Coronavírus. “A vida nos lembra que não somos donos do mundo”, afirma José Mujica

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09 Abril 2020

José Mujica, o carismático ex-presidente do Uruguai, foi entrevistado pela rede espanhola La Sexta e, com seu grande humor e inteligência, produziu algumas das palavras mais lúcidas e urgentes para enfrentar a situação do coronavírus, um pouco na mesma linha de seu amigo Noam Chomsky.

A reportagem é publicada por PijamaSurf, 07-04-2020. A tradução é do Cepat.

Na entrevista, Mujica chamou a atenção para o que considera ser o problema fundamental do mundo: a ambição e o egoísmo que caracterizam o ser humano atualmente, principalmente os políticos e bilionários que controlam as grandes corporações. Além do problema do coronavírus, o ser humano avança para um “holocausto ecológico”, que poderia ser freado com uma vontade coletiva. “Não é um problema ecológico, mas político. Nunca o homem teve tantos recursos, capacidade e capital para detê-lo. Estamos indo para um holocausto ecológico e estão fazendo uma gigantesca frigideira para nos fritar”, disse Mujica.

O evento global do isolamento pela transmissão da COVID-19, assim como a confrontação com a morte (que é de qualquer forma inevitável), fomentam a reflexão sobre o curso da humanidade. Diz o uruguaio a esse respeito: “Não sei para que merda existe um punhado de velhos que seguem querendo mais e mais dinheiro. Por que não deixam de besteira? Se vão morrer como qualquer um”.

Mujica destacou que a religião atual é o mercado e a preponderância do dinheiro e de sua circulação, sem importar as consequências: “o deus do mercado é a religião fanática do nosso tempo”. Não se trata de eliminar o mercado, mas de sujeitá-lo a considerações autenticamente humanistas, assinalou.

Especificou que, diferente do que é indicado na linguagem bélica de Donald Trump e Emmanuel Macron, “não estamos em guerra, este é um desafio que a biologia nos coloca para nos lembrar que não somos donos absolutos do mundo como nos parece”. Assim como Chomsky, Mujica acredita que os governos, na cegueira da ambição e da religião do mercado, deixaram de prestar atenção aos acontecimentos globais que teriam permitido evitar uma pandemia.

“Os governos subestimaram as dificuldades. Acreditaram que era uma coisa de chineses e, agora, é algo de todos, pelo menos temos algo em comum”. Acrescentou que a razão pela qual os países asiáticos obtiveram uma melhor resposta ao vírus é porque são capazes de um pensamento e ação coletivos - uma noção de interdependência - que o Ocidente carece, porque é, antes de tudo, focado no individualismo desenfreado. Essa ação coletiva também é essencial para poder modificar o curso que a humanidade segue. O positivo da crise poderia ser “chamar a nossa atenção para o fato de que os problemas de outras partes também são problemas nossos”.

Mujica, que aos 85 anos está em rigorosa quarentena autoimposta e que, além disso, passou anos na prisão, observou que o tempo é ideal para a introspecção, para “galopar a subjetividade”. “A pior solidão é a que levamos dentro. É tempo de meditar. Fale com o que você tem dentro. É tempo de meditar um pouco, olhar por uma janela para o céu e, quem não o tem, imagine-o”.

O ex-mandatário observou que a razão pela qual essa crise está causando tanta ansiedade e alarme tem a ver com o medo da morte, que é o grande motor do ser humano: “Lutamos porque temos medo de morrer, mesmo que não confessemos. Mas se queremos a vida, a grande pergunta é em que gastamos a vida. Pagando taxas? Vivendo? E o que é viver? Viver é buscar se sentir feliz e gastar a maior quantidade de tempo de nossa vida naquelas coisas que nos gratificam, sem prejudicar o outro”.

As pessoas que sofrem muito nesse momento, deveriam refletir, porque, segundo Mujica, aqueles que têm sentido de vida não têm tempo para se desmoronar: “Enquanto você tiver motivo para viver e lutar, não terá tempo para ficar desencantado ou para que a tristeza te devore”.

Outro aspecto positivo do vírus, segundo Mujica, é que “demonstrou a quantidade de coisas supérfluas que temos”. Esse parece ser o grande ensinamento que a circunstância nos impõe: abandonar nosso apego à riqueza material supérflua para afirmar o que é verdadeiramente importante.

É como se uma mãe (a Natureza) tivesse repreendido a seu filho, dizendo-lhe para ir ao seu quarto refletir sobre o que fez. E nós todos somos esse filho punido e de nossa reflexão e capacidade de transformação depende ainda uma possível retificação do projeto de civilização humana. Não o planeta, que não precisa de nós.

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