07 Abril 2020
"Não ter desenvolvido mais uma conversa pública sobre a morte, não nos tornou mais seguros, simplesmente nos tornou afásicos, ou seja, incapazes de ficar diante dela", escreve Antonio Viola, em artigo publicado por Settimana News, 03-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Muitos, talvez demais, pensaram que a haviam definitivamente removido do discurso público, colocada às margens, trancada no espaço do privado e do invisível: a morte não se contenta em ser reduzida a espetáculo e entretenimento, não tolera sobre si uma visão parcial que a reduz a um simples exercício de fechar a vida de alguém, alguém que seja sempre outro, distinto de quem está olhando.
Pensar em anestesiar a morte foi a última grande insanidade dos nossos tempos. Acreditar que era possível reduzir tudo a práticas de gestão para manter o mundo dos vivos longe do mundo dos mortos, estruturando lugares ad hoc para nos eximir de qualquer responsabilidade com relação ao contato direto com o falecido e com tudo o que implica a perda de uma vida, representou um dos vértices da barbárie do nosso ocidente doente.
Hoje estamos começando a ter consciência disso: diante das filas de carros do exército que carregam para outros lugares caixões de pessoas para as quais, muitas vezes, nem conseguimos dar um último adeus, ficamos sem palavras.
De fato, não ter desenvolvido mais uma conversa pública sobre a morte, não nos tornou mais seguros, simplesmente nos tornou afásicos, ou seja, incapazes de ficar diante dela.
Não temos mais palavras e imagens para descrevê-la e, consequentemente, não entendemos mais como isso pode realmente fazer parte de nossa vivência.
Após a imensa tragédia da Segunda Guerra Mundial, esquecemos, pelo menos nesta parte do mundo, que a morte continua a frequentar a vida imperturbada como sempre, percebendo o que sempre fez e, ainda mais tragicamente, trabalhando abaixo dos radares, privando-nos imperceptivelmente da necessária companhia da esperança.
A história da arte do período pós-guerra até o presente nos lembra: reflexões não-improvisadas sobre o tema são pérolas raras. Exceto algumas tentativas apreciáveis, como as de Manzù nas famosas portas, também a redescoberta do tema do crucifixo por muitos artistas extraordinários, de Sutherland a Congdon, parece-nos mais uma reflexão pessoal, um estar diante da morte do outro e da própria, independentemente do contexto em que é gerada.
Somos confrontados com uma reflexão sobre a perda da vida, a sensação da dor, o desaparecimento do corpo, mas sempre na perspectiva da meditação interior e pessoal: para onde foram os outros? Para onde foi a morte?
Os grandes polípticos medievais, mas também os grandes retábulos dos séculos XV e XVI, raramente nos apresentavam a morte solitária de alguém.
O Cristo na cruz era representado no contexto dos efeitos de sua morte sobre os outros, a mãe, o discípulo amado, o centurião, as mulheres e até as grandes cruzes que, desde meados do século XII ocupam as naves das igrejas, sempre veem a presença de pelo menos um espectador, seja ele apenas o santo adorador agarrado aos pés de seu Senhor.
A própria morte, quando era representada através de alegorias, símbolos e descrições de suas ações, sempre era inserida em uma narrativa social, um contexto composto por personagens reais, ainda que representativos de categorias, precisamente as categorias que constituíam a trama social de um país, de uma cidade, de um povo.
O grandioso trabalho do Mestre do Triunfo da Morte em Palermo é um exemplo, onde a fantasmagórica radiografia de um cavalo galopando transporta um esqueleto que atira dardos à sua volta, sem se preocupar com a direção de cada movimento.
Enquanto alguns já são atingidos, outros aguardam a sua vez, mas, acima de tudo, muitos nobres e ricos continuam desempenhando suas atividades, sem se preocupar com o que está acontecendo: há um estar diante da morte que nos torna todos iguais e, se, por um lado, essa constatação pode se tornar um mero consolo que desencadeia mecanismos de pura passividade, pelo outro, tem sido frequentemente o motor do renascimento diante das maiores tragédias da história.
Ao longo dos séculos, diante do extermínio de guerras devastadoras e epidemias trágicas, ter-se preparado para enfrentar a morte sempre ajudou a retomar o discurso sobre a vida com maior vigor. Desde que tal estar diante da morte fosse um estar compartilhado, percebido como um momento de essencialidade e purificação por todos: é necessário recuperar essa atitude que, para ser verdadeiramente fecunda, só pode ser coletiva.
As épocas passadas de nossa civilização encontraram seus próprios caminhos nesse sentido.
Souberam reconstruir linguagens da vida a partir das palavras e imagens da morte, cientes de que era necessário conceder hospitalidade legítima a uma companheira tão incômoda.
A cultura da fé e a tradição bíblica nos oferecem, ainda hoje como sempre, as ferramentas básicas para poder voltar a tecer um diálogo possível.
As comunidades cristãs têm o dever de tentar restituir a convicção de que este é o momento certo para poder dar uma imagem pública da morte novamente.
Se não formos capazes de chama-la de irmã, devemos pelo menos tentar oferecer-lhe hospitalidade para continuar a ter credibilidade em nosso anúncio da ressurreição. Afinal, a grande história da Paixão não é o cenário extraordinário em que todos somos chamados a encontrar nosso lugar diante da morte?
Não somos espectadores, somos personagens reais do drama da vida em que somos interrogados juntos pela morte do único justo: diante dessa morte, cada um de nós deve ficar em seu lugar, no justo silêncio que não se tornará mutismo se tivermos a coragem de parar juntos e ouvir o que ela tem a nos dizer.
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Deixando a morte falar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU