01 Agosto 2022
O que une o dia 29 de julho de 2022 do Papa Francisco ao do Pe. Paolo Dall’Oglio que, justamente no dia 29 de julho de 2013, foi sequestrado em Raqqa? Tudo ou nada.
A opinião é de Riccardo Cristiano, jornalista italiano e presidente da Associação “Jornalistas Amigos do Padre Dall’Oglio”. O artigo foi publicado por Settimana News, 29-07-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Surpreende-me o fato de que esse dia é, para ambos, uma data marcada pela pluralidade. Francisco, de fato, decidiu desafiar os seus problemas de locomoção para não faltar ao compromisso assumido e ir lá, ao encontro deles, dos “nativos”, para pedir perdão pelo horror da cumplicidade de algumas escolas católicas com políticas assimilacionistas.
Essas políticas previam a não alocação de recursos para as populações indígenas, por exemplo, para os seus cuidados de saúde, enquanto a sua cultura era destruída.
Muitíssimas crianças e adolescentes morreram nas famosas Indian Residential Schools, uma rede de escolas fundadas pelo governo e administradas pelas Igrejas, católicas e protestantes. As crianças foram objeto de abusos, também físicos e sexuais. Quando pereciam, eram sepultadas sem especificar o seu nome, para evitar problemas com a família.
Depois de chegar a Edmonton, o papa se dirigiu aos arredores da ex-escola residencial de Ermineskin e ali proferiu o seu discurso mais esperado. Muito desejadas, duas palavras logo chegaram: “indignação” e “vergonha”. Mas ainda mais importante foi o ensinamento extraído dos valores e dos costumes dos nativos.
Com toda a evidência apareceu a ideia que o cardeal Claudio Hummes expressou antes do Sínodo sobre a Amazônia: “Não devemos criar uma Igreja indigenista, mas indígena”: isso significava que a Igreja não é um corpo estranho à cultura dos povos amazônicos, que vai para cuidar deles, mas é um corpo que entra na sua cultura, reconhecendo que Deus está presente desde sempre na sua espiritualidade e é capaz de criar uma Igreja indígena.
É por isso que Francisco – não por primeiro, mas o primeiro nas suas terras – se deixou imortalizar com o cocar da tradição: com eles.
O que tudo isso tem a ver com o Pe. Dall’Oglio?
Paolo havia escrito: “Jesus não fundou imediatamente uma religião. Ele iniciou uma comunidade em movimento dentro do mundo religioso judaico. O que nos interessa é esse movimento religioso: [...] tornar-se cristão, assim, não é tanto não pertencer a uma comunidade que instaura proibições (alimentares ou outras), mas sim unir-se a uma comunidade em movimento, impulsionados pela caridade de Cristo a ir ao encontro de todos”.
Aí está expressada, portanto, a ideia central do Pe. Paolo, fundamentada na dupla pertença: “Pertenço à Igreja no sentido de que faço parte do mistério do Cristo-Igreja; esse mistério vive em mim, evidentemente, não em solidão, mas na essência comunitária da Igreja. E pertenço ao Islã porque a Igreja em mim vai ao encontro do Islã, quer encontrar os muçulmanos, quer reconhecer a obra do Espírito de Deus na experiência religiosa muçulmana”.
E concluía: “É possível, portanto, perguntar se uma dupla pertença islamo-cristã não deve ser interpretada, de um modo um pouco ingênuo, como o ato de revestir a fé da Igreja com os hábitos da cultura muçulmana”.
Que mérito tinha o Islã? Que missão salvífica ele realizou, segundo Paolo? Ele respondia: “A meu ver, o imenso mérito do Islã é ter colocado em xeque o projeto político cristão imperial, o projeto de uma humanidade cristalizada pela violência em torno de um poder que se justifica com dogmas verdadeiros”: palavras fortes.
Não lhes parece que o Pe. Paolo estava perto do Canadá e próximo de denunciar o escândalo das escolas assimilacionistas?
Mas somente com o Documento sobre a Fraternidade Humana, assinado em Abu Dhabi em 2019 por Francisco, é que foi possível – há pouco tempo – explicar o nexo profundo que une duas histórias geograficamente muito distantes com uma frase que assume com precisão o que eu pretendo dizer:
“A liberdade é um direito de toda a pessoa: cada um goza da liberdade de credo, de pensamento, de expressão e de ação. O pluralismo e as diversidades de religião, de cor, de sexo, de raça e de língua fazem parte daquele sábio desígnio divino com que Deus criou os seres humanos. Esta Sabedoria divina é a origem donde deriva o direito à liberdade de credo e à liberdade de ser diferente. Por isso, condena-se o facto de forçar as pessoas a aderir a uma determinada religião ou a uma certa cultura, bem como de impor um estilo de civilização que os outros não aceitam.”
Aí está, na minha opinião, a relação profunda entre o que está ocorrendo no Canadá nestas horas e o que o testemunho de Dall’Oglio recorda, na clara perspectiva iluminada por um irmão universal como Charles de Foucauld.
Nesse sentido, também me surpreendeu a explicação que o papa deu na sua homilia no dia de Santa Ana, escrita pelo diretor do L’Osservatore Romano, Andrea Monda:
“Somos filhos de uma história a ser conservada. Não somos indivíduos isolados, não somos ilhas, ninguém vem ao mundo desvinculado dos outros. As nossas raízes, o amor que nos esperava e que recebemos quando viemos ao mundo, os ambientes familiares em que crescemos fazem parte de uma história única, que nos precedeu e nos gerou. Não a escolhemos, mas a recebemos como dom; e é um dom que somos chamados a guardar. Além de filhos de uma história a ser conservada, somos artesãos de uma história a ser construída. [...] Os nossos avós e os nossos idosos desejavam ver um mundo mais justo, mais fraterno e mais solidário, e lutaram para nos dar um futuro. Agora, cabe a nós não os decepcionar. Sustentados por eles, que são as nossas raízes, cabe a nós dar fruto. Somos nós os ramos que devem florescer e introduzir novas sementes na história.”
Nesse texto, é bem perceptível o sentido que Francisco quis atribuir à sua visita, respeitosa das origens e do caminho na história daqueles cristãos, daquela Igreja, de todos aqueles povos: embora não necessariamente cristãos ou cristianizadas de maneira latina.
Em transparência à viagem de Francisco, encontro agora em minhas mãos o belo livro de Francesca Peliti, “Paolo Dall’Oglio e la Comunità di Deir mar Musa”, Ed. Effata’. Estou impressionado com o que o bispo Jihad Battha afirma sobre o seu vínculo com Dall’Oglio e a sua comunidade. Ele escreveu:
“Junto com ele, amar o Islã tornou-se uma coisa nova, podemos dizer que ele abriu um projeto de diálogo especial. Diálogo que não tem como escopo converter os outros, mas tem como objetivo o diálogo de reconhecimento. Mar Musa sediou congressos, e o tema de um deles foi o reconhecimento do outro. Na minha opinião, não precisamos tanto do reconhecimento, mas precisamos conhecer o outro e do respeito entre as religiões. Eu tenho o direito de acreditar que estou na Síria, no Egito ou no Líbano, onde adotamos o princípio segundo o qual a religião pertence a Deus, mas a pátria é de todos. O projeto de Paolo não foi aceito pela Igreja do Oriente, mas pelo Vaticano, sim. Eu considero Paolo uma pessoa que nasceu antes do seu tempo: uma espécie de profeta. Ele me perguntava: ‘Por que não dialogam comigo?’, e eu lhe respondia: ‘Paolo, mas quem pode dialogar com você? Você está fazendo projetos que não se entendem’. Se tivéssemos sido capazes de adotar o projeto de Paolo, não teríamos chegado à catástrofe do fundamentalismo islâmico. Paolo não foi compreendido. Ele amou a Síria e os muçulmanos, e o seu amor foi verdadeiro. Nós é que não fomos capazes de retribuir o seu amor. O homem é inimigo daquilo que ignora, e nós, sírios, fomos inimigos de Paolo, porque não fomos capazes de entendê-lo.”
Eu acredito que, com essas palavras, Dom Battha se refere aos muitos cristãos sírios que não amaram o Pe. Paolo porque não encontraram forças para entendê-lo. E me parece que muito no mundo ainda hoje não encontram todas as forças para entender o valor profundo – para os cristãos e para o cristianismo – da viagem de Francisco.
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Francisco e Paolo Dall’Oglio. Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU