10 Agosto 2023
"O afastamento de jovens e adolescentes da prática religiosa é um fenômeno que vem de longe, faz parte de uma tendência de médio-longo prazo, que, no entanto, se mantém ou sofre uma aceleração precisamente nos anos pós-Covid", escreve o sociólogo italiano Franco Garelli, professor da Universidade de Turim, em artigo publicado por Settimana News, 08-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os dados mais recentes (e confiáveis) sobre a prática religiosa na Itália dizem respeito ao ano de 2022 (um ano praticamente livre das restrições do lockdown) e ilustram o seguinte cenário: aqueles que participam de um rito religioso pelo menos uma vez por semana (para os católicos, missa no domingo) são cerca de 19% da população; por outro lado, são muito mais numerosos aqueles que no ano nunca frequentaram um local de culto (31%), exceto para eventos especiais, como os ritos religiosos de passagem (batizados, matrimônios, funerais).
Somados, os "praticantes assíduos" e os "nunca praticantes" perfazem 50% dos italianos, o que significa que a outra metade da população pertence àquele vasto grupo de pessoas que frequentam de forma descontínua um local de culto (cerca de uma vez por mês ou algumas vezes por ano) ou ocasionalmente, talvez nas festividades principais.
Os dados aqui apresentados provêm da pesquisa multiescopo ISTAT (realizada em uma amostra bastante ampla e representativa da população italiana – aqui o gráfico com os resultados) que, entre outras informações, também detecta a frequência com que as pessoas vão a igreja ou outro local de culto. [1]
Esses dados sobre a prática religiosa, portanto, não dizem respeito apenas às igrejas e às missas católicas; mas, pela particular configuração religiosa do país, em que ainda hoje cerca de 70% da população declara pertencer ao catolicismo, [2] são amplamente aplicáveis ao que acontece no campo católico.
À pergunta do ISTAT responderam diretamente os indivíduos com mais de 14 anos, enquanto que para os menores com idades compreendidas entre os 6 e os 13 anos a resposta foi fornecida pelos pais.
Retomando a análise, observa-se em primeiro lugar que o número (desde 2022) da frequência semanal a um rito religioso comunitário é o mais baixo da história recente do país. Nos últimos 20 anos (de 2001 a 2022), o número de "praticantes regulares" caiu quase pela metade (de 36% para 19%), enquanto os "nunca praticantes" de fato dobraram (de 16% para 31%). Durante esse período, a tendência para baixo foi maioritariamente progressiva, de ano para ano, com exceção de um pico para baixo que se registou no último período, que coincidiu com a explosão do Covid-19.
Prática religiosa na Itália 2001-2022 (Fonte: ISTAT | Reprodução Settimana News)
Em 18 anos (2001 a 2019), os praticantes regulares diminuíram pouco menos de um terço; enquanto apenas no triênio (2019-2022) seu número caiu em 25%.
Para ambos os períodos (2001-2019 e 2019-2022), a redução da prática religiosa envolveu todas as faixas etárias, ainda que se tenha manifestado de forma mais acentuada sobretudo na componente verde da população, em especial entre os jovens dos 18 aos 24 anos e entre os adolescentes (14-17 anos).
Essas são as faixas etárias que mais se distanciaram da prática religiosa regular nos últimos 20 anos, com uma queda de mais de 2/3 entre os jovens e adolescentes, face a uma redução de 50% dos praticantes assíduos entre as pessoas adultas e maduras e de 30 -40% entre a população idosa.
Em outras palavras, a prática assídua entre os adolescentes passou de 37% em 2001 para 20% em 2019 e para 12% em 2022; enquanto, entre os jovens de 18 a 19 anos, a prática regular que envolvia 23% dos sujeitos em 2001 caiu para 11% dos casos em 2019 e para 8% em 2022.
Pode-se, portanto, afirmar, neste ponto, que o afastamento de jovens e adolescentes da prática religiosa é um fenômeno que vem de longe, faz parte de uma tendência de médio-longo prazo, que, no entanto, se mantém ou sofre uma aceleração precisamente nos anos pós-Covid.
Que reflexões podem ser feitas com base nessas indicações empíricas? Em primeiro lugar, constata-se que "o encontro semanal num local de culto, para os católicos a missa dominical, atrai cada vez menos italianos", [3] apesar do dado sobre a filiação religiosa ainda se manter em níveis elevados.
Para a componente católica, aparece aqui uma dupla mensagem à Igreja: o que está sendo posto em discussão não é apenas o preceito ou convite a santificar as festas, mas a própria ideia de que a participação no culto comunitário é para os fiéis (para os seguidores de uma religião) um momento fecundo de crescimento e de expressão da fé, um critério vital para a pertença a uma comunidade religiosa. [4]
Segunda reflexão. O dado de 19% dos italianos que vão semanalmente à igreja ou a um local de culto atesta, sem dúvida, que também na Itália a frequência regular aos ritos religiosos é cada vez mais um fenômeno de minoria; mas não a ponto de alinhar o país com os cenários que hoje prevalecem na maior parte das nações do Centro e do Norte da Europa (tanto de cultura católica como protestante), onde a participação regular no culto envolve - conforme o caso - de 3% a 7 -8% da população. Nesse aspecto, a Itália ainda se destaca no cenário europeu, como poucas outras realidades nacionais, como o Portugal e a Polônia. [5]
O efeito lockdown
Uma terceira reflexão diz respeito à tendência da prática religiosa no período da pandemia, um tempo em que os ambientes eclesiais muito se questionaram sobre o risco – após essa dramática experiência – de não reencontrar o seu povo. Aqueles que costumavam participar assiduamente dos ritos comunitários voltarão à missa dominical presencial, ou às celebrações em streaming terão tornado esse vínculo mais lábil?
Em outras palavras, temia-se que a interrupção das atividades pudesse produzir mais um “abalo” da árvore da fé e da Igreja na Itália, afastando ainda mais as pessoas cuja religiosidade é mais centrada em razões culturais do que espirituais.
Efetivamente, o abalo causado pelo Covid-19 para a prática religiosa parece ter pontualmente ocorrido, podendo ser identificado (como já foi dito) em cerca de 25% de sujeitos a menos que, em 2022, faltam à chamada em relação ao ano anterior à pandemia (2019). E entre os que faltam à chamada, destacam-se – como já assinalamos – mais os adolescentes e jovens do que as pessoas adultas e idosas, uma tendência negativa que, em parte, agora parece se estender às crianças.
Certamente trata-se de um fenômeno ligado à suspensão das atividades formativas e da vida de escolas dominicais ocorrida durante o lockdown, que, no entanto, se insere numa tendência de mais longo prazo dos muito jovens de distanciar-se prematuramente (em comparação com os seus pares do passado) de um vínculo religioso.
Um discurso semelhante, embora mais atenuado, pode ser feito para a situação das crianças, que retornaram em sua maioria após o lockdown nos ambientes eclesiais para os cursos de catequese e os momentos de socialização, uma presença que tende, porém, a ser, em vários casos, dissociada da frequência aos ritos comunitários.
Além do exposto acima, os dados do ISTAT sobre o andamento da prática religiosa na Itália nos últimos 20 anos mostram os movimentos que ocorreram nesse campo em nível territorial.
Como se sabe, as regiões do Sul sempre tiveram taxas de religiosidade superiores às encontradas nas regiões do Norte e sobretudo naquelas da Itália Central, e este dado básico é uma constante também nos últimos 20 anos, nos quais houve um sensível declínio da prática religiosa em todo o território nacional. Isso quer dizer que grosso modo ao longo desse período, a prática religiosa regular no Sul envolveu uma parcela da população cerca de 20% maior do que a encontrada nas regiões do Centro-Norte; mesmo numa situação em que em todos os lados (tanto no Centro-Norte como no Sul) os praticantes regulares diminuíram cerca de 45-50% no período 2001-2022.
Atualmente, em comparação com uma média nacional de cerca de 19%, a frequência constante aos ritos religiosos envolve 23% da população das regiões do Sul e cerca de 17% dos habitantes nas regiões do Centro-Norte da Itália.
No que diz respeito às diferenças de gênero, os dados do ISTAT continuam a sinalizar – para o período considerado – uma maior presença de mulheres do que de homens na prática religiosa assídua, que se verifica em todas as faixas etárias.
Ao longo dos anos (de 2001 a 2022), a proporção de homens e mulheres que vão a um local de culto todas as semanas diminuiu, mas o gap de gênero em favor das mulheres se mantém ao longo do tempo (na ordem média de 25% a mais de casos).
No último ano de pesquisa (2022), a prática regular envolve na Itália 15% da população masculina e 22% da população feminina.
Outra indicação (em parte curiosa) diz respeito ao ano em que – segundo os levantamentos do ISTAT – ocorreu na Itália a ultrapassagem dos não praticantes sobre quem declara uma prática religiosa assídua. Tratar-se-ia de 2018, quando, pela primeira vez na história recente do país, os não frequentadores superaram por pouco (25% contra 24,9%), para depois crescer de forma decisiva nos anos seguintes (sobretudo depois da Covid), até o último levantamento de 2022 que identifica, no conjunto da população nacional, os "nunca praticantes" em 32% e os "praticantes frequentes" em 19%. Em suma, a impressão geral é de uma tendência de queda bastante consistente, que não se detém nem mesmo diante dos apelos religiosos de um papa (como o atual) que desfruta de bom crédito público.
Por fim, deve-se ressaltar que o declínio da prática religiosa nos anos pós-Covid é uma tendência não só em Itália, mas que envolve todos os países ocidentais, até mesmo com percentuais muito superiores aos italianos. [6] Por toda a parte fala-se de “redução da participação presencial”, “do hábito de muitos de se conectarem de forma remota aos ritos”, de “difícil retorno à normalidade”; ou da previsão de alguns de que, nesse campo, "nada será como antes".
Não é o caso de considerar que "se é assim para todos, o mal é menor", embora não haja dúvida de que o que aconteceu nos últimos anos representa uma prova vital tanto para as Igrejas como para os crentes de todas as confissões religiosas.
[1] Como foi dito, o ISTAT (Instituto Nacional de Estatística), ao levantar todos os anos toda uma série de informações sobre a vida cotidiana da população, prevê também a pergunta “Habitualmente com que frequência vai à igreja ou a outro local de culto?”, embora não registe a filiação religiosa, considerada um dado “sensível”. A amostra é composta por mais de 20.000 famílias e 45.000 indivíduos residentes. Uma análise interessante desses dados pode ser encontrada em M. Ventura, “Chiese deserte, ma la fede è più consapevole”, em La Lettura, do Corriere della Sera, de 8 de janeiro de 2023, p. 8-9. O aprofundamento dos dados do ISTAT aqui relatados foi possível graças às conversas com o Dr. Sante Orsini, responsável pela pesquisa "Famílias e vida cotidiana".
[2] Cf. as investigações empíricas mais recentes e as indicações a esse respeito fornecidas pelos principais institutos de pesquisa de opinião.
[3] M. Ventura, ibid., p. 8.
[4] F. Garelli, Gente di poca fede. Il sentimento religioso nell’Italia incerta di Dio, Il Mulino, Bologna, 2020, p. 65.
[5] A. Pérez-Agote (org.), “Portraits du catholicisme. Une comparaison européenne”, Rennes, Presses Universitaires de Rennes, 2012; S. Lefebvre e A. Pérez-Agote, “The Changing Faces of Catholicism”, in: Annual Review of the Sociology of Religion, Brill, v. IX, Leiden, 2018.
[6] Cf. F.X. Rocca e K. Maher, “Le chiese raccolgono un numero ridotto di fedeli da quando esiste il Covid”, in The Wall Street Journal, 7 de abril de 2023.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Itália: prática religiosa em forte declínio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU