e cria realidades inéditas", escreve Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 25-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

Existem pessoas que foram verdadeiramente "grandes", no sentido de que com sua vida, sua palavra, seu estilo, "em-sinaram", “fizeram sinal” da possibilidade humana de ser bons, viver em paz, encontrar-se e ficar junto na diferença. No entanto, apesar de alguns momentos terem sido agradáveis de escutar, depois foram esquecidos.

 

Este é o destino de Paolo Dall'Oglio, um visionário que conheci bem e com quem vivi uma profunda amizade.

 

Quando ele era um jovem jesuíta, quis me encontrar sabendo do meu amor pelo Oriente Médio e minha preocupação por aquela terra outrora cristã, agora habitada por uma maré muçulmana em que as comunidades cristãs estão prestes a desaparecer. Paolo era um visionário, até ingênuo, o que o deixava desarmado diante de qualquer incompreensão ou hostilidade. Não o entendiam em seu sonho nem mesmo os coirmãos jesuítas e desconfiavam dele os bispos católicos.

 

Porque Paulo teve um sonho, que havia se acendido nele como um fogo assim que visitou o antigo mosteiro de Mar Musa, em ruínas, no deserto ao norte de Damasco: o sonho de fundar uma comunidade monástica na qual católicos, ortodoxos e muçulmanos pudessem viver juntos na Síria, em uma região onde várias antigas igrejas cristãs estão em diáspora em terras árabes. Utopia, sonho, mas Paulo acreditava nisso a ponto de ir morar naquelas ruínas e começar uma restauração, esperando que viessem irmãos e irmãs dispostos a tentar com ele aquela loucura. A vida no mosteiro de Mar Musa não era fácil tanto pelo isolamento quanto pelo caminho que precisava ser percorrido a pé para chegar lá.

 

Convidado por Paolo, fui visitá-lo, verificando sua límpida fé cristã, seu entusiasmo, sua força em seguir sozinho a empreitada. Era sustentado pela oração, mas sobretudo pela paixão\por aquela terra e por aquelas pessoas que iam visitar “Abuna Paulo” e lhe pedir “uma palavra”.

 

O diálogo com o mundo islâmico era praticado por ele de forma intensa e muitas vezes estavam presentes no mosteiro mais muçulmanos do que cristãos. Mas este homem, não protegido pela Igreja, suscitou hostilidade no governo sírio que em 2011 decretou sua expulsão: após meses de vigilância policial, se concretizou em junho de 2012.

 

Em seguida, Paolo se mudou para o Curdistão iraquiano, para o mosteiro de Deir Maryam al-Adhra, mas logo depois retornou para a Síria controlada pelos rebeldes, e enquanto estava em Raqqa, em 29 de julho de 2013, perdeu-se seu rastro. Sequestrado e morto pelo Isis? Preso pelos sírios e executado? Nada se soube então e nada se sabe. E até agora, é preciso dizer com vergonha, não se pode dizer que tenha havido um empenho por parte de governo italiano em buscar notícias sobre seu paradeiro. E já se passaram nove anos.

 

Infelizmente, há aqueles que são nomeados santos imediatamente e aqueles que são ignorados, apesar de terem despendido a vida por seus irmãos e irmãs na humanidade e sonhado com justiça e paz para eles. A santidade dos devotos é sempre mais apreciada do que o testemunho profético que questiona e cria realidades inéditas.

 

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