09 Julho 2024
"As mulheres gostariam que a Igreja acreditasse nelas, levasse em consideração o fato de elas têm um ponto de vista original sobre a vida, uma maneira própria de ver as coisas, de tomar decisões, de enfrentar as situações, diferente daquele dos homens; um ponto de vista de que a comunidade cristã precisa, também para realizar plenamente o seu ser mãe", escreve Paola Bignardi, pedagoga, ex-presidente da Ação Católica, em artigo publicado por Avvenire, 03-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Percebe-se uma falta de confiança e de envolvimento que leva a se afastar e a viver uma dimensão pessoal. As mulheres na casa dos vinte anos abandonam a comunidade cristã numa taxa mais elevada que os homens: a razão reside na sua exclusão das decisões e no fato de serem pouco valorizadas nos seus recursos originais. O afastamento se deve ao estilo eclesial, que se pede para ser mais evangélico, acolhedor, misericordioso, dialógico. E menos frio e distante. Uma publicação recente chamou a atenção das comunidades cristãs para a necessidade de “desmasculinizar a Igreja” (e “Avvenire” iniciou uma discussão com algumas intervenções já publicadas). Talvez o aspecto mais interessante: trata-se do relato de uma reflexão solicitada pelo próprio Papa Francisco e proposta à sua presença. Uma questão antiga, ou melhor, secular, que ocasionalmente é levantada sem que se façam sobre ela progressos significativos; é verdade que a Igreja se expressou com importantes documentos – basta pensar no Mulieris dignitatem (1988) ou na carta Às mulheres (1995) de João Paulo II – ou em alguns discursos do Papa Francisco, mas nenhuma mudança digna de nota se percebe no horizonte. Nesse interim, as jovens mulheres abandonam a Igreja de forma cada vez mais maciça. Em 2012 o teólogo Armando Matteo publicou um ensaio dedicado à fuga das mulheres de quarenta anos; agora, pouco mais de dez anos depois, deveríamos falar sobre a fuga das jovens de vinte anos. A velocidade do seu abandono da Igreja é maior do que a dos seus pares do sexo masculino.
Em 2013, 61,2% das jovens declaravam-se pertencentes à religião cristã católica; em 2023 passaram a 33% (Fonte: Osservatorio Giovani do Instituto Toniolo). Uma mudança que dá o que pensar e preocupa e que exige uma reflexão urgente da situação. “À Igreja interessam as mulheres? – pergunta-se uma jovem -. Não me parece. Nos últimos anos, apesar de todas as dificuldades e as contradições relacionadas, assistimos a uma tomada de consciência cada vez maior por parte da sociedade das questões de gênero e das dificuldades que as mulheres enfrentam em todos os âmbitos. Fala-se disso em todos os níveis: político, social, profissional, escolar, sanitário... mas na Igreja? A questão feminina dentro da Igreja continua a ser um grande tabu e parece que não interessa a ninguém”.
Com esta contribuição gostaria de dar voz às mulheres concretas, aquelas que não lidam com questões teóricas, mas que estão envolvidas com as satisfações e as dificuldades da vida cotidiana e que gostariam de expressar os seus sentimentos, os seus pensamentos, o seu desconforto, a sua experiência. O distanciamento que as jovens estão tomando da Igreja, pelo menos no início, é inteiramente interno à Igreja, diz respeito à fé apenas num segundo tempo, e às vezes nem sequer a toca, mas a transforma: de fé comunitária, compartilhada com um povo, a uma experiência íntima, pessoal, privada, solitária.
O afastamento das jovens mulheres da Igreja é diferente daquele dos seus pares do sexo masculino; isso é demonstrado pelos números, mas sobretudo pelas razões com que as jovens explicam as suas escolhas. É um fato que chama em causa a condição feminina na Igreja: solicitações de empenho pastoral muito mais do que os seus pares, mas marginais pois são excluídas das decisões; muitas vezes julgadas com superficialidade, pouco valorizadas nos seus recursos originais. “As mulheres – afirma uma jovem – estão presentes e são indispensáveis em todo departamento religioso, mas é um pouco como se tivessem entrado pela porta de serviço”.
Numa Igreja que se expressa com linguagens obsoletas, que faz propostas pelas quais não se sentem interpretadas, que tem um estilo que não deixa espaço para o diálogo e a discussão, as jovens sentem-se estranhas. Sentem que aquele não pode ser um mundo que lhes diga respeito e que não são livres de levar para ele as suas demandas e as suas inquietações, as suas objeções e o seu desejo de vida. Uma mulher escreve: “Como podemos sentir-nos parte de uma Igreja que excluiu a outra metade do céu há vinte séculos e nem sequer chora? Quem está perdendo uma enorme riqueza e não chora? Como posso sentir-me parte de uma Igreja imóvel, fixa, sempre igual a si mesma, se eu sou diferente a cada dia? De uma Igreja monótona, cinzenta, monocórdica, enquanto o mundo é colorido? De uma Igreja que afirma ler o Evangelho, sempre contemporâneo, enquanto ela não é contemporânea?”.
