03 Março 2022
"Assim, tendo como pano de fundo o jejum pela Ucrânia convocado hoje pelo Papa Francisco no dia em que os católicos celebram o início da Quaresma, há uma forte esperança política de que a Santa Sé possa desempenhar um papel na promoção do fim da guerra", escreve Marco Grieco, jornalista, em artigo publicado por Domani, 02-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Após as comunicações no Senado e na Câmara do primeiro-ministro Mario Draghi sobre os desdobramentos da crise ucraniana, entre os pontos do resolução aprovados pelos partidos de maioria para pedir um cessar-fogo imediato e parar a ilegítima invasão russa desencadeada por Vladimir Putin, foi incluído também o compromisso de "apoiar todas as iniciativas multilaterais e bilaterais úteis para uma de-esclation militar e a retomada de um caminho de negociação entre Kiev e Moscou, também aceitando a disponibilidade da Santa Sé de realizar uma obra de mediação”.
Assim, tendo como pano de fundo o jejum pela Ucrânia convocado hoje pelo Papa Francisco no dia em que os católicos celebram o início da Quaresma, há uma forte esperança política de que a Santa Sé possa desempenhar um papel na promoção do fim da guerra.
O secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, também falou disso na entrevista concedida a alguns jornais italianos, relançando a disponibilidade do Vaticano como facilitador das negociações: “A Santa Sé, que nestes anos seguiu constantemente, discretamente e com grande atenção os acontecimentos na Ucrânia, oferecendo sua disponibilidade para facilitar o diálogo com a Rússia, está sempre pronta para ajudar as partes a retomar esse caminho”. Mas, face aos acontecimentos recentes, existem condições para resolver a crise?
Na entrevista, Parolin fala de "diálogo" e não de "mediação", também à luz da visita do Papa Francisco à embaixada russa junto à Santa Sé na sexta-feira passada, que alguns no Vaticano definem como tardia, outros de tentativa de exceção à prática diplomática consolidada do Vaticano.
A esse respeito, o secretário de Estado vaticano renovou “o urgente convite que o Santo Padre fez para interromper os combates e retomar as negociações”. As declarações do cardeal presumem que a Santa Sé há algum tempo iniciou um diálogo entre os dois países.
Mas para entender o não-dito da estratégia diplomática de Parolin, é preciso voltar a 2016, quando o secretário de Estado tentou, sem sucesso, interromper o impasse em que estavam as negociações entre Nicolás Maduro e a oposição venezuelana, até aquele momento conduzidas com grande sagacidade por dois arcebispos diplomáticos, Paul Emil Tscherrig e Claudio Maria Celli.
Quando a Santa Sé percebeu que tudo poderia naufragar, Parolin - que por quatro anos foi núncio apostólico na Venezuela - tentou forçar os fechamentos para "promover o bem de cada um dos venezuelanos" e "favorecer uma solução pacífica e democrática da crise".
Na carta, aprovada pelo Papa Francisco, o cardeal destacava o papel da Santa Sé: "Também me parece fundamental insistir que não é de ‘mediação’ mas de ‘facilitação’ ou ‘acompanhamento’: isso significa que são as partes interessadas que dialogam, chegam a acordos e deliberam, mesmo que o representante da Santa Sé possa e deva fazer - e de fato faz - propostas para introduzir distinções e nuances que reduzam as tensões ou desbloqueiem, sugira novos caminhos ou pontos a explorar, relembre coisas comuns ou relegue no esquecimento outras inapropriadas, etc."
Palavras claras, que se alicerçam no diálogo entre as partes, coração de toda negociação: "O diálogo é algo consubstancial ao ser humano, que foi criado por Deus à sua imagem e semelhança de ser relacional que se desenvolve e alcança a sua perfeição no encontro interpessoal. Isso exige que as pessoas que pretendem dialogar tenham uma série de disposições e exigências psicológicas, espirituais e éticas”. No entanto, tendo fracassado toda tentativa de negociação, pode-se esperar um resultado positivo no conflito russo-ucraniano?
A doutrina Parolin na política externa intercepta a Realpolitik do Papa Francisco, que no trono de Pedro amenizou suas posições do passado. De fato, ele ainda era arcebispo em Buenos Aires quando, trinta anos depois do conflito entre Argentina e Grã-Bretanha com o qual a primeira-ministra Margaret Tatcher havia retomado posse das Ilhas Falkland ao preço de quase mil mortos, um Bergoglio claramente defensor das Malvinas, não teve medo de homenagear os mais de seiscentos combatentes argentinos como "os filhos da pátria que foram defender suas mães, para reclamar o que era deles, parte da sua pátria, que foi usurpada".
Mas de Rio de la Plata ao Tibre é a diplomacia que define cenários e palavras, tanto que, um mês depois de sua eleição, no telegrama pela morte da Dama de Ferro, Francisco recordava "seus valores cristãos e a promoção da liberdade na família das nações".
Alguns se perguntaram por que o Papa Francisco, cinco dias após a invasão da Ucrânia, não mencionou nem a Rússia nem Putin, como fizeram tantos chefes de Estado europeus. Hoje, as palavras do Cardeal Parolin podem dar a entender que a reticência papal seja sustentada por uma lógica diplomática destinada a se empenhar para resolver a crise. Há uma passagem da entrevista que sugere isso: “A Santa Sé está sempre pronta a ajudar as partes a retomar este caminho. Renovo o convite urgente que o Santo Padre fez para interromper os combates e voltar às negociações”.
O governo liderado pelo primeiro-ministro Draghi parece confiante. Além disso, nas negociações promovidas pela Santa Sé, a discrição é uma característica distintiva do pontificado de Bergoglio. Quando em 2013 Cuba lhe pediu para promover a normalização das relações com os Estados Unidos através da soltura reciproca de alguns prisioneiros, o papa usou o cardeal Jaime Ortega para entregar secretamente cartas aos dois líderes e assim derrubar o muro que existia há anos, entre Havana e Washington.
O próprio cardeal, então arcebispo emérito de Havana, lembrou disso à margem de um evento.
"Estava sendo organizada uma rodada de negociações triangular cujo eixo principal e fundamental era o Papa Francisco, que, com sua modalidade, estava colocando em contato na cúpula duas linhas que até então se abriam como paralelas", explicou.
A abordagem de Francisco difere daquela do Papa João Paulo II, que na controvérsia sobre as ilhas Picton, Lennox e Nueva no Canal de Beagle entre o Chile e a Argentina havia evitado uma escalada perigosa, arrancando dos dois países a assinatura da Declaração de Paz e amizade de 1984. A Cortina de Ferro ainda estava de pé: com a chegada de novos demônios históricos quarenta anos depois, a nova diplomacia vaticana conseguirá exorcizá-los?
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O papel da diplomacia vaticana para parar a guerra na Ucrânia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU