09 Novembro 2017
O jesuíta romano Paolo Dall’Oglio desapareceu quando estava em Raqqa, que depois se tornou a “capital” na Síria do autodenominado Estado Islâmico. Ali, no dia 28 de julho de 2013, foram publicadas suas últimas imagens e palavras em liberdade. Agora que a Raqqa jihadista caiu, não foi encontrado nem rastro do padre Paolo e começam a circular vozes sobre seu destino. O padre Jacques Murad, junto com os irmãos e irmãs de Mar Musa, a comunidade monástica fundada pelo padre Paolo, vivem este tempo de incerteza e temor com a paz dos homens e mulheres de Cristo.
Sírio, monge da comunidade de Mar Musa, o padre Jacques também foi sequestrado em maio de 2015 pelos jihadistas do Daesh que o retiraram do mosteiro de Mar Elian, na cidade síria de Qaryatayn, mantendo-o segregado durante meses, e depois o devolveram à mesma Qaryatayn, após tê-la conquistada, junto com centenas de cristãos que, como ele, haviam assinado o chamado ‘Acordo de Proteção’ com o Estado Islâmico.
A entrevista é de Gianni Valente, publicada por Vatican Insider, 06-11-2017. A tradução é do Cepat.
A partir do momento em que Raqqa deixou de estar nas mãos do Daesh, teve notícias do padre Paolo Dall’Oglio?
Sempre tive esperanças de que a queda de Raqqa iria nos permitir saber algo a mais sobre ele. E também perguntamos aos franceses e estadunidenses se seria possível fazer algo para buscá-lo. No entanto, até agora não nos chegaram notícias. Espero que, inclusive nesta fase caótica, Paolo possa fazer parte de alguma troca de prisioneiros”.
Qual a sua opinião a respeito das novas hipóteses que circulam sobre seu destino, segundo as quais teria sido assassinado em 2013?
Não é a primeira vez que alguém estende rumores sobre sua morte e cada vez dizem coisas completamente diferentes. Por que a última versão deveria ser mais confiável que as anteriores? Nunca oferecem dados e elementos concretos. E nós continuamos esperando e rezando.
Que notícias tem do que está acontecendo naquela região?
Raqqa caiu e agora também caiu Deir el-Zor. Todos os jihadistas, da Síria ao Iraque, estão se concentrando em algumas regiões na fronteira entre os dois países e em áreas do deserto, utilizando corredores humanitários a sua disposição e que atravessam com a garantia de que não serão atacados. É algo que me parece estranho. E não sei o que acontecerá. Para lá se dirigem os jihadistas que em outubro haviam ocupado novamente Qaryatayn, a cidade síria onde eu vivia e onde os jihadistas, em 2015, também me sequestraram, retirando-me do mosteiro de Mar Elian.
Possui notícias do que aconteceu em Qaryatayn, nas últimas semanas?
Em Qaryatayn, em outubro, houve um terrível massacre. O exército sírio conquistou a cidade em abril de 2016. No verão passado, as autoridades governamentais deram permissão à população refugiada para retornar à cidade. Muitos haviam reformado as casas, tudo parecia tranquilo. Na cidade havia entre 8.000 e 10.000 pessoas. Depois, de repente, em inícios de outubro, os jihadistas retornaram.
E o que aconteceu?
Massacraram ao menos duzentos civis, muçulmanos sunitas que não aceitaram as regras do Daesh e que foram considerados como traidores, aliados das forças governamentais. Em seguida, pegaram trinta crianças entre 8 e 15 anos, levando-as com eles quando se retiraram para o deserto de Badiya.
Havia também cristãos?
Eram cerca de trinta cristãos e dois deles foram assassinados em outubro pelo Daesh. Um soldado cristão havia retornado a Qaryatayn, com seus pais, alguns dias antes que os jihadistas chegassem. Se o tivessem encontrado, sem dúvida o teriam matado. Mas, os vizinhos muçulmanos esconderam o soldado cristão e seis pais em sua casa, até que os jihadistas foram expulsos novamente. Esta história também mostra qual é a realidade dos muçulmanos sírios: assassinados pelos jihadistas e preparados a se arriscar com a finalidade de proteger os cristãos.
Qual é o impacto de tudo isto sobre a população civil?
Agora, todas as pessoas de Qaryatayn estão amarguradas. Os que ainda estão fora não querem retornar. Percebem que nenhuma das forças é sincera e busca de verdade a paz. É por isso que todos querem fugir. Para manter ao menos um pouco de esperança. Mas, também vi coisas tremendas no Líbano.
Ao que se refere?
Existem forças paramilitares como Fuhud al-Jabal, que vão às regiões onde estão os refugiados sírios e cometem violências para obrigá-los a saírem. Existem práticas de tortura. E os partidos políticos estão de acordo com a ideia de se expulsar os refugiados sírios de qualquer forma.
Também algumas autoridades eclesiásticas insistem em que a pressão do número excessivo dos refugiados sírios estão afundando o país...
Esta é só uma parte da realidade. Muitos sírios estão na Líbia há anos, mas se na Síria não se chega a uma solução e não há garantias, não podem voltar. Escaparam como desertores e voltar à Síria para eles equivale a arriscar a vida.
Você agora vive no Curdistão iraquiano, na comunidade de Mar Musa que está em Sulaymaniyah. Como estão as coisas por lá?
Ajudamos durante muito tempo as comunidades de refugiados que vinham de Qaraqosh, de onde haviam fugido no verão de 2014, diante do avanço dos jihadistas. Agora, muitos deles estão retornando a seus lares e acolhemos muitos cristãos que fugiram de Mossul e esperam poder retornar à normalidade em suas cidades.
Também lá, após o referendo de independência do Curdistão, houve ares de guerra entre Bagdá e o governo curdo da região autônoma...
As identidades étnicas e as religiosas são sempre exploradas por aqueles que querem fazer guerras. Espero que a mediação política prevaleça e as armas sejam colocadas de lado. E considero sábio o movimento dos curdos em se retirar de Kirkuk e deixar que na região sejam instaladas, novamente, as tropas do exército do governo. Os curdos têm direito a um Estado. Contudo, este objetivo deve ser conquistado mediante negociações políticas, chegando a um acordo internacional e não se centrando em iniciativas unilaterais.
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“Raqqa caiu, mas não sabemos onde está o padre Dall’Oglio”. Entrevista com Jacques Murad - Instituto Humanitas Unisinos - IHU