Palavras muito fortes que falam de um grande sofrimento, aliás, de um choro, aquele que essa mulher gostaria de ver na Igreja.
As mulheres abandonam a comunidade cristã porque não veem nela aquelas mudanças que consideram necessárias e que dizem respeito a todos, porque afetam a qualidade da experiência eclesial e que elas, com a sua história e a sua sensibilidade, reclamam com maior força. A verdadeira mudança diz respeito a toda a Igreja, ao seu estilo de vida e de relação, à exigência de uma nova abertura a este tempo, à sua disponibilidade para se deixar desafiar e provocar por um mundo que muda cada vez mais rapidamente e que está em busca de novas esperanças. As mulheres não pedem poder, não pedem cargos. Pedem muito mais: uma Igreja diferente, evangélica, humana, acolhedora, misericordiosa, atenta aos pobres, sem poder; dialógico, capaz de escutar. Se assim vivesse, nas suas expressões cotidianas, paroquiais ou locais, a Igreja mostraria que a mensagem que anuncia não só é bela, mas é possível, na sua paradoxalidade e na loucura do seu radicalismo.
Esse é o sonho que as mulheres têm em relação à Igreja. Poderíamos dizer que esse é o sonho de todos (talvez até de Deus!), mas as mulheres que vão embora tão rapidamente estão dizendo que o tempo acabou: é hora de mostrar que esse sonho não é utopia. Uma das críticas que as jovens fazem à Igreja é a de ser fria, distante, anônima, impessoal... e para elas, que são sensíveis às relações, isso é um aspecto crítico, que as coloca em crise quando na comunidade cristã experimentam atitudes de julgamento, de frieza, de distanciamento. Sentem-se como estranhas nas assembleias eucarísticas onde as pessoas ficam lado a lado como estátuas, cada uma por si. Uma soma de indivíduos não constitui uma comunidade, mesmo que todos participem da mesma Eucaristia. A crítica vai além de si mesma, para invocar uma Igreja de pessoas que falam entre si, que sorriem umas para as outras, que partilham uma vida. As linguagens eclesiais – aquela litúrgica e também aquelas da vida cotidiana – têm um sabor de antigo. Precisam encontrar abrigo num contexto de calor e de beleza.
As mulheres na Igreja procuram a beleza, porque uma das suas tensões de hoje é a para a harmonia: de si mesmas, dentro de si mesmas, com a criação, com os outros. Procuram também a harmonia na Igreja, para se sentirem em casa, ou melhor, naquela casa que o Evangelho e a fraternidade que se origina do Evangelho torna mais bonita e mais acolhedora do que qualquer outra casa. A uma Igreja humana as mulheres pedem calor e acolhimento.
Não podem entender esse aspecto as pessoas que acreditam que ser cristãos significa simplesmente crer com a cabeça que Deus existe, que Jesus Cristo existiu e alguma outra verdade contida no catecismo. As mulheres, que também pensam com o coração, sentem que a fé é uma vida; ou insere uma trama de relações calorosas, ou não é fé: é doutrina, é ideologia, com tudo o que disso decorre. E a primeira dessas relações é com Deus, que não é uma ideia nem um artigo do credo, mas uma Pessoa com quem estar em relação. O que as jovens mulheres não suportam da Igreja é a forma peremptória com que propõe os seus ensinamentos e dá as suas indicações. Para algumas isso é um obstáculo decisivo em relação à possibilidade de uma reaproximação: “Aproximar-me-ia de uma Igreja que se coloca em discussão, expõe os seus problemas, tem vontade de se renovar, de ser um fator de desenvolvimento não só para a comunidade, mas para toda a sociedade”. As jovens percebem que as indicações da Igreja não escutam a vida e a história concreta das pessoas. O Sínodo é uma oportunidade preciosa. É o sinal de que está se começando a entender que a Igreja deve descer da cátedra e prestar atenção à vida, escutando-a.
As mulheres gostariam que a Igreja acreditasse nelas, levasse em consideração o fato de elas têm um ponto de vista original sobre a vida, uma maneira própria de ver as coisas, de tomar decisões, de enfrentar as situações, diferente daquele dos homens; um ponto de vista de que a comunidade cristã precisa, também para realizar plenamente o seu ser mãe. Existem muitas mulheres que atuam nas comunidades.
Acreditar nas mulheres, para a Igreja, significa fazer com que percebam concretamente que existe necessidade não apenas de seus braços ou de seu tempo, mas também da sua cabeça, do seu coração e da sua vida. Que existe uma necessidade delas para uma plena compreensão da fé e da experiência de Deus.
Uma Igreja materna – quantas vezes ouvimos que a Igreja é mãe? - precisa das mulheres. Então é necessário escutá-las e reconhecer as suas razões. A reciprocidade mulher-homem é necessária também na Igreja, para um mundo na medida de toda a humanidade.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Para se desmasculinizar, a Igreja deveria mostrar que precisa das mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU