Pandemia global, governo e desigualdade no Brasil: Um olhar das ciências sociais

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

12 Abril 2020

"Em face do vácuo de autoridade do Executivo e após a implementação das medidas emergenciais, será o momento de o Congresso Nacional e as forças democráticas encamparem definitivamente a realização de uma reforma tributária dotada de progressividade, promoverem a taxação das heranças, dividendos, renda e patrimônio dos mais ricos e bilionários, que necessitam contribuir para o financiamento de políticas públicas para os mais vulneráveis", escreve Carlos Eduardo Santos Pinho, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (PPGCS-UNISINOS), pesquisador Associado do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED), pós-doutorado pelo INCT/PPED, pós-doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (PPGSP-UENF) e doutor e mestre em Ciência Política pelo IESP/UERJ.

 

Eis o artigo.

 

1. Introdução

 

A crise (política, sanitária, humanitária e econômica) em curso no Brasil, para além de desnudar a ideologia neoliberal que submete as relações sociais à esfera do mercado autorregulável[3] e revelar a falta de liderança da Presidência da República, tem apontado a necessidade impreterível de ação coletiva global coordenada e articulada entre o governo federal, as instâncias subnacionais, o Ministério da Saúde e as instituições internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS). O objetivo central desta ação global concertada é minorar os efeitos deletérios da pandemia de Covid-19 sobre a vida humana, a estrutura econômica/produtiva e evitar o esgarçamento da sociabilidade por meio do fortalecimento do colchão de proteção social. Defendo a hipótese de que, após a pandemia de Covid-19, emergirá - paralelamente ao fortalecimento dos mecanismos de solidariedade social e ao incremento de políticas de intervenção do Estado para reduzir os impactos danosos da crise - uma completa restruturação do sistema capitalista globalizado em várias dimensões (economia, educação, relações de trabalho, sociabilidade). 

Além desta breve introdução (1), o presente texto tem por objetivo: 

(2) salientar a atuação contracíclica e keynesiana dos países ricos (EUA, Reino Unido, Canadá, Itália França, Alemanha, Austrália e Suécia) no enfrentamento da pandemia internacional ao investirem maciçamente no sistema financeiro, no setor produtivo e nas políticas de proteção social. Trata-se de uma intervenção deliberada que contradiz a ideologia do livre mercado tradicionalmente prescrita aos países da periferia do capitalismo e ao Brasil, em particular; 

(3) apontar as reverberações da crise no Brasil, a injeção de R$ 1 trilhão e 200 bilhões no sistema financeiro pelo Banco Central, embora os bancos privados não estejam contribuindo para minimizar o cenário econômico adverso (que virá) ao aumentarem a taxa de juros para os tomadores de empréstimos. O empresariado produtivo vem ameaçando demitir trabalhadores e o déficit nas contas públicas já é uma realidade, sinalizando a preocupação da burocracia econômica do governo Bolsonaro com a continuidade do ajuste fiscal que remonta a 2015; 

(4) examinar os constantes conflitos entre o presidente Jair Bolsonaro, o Congresso Nacional e os governos subnacionais na gestão da crise sanitária, em virtude do sistemático boicote do chefe do Executivo às medidas sanitárias e de isolamento defendidas por cientistas, pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial de Saúde (OMS);

(5) abordar os impactos do subfinanciamento crônico do SUS, o regime regressivo de tributação que penaliza os mais pobres, as medidas de proteção social votadas no Parlamento para estancar a crise, no quadro de secular desigualdade e de iminência de convulsão social;

(6) tecer breves considerações finais críticas.

 

2. A pandemia global, a resposta política keynesiana dos países ricos e o lugar do Brasil: “o liberalismo somente é bom para os outros”

 

A atual crise sanitária que afeta todo o mundo mostra que países de tradição liberal, como os EUA e Inglaterra, vêm promovendo uma intervenção estatal sem precedentes para salvar o sistema financeiro da crise econômica iminente, minimizar o desemprego e aumentar substancialmente o investimento em saúde e proteção social. Tradicionalmente, os países liberais da América do Norte e da Europa defendem que os países latino-americanos adotem políticas de liberalização das contas de capital para o livre fluxo do capitalismo financeiro, privatização das empresas públicas, abertura comercial, desregulamentação financeira, terceirização da mão de obra, flexibilização das relações de trabalho. No entanto, ao longo do desenvolvimento histórico e de edificação de suas armaduras institucionais, esses países ricos valeram-se de forte intervencionismo estatal e protecionismo[4]. Na crise financeira sistêmica de 2008 injetaram bilhões no sistema financeiro e nos bancos, pois “são instituições grandes demais para falir”. Nesta pandemia global atuam ainda mais intensamente, tornando empiricamente falaciosa a retórica neoliberal de desregulação da economia, ou, como o ditado popular, “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. 

O governo Donald Trump[5] ativou a Lei de Produção de Defesa, que data da Guerra da Coreia (1950-1953), possibilitando ao Estado intervir nas indústrias para garantir a fabricação de materiais necessários aos EUA. O Congresso aprovou um pacote de estímulo de US$ 2 trilhões e o Banco Central americano (Fed) vai prover empréstimos para pequenas e médias empresas, financiamento imobiliário, estímulo à aquisição de automóveis, concessão de empréstimos para estudantes e financiamento de cartões de crédito. Isto significa dizer que o Banco Central vai comprar títulos do Tesouro americano, na mão de particulares, com o fito de irrigar o mercado bem como disponibilizar auxílio às grandes corporações que usufruem de bom crédito no mercado. Atuará imprimindo dinheiro e emprestando de forma ilimitada a juros baixos ou quase nulos no sentido de reduzir as externalidades negativas da crise econômica, quando comparada à crise de 1929, ao pós-II Guerra Mundial e à crise financeira sistêmica de 2008. Esta última foi resultado da desregulamentação do mercado financeiro americano e se espalhou pelo mundo com a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers[6]. Até o celular comprado por meio do cartão de crédito será financiado pelo Banco Central da maior economia do mundo. A crise sanitária e econômica (em curso) revitaliza a teoria econômica de John Maynard Keynes, segundo a qual os mercados não seriam capazes de se corrigir diante de uma crise aguda, que nem sequer a política monetária (taxa de juros, inflação, crédito) bastaria, e que seria fundamental o suporte fiscal do Estado, o fomento ao gasto público, o incentivo à demanda e as medidas contracíclicas para reativar a economia

Paradoxalmente, o governo do partido conservador britânico, o mesmo que defendeu o receituário da austeridade fiscal na última década, ressaltou que o momento exige “ousadia”, e “não ideologia ou heterodoxia”, como destacou o ministro das Finanças do país, Rishi Sunak. O governo anunciou com relativa celeridade três pacotes de estímulo à economia no valor total de 418 bilhões de libras, cerca de R$ 2,5 trilhões, para auxiliar as empresas de portes variados, além da suspensão da cobrança de impostos sobre valor agregado (IVA) para o setor do comércio e, principalmente, para os trabalhadores. O governo se propôs a garantir 80% dos salários até o limite de 2.500 libras por mês (ou R$ 14,8 mil). Os trabalhadores por conta própria, que não serão contemplados por esta medida em especial, terão um prazo prolongado para pagar os seus impostos e também contarão com benefícios sociais bem mais generosos. O empresariado terá acesso a cortes de tributos e linhas de crédito que lhe possibilite ter dinheiro em caixa para pagar seus funcionários. O salário médio no Reino Unido está em torno de 585 libras (quase R$ 3,5 mil) por semana, ou cerca de 2.340 libras por mês (R$ 13,9 mil). No Canadá também haverá subsídios para o pagamento dos salários dos trabalhadores[7]. 

Já na Itália (o país mais atingido pela pandemia global, com o maior número de óbitos) e na França, optou-se por expandir o sistema bem estar social para apoiar os trabalhadores. O governo italiano também pagará mais de 500 euros (R$ 2,700) para cada trabalhador por conta própria e o Estado subsidiará temporariamente os salários de parte daqueles que forem demitidos. A França prometeu liberar 45 bilhões de euros (US$ 50,2 bilhões) em ajuda imediata para empresas e funcionários prejudicados pelo novo coronavírus. A ajuda para os empresários abarcará uma diversidade de ferramentas, incluindo a expansão de um esquema de emprego parcial, a partir do qual o Estado pagará os salários dos funcionários que não sejam necessários durante a crise. O ministro de Finanças francês, Bruno Le Maire, destacou que a França vai garantir 300 bilhões de euros em empréstimos bancários anuais para pequenas e médias empresas[8]. O governo alemão, no dia 23/03/2020, acertou um pacote de até 750 bilhões de euros; 100 bilhões de euros para um fundo de estabilidade econômica que pode assumir participações diretas em empresas; 100 bilhões de euros em crédito ao banco público de desenvolvimento para empréstimos a empresas em dificuldades; o fundo de estabilidade oferecerá 400 bilhões de euros em empréstimos para garantir dívidas corporativas sob o risco de inadimplência[9]. Bem assim, optou-se por enquanto por expandir o chamado Kurzarbeitergeld, programa que concede subsídios governamentais para os empregados dispensados durante crises econômicas. Na Austrália, o governo está ajudando as empresas de pequeno porte com faturamento inferior a 50 milhões de dólares australianos, ou R$ 148 milhões, com somas equivalentes à metade do imposto que pagam sobre os salários dos empregados. O governo também vai pagar 750 dólares australianos (cerca de R$ 2,2 mil) para todos os cidadãos de baixa renda[10]. A Suécia adotou uma estratégia completa, uma vez que o governo sinalizou que poderá subsidiar os trabalhadores a fim de que possam receber 90% de seus salários, mesmo que trabalhando horas reduzidas ou em casa. Os impostos foram prorrogados para 2021 com o fito de beneficiar o empresariado e o governo vai destinar 6% do PIB do país, cerca de 27 bilhões de euros, para levar a cabo o plano de socorro às empresas e aos trabalhadores[11]. 

Na contramão das políticas adotadas pelas democracias mundiais, o governo Bolsonaro apresentou, no dia 23/03/2020, uma medida provisória liberando a suspensão dos contratos de trabalho, deixando os trabalhadores descobertos. Após críticas, houve o recuo e uma nova proposta foi apresentada. Convém elucidar que os Estados latino-americanos e, particularmente, o Brasil são marcados pela debilidade do poder infraestrutural, segundo o conceito do sociólogo Michael Mann. Para este autor, o poder infraestrutural diz respeito à capacidade do Estado de efetivamente implementar logisticamente as decisões em todo o território, evidenciando a capacidade ou eficiência do Estado de assegurar a provisão universal de serviços sociais públicos, como saúde, educação, assistência social, previdência social, saneamento básico, habitação. A América Latina é a região mais desigual do planeta e suas elites são resistentes às medidas de tributação progressiva e aumento de impostos para financiar o Estado do Bem-Estar, pois necessitam menos dos serviços sociais públicos. Entre as décadas de 1960 e 1990, os Estados permaneceram bastante fracos do ponto de vista infraestrutural e verificou-se uma oscilação entre regimes democráticos e militares despóticos. Muitos Estados latino-americanos não fornecem sequer água tratada, habitação, serviços médicos, benefícios a desempregados e esgotamento sanitário à maior parte de suas populações. O grande desafio dos Estados latino-americanos diz respeito à capacidade de incorporar suas diversificadas populações a uma cidadania nacional de cunho autêntico, com Estados dotados de infraestruturas poderosas e plenamente democráticos[12]. Pensar a formação e integração dos Estados latino-americanos nos remete à construção de capacidades estatais no enfrentamento de crises desta magnitude, de Estados de Bem-Estar Social e à necessidade indispensável de fortalecimento das instituições democráticas em todas as suas dimensões: representativa, participativa e deliberativa[13]. O fato é que a pandemia do coronavírus colocou no centro de gravidade da agenda pública global a necessidade de robustecer o poder infraestrutural do Estado para minimizar a letalidade do vírus, salvar as empresas e indústrias do caos econômico e salvaguardar os arranjos institucionais de bem-estar social. No caso do Brasil, cuja desigualdade é uma das piores do mundo, somada ao fato de que o regime de austeridade vem limitando significativamente os recursos para garantir a sustentabilidade das políticas públicas, a ação do Estado se faz premente. Defendo que essa tendência de revitalização do papel do Estado no plano global precisa ser analisada com cuidado ao longo do tempo, tendo em vista a resiliência do modelo neoliberal fundamento na austeridade fiscal e na ideologia de autorregulação dos mercados.

 

3. Os impactos da crise do coronavírus na economia brasileira: bancos privados, reação dos empresários e déficit nas contas públicas

 

Em recente vídeo publicado no YouTube no qual, juntamente com outros economistas, examina as medidas econômicas adotadas pelo governo Bolsonaro e pelo Congresso Nacional no combate à pandemia do coronavírus, o economista Luiz Fernando de Paula, professor do Instituto de Economia da UFRJ e do IESP/UERJ, salienta a gravidade da paralisia física das atividades produtivas no contexto de semi-estagnação da economia brasileira, com baixo crescimento do crédito. Em suas palavras, o aspecto positivo diz respeito ao fato de que os bancos têm um índice de liquidez e coeficiente de capital bastante confortável, o que significa que têm capacidade de absorver perdas relativamente elevadas. No tocante à dimensão negativa, embora o nível de crédito esteja relativamente estagnado, as empresas necessitam rolar as suas dívidas e a crise econômica em curso é bastante severa, pois atinge o lado da demanda, ao fomentar a paralisia de renda forte. Do lado da oferta, conforme salientado, a crise asfixia fisicamente as atividades produtivas[14]. 

O sistema financeiro e os bancos não vêm contribuindo para minimizar os efeitos perversos da crise do coronavírus, pois, a despeito de receberem R$ 1 trilhão e 200 bilhões do Banco Central têm elevado as taxas de juros às empresas que necessitam de recursos. A Febraban anunciou, no dia 16/03/2020, que as maiores instituições financeiras do Brasil estavam disponíveis para prorrogar, por um prazo de 60 dias, os pagamentos das dívidas das empresas, bem como apoiar micro e pequenas empresas para manter o emprego e a renda. Todavia, representantes de entidades do setor privado, altos executivos de grandes empresas, proprietários de médios e pequenos negócios salientam que os grandes bancos aumentaram os juros em todas as operações. Capital de giro, antecipação de recebíveis e até de empréstimo de longo prazo, que já estavam em negociação havia tempos e prestes a serem liberados, tiveram as taxas de juros elevadas de uma semana para outra, evidenciando casos em que as taxas dobraram e até triplicaram[15]. 

Os segmentos mais afetados são os donos de restaurantes e bares, que retratam entraves para a prorrogação de parcelas de financiamentos. Os problemas envolvem juros caros, prazos menores e exigência de mais garantias para concessão de crédito. Como os bancos privados são avessos ao risco, o crédito está direcionado principalmente para as grandes empresas, que são capazes de suportar condições econômicas adversas. Associações representativas de grandes varejistas, shopping centers e lojistas encaminharam cartas ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e ao ministro da Economia, Paulo Guedes, em que criticam diretamente os bancos por causa de um “aumento expressivo das taxas” de juros, superiores a 70% em certos casos, após o início da crise provocada pela pandemia do coronavírus.[16] Com esse comportamento parasita do sistema financeiro será muito difícil recuperar o país do grave processo de desindustrialização, da destruição do setor produtivo da economia e do desemprego

Os empresários do ramo do varejo ameaçam demitir aproximadamente 600 mil trabalhadores caso o governo Bolsonaro não viabilize a reabertura de lojas até meados de abril. O comércio varejista emprega 23,5% dos trabalhadores com carteira assinada, o que corresponde a 9,1 milhões de pessoas e as principais redes respondem por aproximadamente 20% desses postos, ou seja, 1,8 milhão de trabalhadores[17]. Ainda que oficialmente admitam o empenho em preservar empregos e seguir as recomendações de confinamento definidas pelas autoridades de saúde, empresários têm mantido contato com Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, para convencê-los a implementar um modelo similar ao da Coreia do Sul. O país asiático liberou parte da população para o trabalho após a realização maciça de testes para garantir que não haveria uma nova fase de contaminação. Encabeçados por Flávio Rocha, dono da Riachuelo, e Luiza Trajano, da Magazine Luiza, os grandes comerciantes estão preocupados com os efeitos de um isolamento mais prolongado na cadeia produtiva. Rocha defende a adoção do modelo implantado pelo governador Andrew Cuomo, no estado americano de Nova York, que decidiu fazer testes maciços na população para encerrar o isolamento. Contudo, os empresários brasileiros defensores da reabertura do comércio, ainda que parcialmente, não apresentaram propostas de como arcar com os custos dos testes para a população. Os empresários do varejo pedem postergação de todos os tributos federais e estaduais por quatro meses, ressarcindo os cofres públicos em parcelas até o fim de 2020, pois a injeção de liquidez nos bancos e a concessão de linhas de crédito não são suficientes. Apesar de tal reivindicação, Paulo Guedes resiste à ampliação do prazo para o pagamento de tributos. 

De acordo com levantamento feito pelo Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe) e Economática, com 245 companhias, tendo como base o balanço de dezembro de 2019, constatou-se que 23,3% das empresas já ficariam com o caixa negativo nos primeiros 30 dias. Esse número sobe para 37,1% após dois meses e para 48,6% em 90 dias. A outra metade das empresas chegaria ao final de três meses ainda com o caixa positivo, podendo arcar com as despesas por um tempo maior. As grandes têm mais liquidez, sobretudo aquelas listadas em Bolsa de Valores. E, no caso de problema de liquidez, conseguem se financiar no mercado com empréstimos. Especialistas que lidam com reestruturação de dívidas já calculam uma escalada do número de recuperação judicial[18]. Por outro lado, as pequenas empresas não têm fôlego nem para um mês, já que não dispõem de fluxo de caixa suficiente para bancar um período longo sem receitas. As pequenas empresas são responsáveis por mais de 80% dos empregos (formais e informais) no Brasil

(Fonte das imagens: Estadão - 30/03/2020, a partir de dados do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe) e Economática)

 

De acordo com o Secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, o rombo das contas públicas em 2020 deve ser superior a R$ 350 bilhões. Quando as despesas do governo superam as receitas com impostos e contribuições, o resultado é deficitário. Quando acontece o contrário, há superávit. O conceito primário não engloba os gastos com juros da dívida pública. Para este ano, o governo tinha de atingir uma meta de déficit primário até R$ 124,1 bilhões. Contudo, com o decreto de calamidade pública, proposto pelo governo e aprovado pelo Congresso Nacional por conta da pandemia do coronavírus, não será mais necessário atingir esse valor. Demonstrando preocupação com a continuidade do ajuste fiscal, o secretário avaliou ainda ser fundamental o controle de gestão para que essas despesas temporárias de combate à pandemia não se transformem em gastos permanentes[19]. Um cenário mais pessimista é projetado pelo secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, para quem o governo deve fechar o ano com as contas no vermelho em R$ 419,2 bilhões, o equivalente a 5,5% do PIB. Entretanto, tal estimativa poderá ser revista quando novas medidas forem anunciadas[20]. Tal cenário negativo foi reforçado pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que, em reunião com ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), apresentou a possibilidade de uma recessão de 5,5% em 2020. Campos disse que as enormes perdas na bolsa de valores, que já atingem R$ 1,7 trilhão, no mercado de crédito e nos títulos públicos terão um efeito “altamente recessivo[21]”.

 

4. O presidente Jair Bolsonaro, o Congresso Nacional e os governos subnacionais na gestão da crise política e sanitária

 

Em flagrante oposição às recomendações sanitárias oriundas da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Ministério da Saúde, da comunidade científica e das medidas profiláticas adotadas por governos do mundo inteiro no sentido de reforçar o isolamento total e horizontal, o presidente Jair Bolsonaro afirmou em pronunciamento à nação que o coronavírus não passa de uma “gripezinha”, já que ele apresenta uma “saúde de atleta”. Além de ser um presidente inseguro, volúvel e inconstante, essa postura mostra o egocentrismo e a persistência de características “sultanistas[22]” e arbitrárias que procuram salvaguardar seus interesses privados, sujeitando os indivíduos, grupos e instituições à imprevisibilidade e a uma intervenção desregrada e despótica. 

Segundo edição extra da “Pesquisa XP com a População”, realizada pela instituição em parceria com o instituto Ipespe, o governo Bolsonaro tem 42% de avaliação ‘ruim’ ou ‘péssima’ em abril. É o maior nível de avaliações ruins ou péssimas desde o início do mandato; e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, tem mais aprovação de 68%, mais do que o presidente. Ao mesmo tempo, a proporção dos entrevistados que consideram a administração dos governadores como “ótimo ou boa” subiu de 26% para 44%[23]. Na pesquisa do Datafolha, o Ministério da Saúde recebeu aprovação de 76%, sendo mais que o dobro da de Bolsonaro[24]. Essa deterioração da avaliação do governo deve-se, dentre inúmeras razões, ao fato de que, no dia 15/03/2020, o mandatário foi às ruas cumprimentar e incentivar o seu eleitorado signatário da intervenção militar, e que protestava contra as instituições democráticas, o Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF). 

O presidente tem sistematicamente desautorizado o seu ministro da Saúde ao refutar a política sanitária de isolamento, incentivar a normalização das atividades (abertura do comércio, escolas) e convocar a população para o trabalho, argumentando que o país não suportará a paralisação das atividades econômicas, o que resultará na retração da arrecadação tributária, no desemprego, na quebra de empresas e na impossibilidade de arcar com a folha salarial dos servidores públicos. O referido ministro tem manifestado a aliados que pretende sair do governo, porém, não pedirá demissão em virtude de seu sentido de missão no exercício da medicina[25]. 

Segundo Bolsonaro, o clima de “histeria” em torno do coronavírus é ensejado pela imprensa, com a qual vem travando embates desde o limiar de seu mandato. O ídolo de Bolsonaro e presidente dos EUA, Donald Trump, ampliou o prazo de quarentena para o dia 30/04/2020, embora tenha manifestado inúmeras vezes que gostaria que o país voltasse ao normal e retomasse a economia até a Páscoa, em 12 de abril. Agora, afirma esperar que o país esteja no caminho da recuperação até 1º de junho. 

Os governos e prefeituras de todo o Brasil têm anunciado medidas de combate ao coronavírus como o fechamento do comércio (com exceção de atividades essenciais como supermercados e farmácias), escolas, universidades, academias, cinemas, a proibição de eventos públicos que reúnam aglomerações, home office, em algumas atividades, para servidores públicos a partir de 60 anos, gestantes, portadores de doenças crônicas, hipertensos e pacientes com baixa resistência imunológica. Bolsonaro tem ignorado as recomendações de autoridades, como os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC-RJ), além do vice-presidente, general Hamilton Mourão (PRTB). Este último apontou que a orientação é para o distanciamento social e disse ainda que é necessário haver coordenação nas ações de combate ao coronavírus. O governador Wilson Witzel afirmou que Bolsonaro poderá ser julgado por crime contra a humanidade, já que vem atuando contrariamente às organizações internacionais das quais o Brasil é signatário, como o artigo 7º do Estatuto de Roma, de crime contra a humanidade[26]. 

Na contramão das autoridades subnacionais, o governo Bolsonaro chegou a divulgar, nas redes sociais, o vídeo de campanha intitulado “O Brasil não pode parar” para estimular o retorno das atividades, o qual foi posteriormente retirado do ar. Ao visitar a comércio e cumprimentar populares nas cidades-satélites de Ceilândia e Taguatinga, em Brasília, o presidente, mais uma vez, ignorou seu ministro da Saúde e afirmou ter vontade de baixar decreto para abrir o comércio e a população poder trabalhar. Tal atitude foi prontamente rejeitada pelos governadores, que afirmaram acionar a Justiça para impedir o decreto. O fato é que o presidente e seus seguidores, sobretudo empresários, ao ignorarem a fracassada experiência italiana (Lombardia) no combate à pandemia, insistem na estratégia de isolamento vertical, que significa isolar somente os grupos de risco e, assim, garantir a continuidade da atividade econômica. O empresário paranaense Junior Durski, dono da rede de restaurantes Madero, apoiador do governo de Jair Bolsonaro e sócio do apresentador de TV Luciano Huck, apontado como candidato à presidência em 2022, afirmou sobre a pandemia do coronavírus que: “Não podemos [parar] por conta de 5 ou 7 mil pessoas que vão morrer, eu sei que é muito grave, sei que isso é um problema, mas muito mais grave é o que já acontece no Brasil[27]”. A cientista política Marta Arretche, em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo (30/01/2020), analisa que a postura do presidente fez com que alguns comerciantes decidissem reabrir prematuramente os estabelecimentos comerciais em seus estados, que o governo não quer ser responsabilizado por uma recessão no curto prazo e faz um cálculo político perigoso que poderá resultar numa combinação explosiva: disseminação da doença com recessão econômica[28]. 

A fim de que a curva de infecção cresça de forma mais lenta, cientistas e autoridades sanitárias desestimulam que as pessoas frequentem locais públicos, como praias, parques e praças, evitando aglomerações que favoreçam a disseminação do novo coronavírus. Em pronunciamentos recentes, o ministro da Saúde tem enfatizado a possibilidade de “colapso” do sistema de saúde se houver um número muito elevado de infectados simultaneamente. Em entrevista coletiva no dia 28/03/2020, o ministro da Saúde foi enfático e condenou atos pela abertura do comércio, afirmando que os mesmos que fazem carreata ficarão em casa daqui a duas semanas. Na Itália, o prefeito de Milão, Giuseppe Sala, admitiu que errou na política de combate ao avanço do coronavírus ao divulgar um vídeo no final de fevereiro afirmando que Milão não deveria parar.

A pandemia do coronavírus tem desencadeado uma nova modalidade de coordenação federativa com maior articulação dos governos estaduais, alicerçada no Sistema Único de Saúde (SUS), que, por seu turno, constitui o cerne da estruturação cooperativa de relações intergovernamentais no bojo do federalismo brasileiro. No SUS, os governos estaduais desempenham relevante atribuição de coordenação das ações de saúde no seu território. Nesse sentido, promovem a interlocução junto aos governos federal e municipais através de seus Secretários de Saúde, que atuam nos distintos fóruns de negociação que integram o SUS. Também é da competência dos governos subnacionais a oferta de serviços de média e alta complexidade, em que se encontram os leitos hospitalares que já estão abrigando os pacientes graves internados por coronavírus, mas a capacidade do número de leitos é crítica neste momento. Uma vez que se trata de uma atribuição fundamentalmente estadual, não é um fato excepcional que os governadores estejam se dedicando com afinco a evitar a propagação da pandemia de Covid-19[29]. 

O governador Ronaldo Caiado (DEM-GO) afirmou que a situação é urgente e, se Bolsonaro não agir, vai haver desobediência civil e o povo “vai quebrar tudo”. Segundo ele, é fundamental que o presidente tome medidas o mais rapidamente possível para garantir a alimentação das pessoas. Trata-se da única forma para conseguir manter os cidadãos em casa e poder prosseguir na linha do isolamento social para enfrentamento ao coronavírus. Nesse contexto de grave crise política, de colisão entre os Poderes da República e de agravamento da pandemia no território brasileiro, o Ministério da Defesa afirmou, em ordem do dia alusiva ao golpe que instaurou a ditadura militar há 56 anos, que “o movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira”[30]. 

O presidente Bolsonaro tem se queixado da postura “egoísta” do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que não tem lhe prestado auxílio na luta travada contra os governadores e prefeitos. Ainda que Bolsonaro seja partidário do isolamento vertical, somente para idosos e pessoas com doenças, os Estados e municípios seguem adotando a quarentena como medida para controlar o avanço da Covid-19. A visão do presidente com relação a Sérgio Moro é que, ao decidir por não buscar auxiliar o governo fora dos temas diretamente vinculados à sua pasta, demonstra atuar somente no que lhe confere capital político. Bolsonaro vem perdendo em sucessivas frentes, como é o caso da Justiça do Rio, que derrubou a decisão de reabrir os templos e as casas lotéricas. Além disso, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, decidiu liminarmente que governadores e prefeitos podem determinar sobre as restrições de circulação de transporte. A decisão derrubou um trecho da medida provisória que restringe ao governo federal determinar o que são serviços essenciais[31]. 

Cabe ressaltar a influência da direita cristã do guru Olavo de Carvalho sobre o presidente e sua ala ideológica, constituída por seus três filhos parlamentares (Carlos, Eduardo e Flávio), pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub e pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, movidos pelo ódio, pelo ressentimento, dotados de um ímpeto reacionário e destruidor de legados institucionais. Direita essa com evidentes influências da Christian Right americana dos anos 1970 a 1990, e que era altamente anticientífica. Ao rejeitar a “velha política”, o presidente demonstra aversão ao presidencialismo de coalizão, como se fosse uma preferência do chefe do Executivo, e não uma singularidade das instituições políticas brasileiras[32]. Considerando a diversidade regional, as disparidades sociais e o caráter disforme do federalismo brasileiro, o governo de coalizão requer do presidente a capacidade de coordenar bancadas partidárias heterogêneas e fragmentadas no Congresso Nacional, além de habilidade política e gosto para lidar com parlamentares[33]. Deve ser capaz de disciplinar tais bancadas de modo a conferir a amplas e heterogêneas alianças uma ação estruturada para dar concretude a uma agenda governamental. 

Bolsonaro abriu mão de montar uma coalizão partidária no Congresso, suprimiu o seu próprio partido ao brigar com o presidente da legenda e outros políticos outrora aliados. Ademais, juntamente com seus filhos, conectados às mídias sociais, proferiu sistematicamente declarações injuriosas ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, aos Poderes Legislativo e Judiciário, assim como mobilizou/atiçou a sua base eleitoral fiel nas manifestações do dia 15/03/2020, contrárias ao Congresso, ao STF e defensoras da intervenção militar. Uma vez que o mandatário abdicou de liderar o processo legislativo, o atual protagonismo do Congresso sinaliza socorro - e não usurpação - para que o país não fique sem rumo. Na crise sanitária, os governadores agem sozinhos, haja vista o vácuo de poder deixado pelo presidente que, além de não enfrentar a crise, contribui intencionalmente para o seu agravamento, tornando indispensável à coordenação horizontal entre os governos subnacionais. O perfil conflitivo e autoritário do presidente é um empecilho à gestão coordenada da crise sanitária e à implementação das medidas de combate à recessão econômica iminente. As sucessivas crises com o Congresso, os estados, no âmago do seu próprio governo (com dissensões e perda de aliados) e na esfera das relações internacionais, configuram a emergência do que o cientista político Cláudio Couto chama de “presidencialismo de desarrumação[34]”. 

Sugere-se que está em curso uma reconfiguração da cisão entre esquerda e direita por uma cisão entre governo central, por um lado, e governos estaduais e municipais, por outro. Isso transcende concepções politico-ideológicas, programáticas e atua de modo refratário ao perfil autoritário do presidente. A partir dos traços mais fundamentais do federalismo brasileiro, a questão que se impõe para futura reflexão é de fato qual é o nível de autonomia dos entes federativos (estados e municípios), tendo em vista que para proteger suas populações da pandemia global eles têm que literalmente afrontar a postura antirrepublicana do Presidente, que despreza constantemente as recomendações sanitárias e diretrizes científicas dos técnicos do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde.

 

5. Subfinanciamento do SUS, regressividade tributária e desigualdade

 

Inspirada nos Estados de Bem-Estar Social da Europa, particularmente no contexto do pós-II Guerra Mundial, a Constituição Federal de 1988 avançou substantivamente ao instituir o Capítulo da Ordem Social, quando comparada às cartas constitucionais que a precederam. Não obstante, a conjuntura macroeconômica adversa da década de 1990 (hiperinflação, crise fiscal, endividamento externo, arrocho nas contas públicas) agravou o problema do subfinanciamento e o sucateamento da Seguridade Social (Saúde, Previdência Social e Assistência Social), particularmente do SUS[35]. Em 1994, foi criado o Fundo Social de Emergência, renomeado como Fundo de Estabilização Fiscal e, posteriormente, como Desvinculação das Receitas da União (DRU), em 2000. Assim, por meio da DRU, o governo federal retira, anualmente, 20% dos recursos que a Carta Magna destinou para a Seguridade Social e a educação, com o fito de formação de superávit primário e cumprir com o pagamento de juros da dívida pública[36]. 

O segundo fator que evidencia a contradição da Constituição Federal de 1988 e que contribui para debilitar o financiamento do SUS é o arranjo tributário fortemente regressivo, cujo ônus incide de forma assimétrica sobre os mais pobres e beneficia os ricos. No âmbito da Assembleia Nacional Constituinte (1987), tal regressividade prevaleceu mediante a derrota da Comissão da Reforma Tributária e Descentralização Administrativo-Financeira (CRETAD), que propunha um pacote expressivo de medidas visando eliminar as disparidades tributárias agravadas pela ditadura militar (1964-1985), aumentar a progressividade do sistema, promover a equidade fiscal, a autonomia federativa e instaurar um novo padrão de gasto público. Político conservador e um dos quadros do partido de sustentação da ditadura militar (ARENA), o presidente da Comissão de Tributação, Francisco Dornelles, era fortemente resistente às medidas de tributação progressiva e argumentava que a carta deveria ser a mais concisa possível. Posteriormente, justificando essa posição, Dornelles afirmaria que: “uma Constituição destinada a reger a vida de um povo, de forma durável e estável, há de conter apenas os princípios fundamentais” (DORNELLES, 2008[37], p. 3 apud FANDIÑO e KERSTENETZKY, 2019[38], p. 315). Ainda na Comissão de Tributação, vetou-se a proposta de arrecadação progressiva dos rendimentos do capital, com o argumento de que a inclusão explícita de bases mais abrangentes para a tributação da renda não deveria ser matéria constitucional, o que convergiu para inviabilizar a possibilidade de que a tributação direta protagonizasse a carga tributária. 

Uma vez que as propostas da CRETAD fossem incorporadas ao projeto de reforma tributária, concorreriam para promoção de maior justiça fiscal, em virtude da maior abrangência conferida ao IR, da tributação efetiva e progressiva do patrimônio e dos rendimentos do capital. Nessas condições, os segmentos conservadores que capitanearam a transição para a democracia gozaram de ampla representação do processo de elaboração da Carta Magna e aprovaram a expansão dos direitos sociais de cidadania. Por outro lado, trabalharam com afinco para que não fossem onerados via tributação progressiva, o que propiciaria o financiamento das políticas públicas e a equidade fiscal[39]. 

O terceiro elemento diz respeito ao processo de “americanização” da seguridade social no Brasil, cuja gênese repousa na modernização econômica levada a efeito pelo regime autoritário instaurado em 1964, mas que influenciou o processo decisório de elaboração da Constituição Cidadã. Essa “americanização” atua como um obstáculo ao SUS, representa um mecanismo de reforço das desigualdades sociais estruturais e se consubstancia de duas maneiras. A primeira é a disseminação dos lobbies e poderosos grupos de interesse do empresariado da saúde, que redefiniram as circunstâncias para implementação de políticas sociais redistributivas conducentes a um sistema de seguridade mercantilizado. A segunda é o formato do sistema de proteção social, isto é, universalista em sua concepção, mas substancialmente seletivo, pois limitou o sistema público a um atendimento para os pobres, portanto, precário, reforçando as classes médias a aderir aos planos privados, à medicina de grupo ou de empresa, configurando um misto de privatização e seletividade[40]. Nos países europeus do pós-II Guerra Mundial, o suporte da classe média foi central para a construção de uma coalizão política voltada à construção de Estados de Bem-Estar Social universalistas e redistributivos[41]. No caso do Brasil, dada a privatização, o subfinanciamento e a precarização do SUS, as camadas médias recorreram à provisão privada de serviços médicos. 

A pandemia da Covid-19 fez emergir todos esses obstáculos à efetiva democratização e ampliação do SUS, o qual vem sendo desmontado pela Emenda Constitucional N. 95/2016, que reduz drasticamente o gasto social público em saúde e inviabiliza a política fiscal contracíclica. A crise sanitária mostra que o SUS não destina somente atenção médica para os pobres, mas contempla todas as classes, além de executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica. Há uma necessidade imediata de aprimorar a rede de atenção básica e hospitalar. Contudo, o SUS continua sendo sabotado, já que os planos de saúde privados usufruem do Fundo Regulador que poupa recursos públicos para livrar da falência as empresas de saúde. Ademais, foram alterados os instrumentos de financiamento da atenção de saúde da família e da atenção básica, pois agora o repasse de recursos não será para a população de um município inteiro, mas somente para aquela que está inscrita nos postos de saúde de atenção primária. Tal medida reduzirá o financiamento, já que nem toda população que demanda pelo serviço está escrita, embora possa vir a ser usuária[42]. 

Tendo em vista o grave processo de subfinanciamento da Seguridade Social, o sucateamento do SUS, a depauperação da rede de atenção hospitalar, a insuficiente disponibilidade, nos estados, de leitos para internação prolongada, bem como a escolha política por um arcabouço tributário regressivo no âmbito da Constituição Federal de 1988 - que penaliza os mais pobres e beneficia os ricos - o Brasil não dispõe de recursos suficientes para viabilizar testes em massa na população e minimizar a letalidade do coronavírus. Dados recentes mostram que o Brasil perdeu 34,5 mil leitos de internação entre 2009 e 2020. Em números totais, os leitos de internação no País caíram de 460,92 mil para 426,38 mil no intervalo que separa a gripe suína (H1N1) e a pandemia de coronavírus. Tais espaços são destinados a pacientes que precisam ficar por mais de 24 horas dentro de um hospital e, pelas previsões de autoridade de saúde, poderão atender uma boa parte dos casos mais graves da doença, cerca de 20% do total, nos próximos meses. A queda de leitos ocorreu em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS), onde a redução chegou a 48,53 mil espaços de atendimento. No mesmo período, a rede privada apresentou um salto de cerca de 14 mil leitos, um aumento considerado baixo por especialistas do setor. Segundo o estudo do Projeto Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde (Proadess) da Fiocruz, a partir de dados de 2009 a 2017, observa-se forte desigualdade na distribuição de leitos no País. A relação de cerca de dois leitos por 1.000 habitantes no SUS ficaria abaixo de dados apontados como satisfatórios pelo próprio governo. A análise mais detalhada dos dados evidencia uma redução de leitos em locais que enfrentam dificuldade no atendimento. O Rio de Janeiro perdeu mais de 17 mil dos 50 mil espaços de internação registrados em 2009, ano da gripe suína. O Estado já foi apontado como preocupação pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), no combate ao novo coronavírus[43]. 

(Fonte: Estadão - 22/03/2020)

A crise sanitária mostra que quem mais sofre com a pandemia do coronavírus são os mais pobres, que, no caso do Brasil, são penalizados com as políticas de austeridade e regras fiscais rígidas (Emenda Constitucional N. 95/2016) que cortam investimentos em políticas públicas de educação, saúde, proteção social, saneamento básico. Além disso, tal contingente populacional expressivo está sujeito ao desemprego, à precarização, à informalidade e à desregulamentação das relações laborais, que foram potencializadas pela aprovação da reforma trabalhista e da terceirização durante o governo de Michel Temer (2016-2018). Grande parte da população que mora em aglomerados urbanos subnormais, favelas, loteamentos irregulares, vilas, palafitas, etc., não dispõe de recursos para a compra de álcool em gel, precisa trabalhar para a satisfação de necessidades imediatas (alimentação), não têm acesso à poupança e enfrenta dificuldades para a compra de itens básicos. Pesquisa recente do Data Favela salienta que, em quarentena, 72% dos moradores de favela não têm dinheiro guardado para enfrentar crise. Trata-se de uma população constituída por 13,6 milhões de pessoas, 32% (ou quase 1 em cada 3) que vem passando por gravíssimas necessidades, evidenciando o flagelo da desigualdade social brasileira. Em 2019, Paulo Guedes disse que o brasileiro não sabe poupar, demonstrando desconhecimento – ou indiferença – com relação à realidade dos brasileiros pobres. 

(Fonte: Folha de São Paulo - 24/03/2020, a partir de dados do Data Favela)

 

Deve-se apontar o (provável) impacto explosivo da pandemia em condições de isolamento social precário, senão inexistente, uma vez que as favelas e periferias sofrem historicamente com a falta de investimento público em infraestrutura, habitação, saneamento básico, tratamento de esgoto, acesso à água tratada e coleta de lixo. Destoando de Jair Bolsonaro, que ignora a gravidade da crise sanitária, até mesmo os narcotraficantes e milicianos das favelas do Rio de Janeiro vêm impondo, sob forte coerção, o toque de recolher para que os moradores respeitem a quarentena e a política de isolamento do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde (OMS). Reproduzo, a seguir, mensagem de Whatsapp enviada pelos traficantes aos moradores das comunidades de Cidade Alta, Zona Sul, Pica Pau, Parada de Lucas e Vigário Geral

“Atenção moradores, a partir de hoje, 23 de Março de 2020 o toque de recolher será às 22:00 da noite. O governo está dando instruções e vocês estão vendo o caos que está o nosso país por conta deste vírus, e mesmo assim vocês continuam circulando pra lá e pra cá. Nós estamos nas ruas correndo risco para que vocês possam dormir em paz, nós deixamos nossas famílias para proteger a sua, então respeitem a ordem dada. Toque de recolher 22:00 se alguém for pego na rua após as 22:00 será cobrado e medidas serão tomadas sem conversa, passou de 22:00 se nós pegarmos na rua é mala!! O toque de recolher começa hoje às 22hs e amanhã o dia todo. Por tempo indeterminado. Só será permitido trabalhadores (entregadores) que presta serviço dentro da comunidade fora isso mais ninguém. Não terá ônibus nenhum circulando amanhã pelas redondezas. Ordem do chefe[44]”.

Com a paralisação das atividades econômicas, os trabalhadores que não dispõem de poupança necessitam da ação imediata do Estado para garantir condições mínimas de sobrevivência e evitar a irrupção de um quadro de anomia, de esgarçamento da sociabilidade e convulsão social. Daí a necessidade indispensável de uma renda mínima a ser provida pelo Estado brasileiro, tendo em vista a gravidade da situação humanitária. Finalmente, a crise em curso mostra o fracasso do neoliberalismo radical de Paulo Guedes e salienta a necessidade de revisar o modelo econômico de primazia do capital financeiro rentista e não produtivo. Há que se fortalecer o SUS, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), impulsionar a participação do setor privado no financiamento das políticas sociais, desencadear uma corrente global de solidariedade e instituir imediatamente uma política de renda mínima universal permanente para as populações pauperizadas, e não uma renda básica provisória e emergencial

A Câmara dos Deputados aprovou o auxílio de R$ 500 para trabalhadores informais de baixa renda, a ser concedido durante a pandemia do novo coronavírus (PL 1.066/2020), mas o presidente, de forma oportunista e tentando angariar capital político em um contexto de grande desgaste, elevou o benefício para R$ 600. Aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente, a medida durará, a princípio, três meses, mas poderá ser prorrogada[45]. O benefício será destinado a cidadãos maiores de idade sem emprego formal, mas que estão na condição de trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI) ou contribuintes da Previdência Social. Também é necessário ter renda familiar mensal inferior a meio salário mínimo per capita ou três salários mínimos no total e não ser beneficiário de outros programas sociais ou do seguro-desemprego. Os pagamentos serão feitos pelos bancos públicos federais (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) em três parcelas mensais, no mínimo, ou pelos bancos privados. Os beneficiários receberão o valor em contas criadas especialmente para esse fim, que não exigirão a apresentação de documentos e não terão taxas de manutenção. Será possível fazer uma movimentação gratuita por mês para qualquer outra conta bancária. Trabalhadores em contratos intermitentes que não estejam em atividade também poderão receber o auxílio, enquanto durar essa condição. Mães solteiras receberão, automaticamente, duas cotas do benefício, o que corresponde a R$ 1.200. Cabe apontar que o projeto recebeu várias emendas de senadores para que o auxílio fosse estendido a categorias profissionais vulnerabilizadas pela crise, como taxistas, pescadores artesanais, agricultores familiares e catadores[46]. 

De acordo com sociólogos e pesquisadores do IPEA, se alcançar todos os potencialmente elegíveis, o benefício emergencial poderá atender 117,5 milhões de pessoas integrantes das 36,4 milhões de famílias nas quais há um ou dois beneficiários diretos, o que corresponde a cerca de 55% da população brasileira. Trata-se de um desafio inédito: gerar folhas de pagamento para um público vasto, preparar a estrutura logística e burocrática de forma que o dinheiro alcance essa parte da população em tempo recorde. Os dados indicam que mais de 75% do público elegível já está inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais, do governo federal. O Cadastro foi criado em 2001, mas ganhou escopo e abrangência ao longo do tempo por ser a plataforma de informações do Programa Bolsa Família. Graças a esse programa social focalizado de transferência de renda condicionada, tantas vezes criticado com argumentos preconceituosos, que foi factível construir uma infraestrutura operacional capaz de implementar grande parte do auxílio emergencial[47]. Dentre outras medidas, o Plenário do Senado também aprovou o PL 786/2020, projeto que estabelece a distribuição dos alimentos da merenda escolar às famílias dos estudantes que tiveram suspensas as aulas na rede pública de educação básica devido à pandemia do coronavírus.

(Fonte: Folha de São Paulo - 03/04/2020)

 

6. Considerações finais

 

A crise sanitária global mostra a importância da intervenção do Estado ao forjar um “contramovimento[48]” de políticas públicas para reduzir o grau de letalidade do vírus e seus impactos socioeconômicos, em contraposição à (falaciosa) retórica de que a “mão invisível” do mercado é capaz de assegurar a alocação eficiente de recursos e o bom funcionamento da sociedade. No caso do Brasil, a pandemia promoveu uma mudança de rota com relação à primazia da política fiscal contracionista, que vigora desde 2015, e que foi aprofundada pelos governos de Michel Temer, Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes. Além de evidenciar o quadro de fragilidade e debilidade do arcabouço institucional de proteção social, agravado pelas medidas de austeridade, a Covid-19 mostra o quão desigual é o Brasil, já que as medidas de isolamento total e de higienização por meio da obtenção de álcool em gel, recomendadas pelas autoridades sanitárias, não podem ser cumpridas pela população em situação de rua, pelas camadas quem vivem na informalidade (estimada em 41%, segundo o IBGE), com empregos precários, desprotegidos e que residem nas favelas e periferias das grandes metrópoles. 

Há uma necessidade irrefutável de revogar a Emenda Constitucional N. 95/2016 (Teto de Gastos Públicos), que inviabiliza a política fiscal anticíclica e o aumento do gasto social público como instrumentos de combate à tríade de crises: sanitária, humanitária e econômica, tendo em vista, neste último caso, a forte queda da oferta e da demanda. A pandemia reitera o fracasso do neoliberalismo radical do ministro da Economia, Paulo Guedes, atrelado à Escola de Chicago e a pensadores como Milton Friedman e Friedrich Hayek e também notabiliza a conversão imediata dos economistas liberais mais empedernidos ao receituário keynesiano de estímulos fiscais para compensar a retração da demanda agregada. A pandemia vem abalando a estrutura que alicerçou a associação oportunista e a aliança de Paulo Guedes com o presidente, que fora endossada pelo empresariado, a grande mídia e o capital financeiro. 

O governo, ao invés de injetar forte liquidez nos bancos privados (Itaú-Unibanco, Bradesco e Santander), que cobram irresponsavelmente taxas de juros abusivas, deve fortalecer o legado institucional dos bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES) para a concessão de crédito imediato às pequenas e médias empresas que mais empregam trabalhadores. É fundamental a implementação de um amplo pacote de investimentos em infraestrutura (grande gargalo da economia brasileira) e a realização de obras públicas para dinamizar a economia, gerar postos de trabalho e renda, similar ao New Deal (1933-1937) do presidente Franklin Delano Roosevelt, para o enfrentamento da Grande Depressão de 1929 nos EUA. É urgente um novo pacto social que seja capaz de efetivar uma sinergia solidária entre os mais diversos setores da sociedade brasileira: governo federal, burocracia pública, governos subnacionais, empresários, banqueiros, comunidade científica, classe artística, esportistas, intelectuais, universidades, centros de pesquisa, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, etc. 

Nesta crise multidimensional e de ampla envergadura, qual seja, sanitária, humanitária, política e econômica, Jair Bolsonaro dá inúmeras demonstrações de que não tem a estatura e tampouco o decoro que o cargo de Presidente da República exige. Aferrado à sua família e a seus seguidores ideológicos, o chefe do Executivo coloca as instituições sob tensão permanente, defenestra a democracia, desdenha de recomendações científicas de instituições sanitárias nacionais/internacionais, entra em confronto direto com os governos subnacionais (prefeitos e governadores) e mobiliza parte do seu eleitorado (que defende a intervenção militar) contra os Poderes Legislativo e o STF. Nesse contexto de vácuo de poder na Presidência da República, de fomento a um quadro de “anomia[49]” nas instituições republicanas e de constante isolamento de Bolsonaro, o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, o Parlamento brasileiro, o Judiciário, os governadores e prefeitos vêm administrando a grave crise. Por sua própria vontade e ações cotidianas, o presidente está cada vez mais enfraquecido, sem suporte político e societal, haja vista os “panelaços” diários realizados por seus eleitores arrependidos, sobretudo nas varandas dos prédios de áreas nobres do país. Até no âmbito do Exército o presidente vem perdendo apoio. 

A fatura chegou e o Brasil está pagando o preço da extrema desigualdade social nessa situação de guerra, que demanda o fortalecimento urgente de políticas de proteção e bem-estar social para atender o vasto contingente populacional desempregado, informal, subutilizado, desalentado e cada vez mais precarizado com a aprovação da reforma trabalhista e da terceirização no governo de Michel Temer (2016-2018). O Brasil vem de uma recuperação muito fraca após a forte e dura recessão (2014-2016) e a crise do coronavírus poderá contribuir para a maior estagnação da renda média da população, superando a “década perdida” de 1980, quando o país sofreu com hiperinflação, a crise fiscal e o endividamento externo[50]. 

Em face do vácuo de autoridade do Executivo e após a implementação das medidas emergenciais, será o momento de o Congresso Nacional e as forças democráticas encamparem definitivamente a realização de uma reforma tributária dotada de progressividade, promoverem a taxação das heranças, dividendos, renda e patrimônio dos mais ricos e bilionários, que necessitam contribuir para o financiamento de políticas públicas para os mais vulneráveis. Até o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que é um político de direita, reconhece que os bilionários “poderiam fazer mais[51]” pelo Brasil. Tendo como aporte teórico-conceitual a tese do “duplo movimento[52]” de Karl Polanyi, defendo a hipótese de que a crise em curso nos possibilita pensar em dois movimentos prospectivos e antitéticos. 

Diante da ameaça de desintegração do corpo social, o primeiro diz respeito à revitalização dos mecanismos de intervenção estatal, de solidariedade social e ao fortalecimento de instâncias coletivas, na linha do que o sociólogo Emile Durkheim chamou de “solidariedade orgânica[53]”, capaz de reforçar a interdependência e a coesão social, em contraposição aos valores do livre mercado, da concorrência, da competição, que encontram uma versão radicalizada nas políticas neoliberais do governo Bolsonaro e de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, apegado ao dogma ideológico da ortodoxia fiscal. Por outro lado, o segundo movimento refere-se ao fato de que, a partir da instrumentalização das novas tecnologias como suportes da acumulação capitalista haverá um profundo processo de reestruturação e reconfiguração global do capitalismo, com impactos sobre a economia, a educação, as relações de trabalho e a sociabilidade rumo à “digitalização da vida”. Finalmente, a pandemia também mostra que a ciência, a tecnologia, a inovação, a educação, a pesquisa, alvos de drásticos cortes no Orçamento e do obscurantismo anticientífico são fundamentais para o desenvolvimento, a soberania nacional e o enfrentamento de crises desta complexidade.

 

Notas:

 

[1] Eu gostaria de agradecer imensamente a leitura atenta, cuidadosa e solidária bem como as críticas, comentários e sugestões dos pares que muito contribuíram para lapidar os argumentos desenvolvidos neste texto. Eventuais falhas e lacunas são de minha inteira responsabilidade. São ele(a)s, em ordem alfabética: (1) Gabriel Fernandes Rocha Guimarães - Pesquisador integrado do Centro de Estudos Internacionais (CEI) do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL). Doutor em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ). Mestre em Ciência Política pelo Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (DCP-UFMG); (2) Luiz Fernando Rodrigues de Paula - Professor/Pesquisador do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) e Coordenador do Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) no IESP/UERJ, onde é professor voluntário; (3) Marcos Abraão Fernandes Ribeiro – Professor/Pesquisador de Sociologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF Campos dos Goytacazes). Doutor em Sociologia Política pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (PPGSP-UENF); (4) Renato Raul Boschi – Professor/Pesquisador do IESP/UERJ e Coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED); (5) Sonia Fleury - Pesquisadora Sênior do Centro de Estudos Estratégicos da Fundação Oswaldo Cruz (CEE-FIOCRUZ) e Coordenadora da Plataforma Digital do Dicionário de Favelas Marielle Franco Wikifavelas.

[2] Professor/Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (PPGCS-UNISINOS). Pesquisador Associado do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED). Pós-Doutor pelo INCT/PPED. Pós-Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (PPGSP-UENF). Doutor e Mestre em Ciência Política pelo IESP/UERJ.

[3] POLANYI, Karl. (2000), A Grande Transformação: as origens da nossa época. 2ª ed. Rio de Janeiro: Campus.

[4] CHANG, Há-Joon. (2004). Chutando a Escada: A estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: UNESP.

[5] Vale lembrar que muitas das propostas dessa “Nova Direita” do Hemisfério Norte destoam bastante do neoliberalismo “chicaguista” dos neoconservadores de outrora, como Ronald Reagan, Margaret Thatcher e George W. Bush. Neste sentido a pandemia parece ter feito os velhos republicanos aceitarem algumas das propostas voltadas para o mercado interno, que se encontravam no discurso de Trump durante a campanha eleitoral de 2016. O mesmo pode valer para Boris Johnson, que teve amplo eleitorado entre setores da classe trabalhadora e de pequenos negociantes das áreas mais pobres da Inglaterra.

[6] BOSCHI, Renato e PINHO, Carlos E. S. (2019), “Crisis and Austerity: The Recent Trajectory of Capitalist Development in Brazil”. Contemporary Politics, Vol. 25, Nº 3. Disponível aqui. Acesso em: 31/03/2020.

[7] O GLOBO. (2020). Saiba o que Europa e EUA estão fazendo para proteger os trabalhadores, 24/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 31/03/2020.

[8] UOL. (2020). França promete US$ 50 bilhões em ajuda para empresas afetadas por coronavírus, 17/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 02/04/2020.

[9] AGÊNCIA BRASIL. (2020). Veja medidas políticas e econômicas de países em resposta à pandemia, 25/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 03/04/2020.

[10] O GLOBO. (2020). Saiba o que Europa e EUA estão fazendo para proteger os trabalhadores, 24/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 31/03/2020.

[11] UOL. (2020). Governos europeus subsidiarão salários de milhões de trabalhadores, 23/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 01/04/2020.

[12] MANN, Michael (2006). “A crise do Estado-nação latino-americano”. In DOMINGUES, José M. e MANEIRO, Maria (Org). América Latina hoje: conceitos e interpretações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

[13] Em primeiro lugar, a democracia representativa diz respeito ao sufrágio universal e à competição partidária, mas é apropriada privadamente por poderosos grupos de pressão que conseguem materializar os seus interesses junto ao Estado por meio da prática do lobby, ensejando a desigualdade. Segundo, a democracia participativa se manifesta através da sociedade civil organizada como interlocutora das autoridades públicas, conferências de políticas públicas, conselhos e comissões, instituídos pela Constituição Federal de 1988. Por fim, a democracia deliberativa, que diz respeito a um modelo teórico-normativo de democracia e, assim, contempla a realização de referendos, plebiscitos, iniciativas populares voltados à participação direta e à regulação da vida coletiva.

[14] “Crise: Debatendo as Medidas Econômicas anunciadas pelo Governo, 29/03/2020”. Disponível aqui. Acesso em: 31/03/2020.

[15] O Banco Central está dando garantia as Letras Financeiras. Decerto que a injeção de liquidez alivia a situação dos bancos, evita queda maior nos preços dos títulos e destina mais recursos livres às instituições financeiras, mas não garante que elas vão emprestar e viabilizar o capital de giro das empresas. Por isso é fundamental que o Banco Central passe a comprar títulos das empresas, o que requer mudança na legislação. A aprovação da “PEC do Orçamento de Guerra” na Câmara dos Deputados, em dois turnos, caminha nessa direção. O texto segue para o Senado e é provável que seja aprovado em dois turnos.

[16] VALOR ECONÔMICO. (2020). Varejo acusa banco de elevar juros, 31/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 31/03/2020.

[17] ESTADÃO. (2020). Varejistas avisam Bolsonaro de que vão demitir se as lojas não forem reabertas, 29/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 01/04/2020.

[18] ESTADÃO. (2020). Metade das grandes empresas tem caixa para suportar até três meses sem receita, 30/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 30/03/2020.

[19] ESTADÃO. (2020). Rombo das contas públicas em 2020 deve ser superior a R$ 350 bilhões, diz Mansueto, 30/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 30/03/2020.

[20] ESTADÃO. (2020). Governo deve fechar o ano no vermelho em R$ 419 bilhões, o maior rombo da história, 02/04/2020. Disponível aqui. Acesso em: 03/04/2020.

[21] VALOR ECONÔMICO. (2020). Para Campos, perda de R$ 1,7 tri na bolsa é “altamente recessiva”, 03/04/2020. Disponível aqui. Acesso em: 04/04/2020.

[22] LINZ, Juan J. and STEPAN, Alfred. (1996). “Modern Nondemocratic Regimes”, in Problems of Democratic Transition and Consolidation: Southern Europe, South America, and Post-Communist Europe. Johns Hopkins University Press, Baltimore.

[23] ESTADÃO. (2020). Governo Bolsonaro tem 42% de avaliação ‘ruim’ ou ‘péssima’ em abril, diz pesquisa, 03/04/2020. Disponível aqui. Acesso em: 03/04/2020.

[24] FOLHA DE SÃO PAULO. (2020). Aprovação do Ministério da Saúde dispara e é mais que o dobro da de Bolsonaro, diz Datafolha, 03/04/2020. Disponível aqui. Acesso em: 03/04/2020.

[25] FOLHA DE SÃO PAULO. (2020). Mandetta confidencia a aliados que quer sair do governo, mas não pedirá demissão, 03/04/2020. Disponível aqui. Acesso em: 03/04/2020.

[26] O DIA. (2020). Witzel diz que Bolsonaro pode ser julgado por crime contra a humanidade, 30/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 04/04/2020.

[27] FOLHA DE SÃO PAULO. (2020). Consequências econômicas serão maiores do que 5.000 ou 7.000 que vão morrer, diz dono do Madero, 23/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 31/03/2020.

[28] FOLHA DE SÃO PAULO (2020). Só ação rápida do governo evitará convulsão social, diz cientista política, 30/01/2020. Disponível aqui. Acesso em: 31/03/2020.

[29] FRANZESE, Cibele e SEGATTO, Catarina Ianni. (2020). Um novo papel aos governadores? Federalismo brasileiro e coordenação na crise do coronavírus, Estadão, 30/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 30/03/2020.

[30] FOLHA DE SÃO PAULO. (2020). Golpe de 64 é ‘marco para a democracia brasileira’, diz Defesa, 30/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 30/03/2020.

[31] ESTADÃO. (2020). Bolsonaro diz que Moro é egoísta e não ajuda governo em crise do coronavírus, 30/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 30/03/2020.

[32] COUTO, Cláudio G. (2020). Bolsonaro e o presidencialismo de desarrumação, Estadão, 23/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 30/03/2020.

[33] ABRANCHES, Sérgio. (2018), Presidencialismo de coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras.

[34] COUTO, Cláudio G. (2020). Bolsonaro e o presidencialismo de desarrumação, Estadão, 23/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 30/03/2020.

[35] FLEURY, Sonia. (2014), “Building Democracy in an Emerging Society Challenges of the Welfare State in Brazil”, In Jan Nederveen Pieterse and Adalberto Cardoso (Ed.), Brazil Emerging: Inequality and Emancipation. Nova York: Routledge.

[36] FLEURY, Sonia. (2008), “Seguridade Social: um novo patamar civilizatório”. In: DANTAS, B.; CRURÊN E.; SANTOS, F.; LAGO, G. Ponce de Leo. (Orgs.), A Constituição de 1988: o Brasil 20 anos depois - Os cidadãos na carta cidadã. (Org.). 1ªed.Brasília: Senado Federal, Instituto Legislativo Brasileiro, Volume V, p. 178-212. Disponível aqui. Acesso em: 04/04/2020.

[37] DORNELLES, Francisco. (2008). O Sistema Tributário da Constituição de 1988. In Constituição de 1988 - O Brasil 20 Anos Depois, Volume IV, p. 1-28, Brasília: Senado Federal. Disponível em aqui.

[38] FANDIÑO, Pedro; KERSTENETZKY, Celia Lessa. (2019), “O paradoxo constitucional brasileiro: direitos sociais sob tributação regressiva”, Revista de Economia Política, Vol. 39, nº 2 (155), p. 306-327, abril/junho. Disponível em aqui. Acesso em: 05/04/2020.

[39] Idem.

[40] VIANNA, Maria L. T. W. (1998). A americanização (perversa) da seguridade social no Brasil: Estratégias de bem-estar e políticas públicas. Rio de Janeiro: Revan: UCAM, IUPERJ.

[41] ESPING-ANDERSEN, Gøsta. (1990). The three worlds of welfare capitalism. Princeton: Princeton University Press.

[42] FLEURY, Sonia. (2020). “É preciso que o recurso de 600 reais chegue hoje”. Entrevista especial com Sonia Fleury, Instituto Humanitas Unisinos (IHU), São Leopoldo, 02/04/2020. Disponível aqui. Acesso em: 05/04/2020.

[43] ESTADÃO. (2020). Brasil perdeu 34,5 mil leitos de internação entre 2009 e 2020, 22/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 30/03/2020.

[44] Em alusão ao “chefe” ao final da mensagem há um símbolo de um peixe.

[45] Senadores da oposição, no entanto, lembraram que a iniciativa original do Ministério da Economia previa apenas R$ 200 para cada trabalhador informal, e que o governo não se mobilizou para encaminhar uma proposta formalizada ao Congresso.

[46] SENADO FEDERAL. (2020). Coronavírus: Senado aprova auxílio emergencial de R$ 600. Disponível aqui. Acesso em: 31/03/2020.

[47] BARTHOLO, Letícia; PAIVA, Luís Henrique, SOUZA, Pedro H. G. F. de. (2020). “O desafio de implantar o auxílio emergencial para os informais”, Valor Econômico, 03/04/2020. Disponível aqui. Acesso em: 04/04/2020.

[48] POLANYI, Karl. (2000), A Grande Transformação: as origens da nossa época. 2ª ed. Rio de Janeiro: Campus.

[49] PINHO, Carlos. E. S. (2020). “Desafios das forças democráticas em tempos de automação tecnológica, desindustrialização, retração de direitos sociais e austeridade fiscal”. Instituto Humanitas Unisinos (IHU), São Leopoldo, 07/03/2020. Disponível aqui. Acesso em: 31/03/2020.

[50] FOLHA DE SÃO PAULO. (2020). Coronavírus deve levar o Brasil à pior década econômica da história, 04/04/2020. Disponível aqui. Acesso em: 04/04/2020.

[51] FOLHA DE SÃO PAULO. (2020). Eduardo Bolsonaro defende caridade de bilionários, e Rodrigo Maia responde que poderiam fazer mais, 03/04/2020. Disponível aqui. Acesso em: 04/04/2020.

[52] POLANYI, Karl. (2000), A Grande Transformação: as origens da nossa época. 2ª ed. Rio de Janeiro: Campus.

[53] DURKHEIM, Émile. (1999). Da Divisão do Trabalho Social. São Paulo: Martins Fontes.

 

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