15 Abril 2023
"As perguntas que Massironi levanta têm uma impressionante radicalidade: para onde está indo a Igreja e que futuro é possível imaginar para os cristãos em um mundo que cada vez menos faz referência ao Evangelho? Em primeiro lugar, sendo também sacerdote, o autor observa como não é verdade que as igrejas estejam vazias, apesar do abandono da prática religiosa ter aumentado durante a pandemia", escreve Roberto Righetto, jornalista, em artigo publicado por Avvenire, 13-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Num artigo fulminante lançado no site francês Aleteia.org, o teólogo Jean-Michel Castaing, autor do livro Pour sortir du nihilisme (Salvator), se pergunta como seria nosso mundo se Jesus Cristo não tivesse vindo à Terra. De fato, a dívida da humanidade para com o cristianismo tornou-se hoje um tabu.
O artigo diz: “No nosso Ocidente moribundo, um buraco negro atormenta as consciências: o imenso legado da fé cristã nos planos religioso, social, político e cultural. O ocidental médio parece uma criança mimada que bateu a porta da casa dos pais e que, como o filho pródigo da parábola evangélica, toma sua parte de herança sem nenhuma palavra de agradecimento”.
E mais: “Em que estado estaria nosso mundo se Cristo não tivesse vindo ensinar-nos o cuidado pelos pequeninos, o perdão das ofensas, a promoção das mulheres, o amor aos inimigos, a dignidade dos pobres e dos excluídos, a luta contra o ostracismo sofrido pelos doentes e portadores de deficiência? Em que estado espiritual estaríamos se as divindades sanguinárias do paganismo, reflexo de nosso fascínio pela força e pelo sucesso, tivessem permanecido como objeto de nosso culto? Não é muito difícil adivinhar, porque, com o declínio do cristianismo, o dinheiro, o culto de sucesso e o individualismo readquiriam o selo da besta”.
Um exercício que se insere na moda dos debates históricos, muito presentes no cinema e nas séries de TV, sobre os diferentes rumos que poderia ter assumido a história (se Alexandre, o Grande, tivesse conquistado Roma em vez de se dirigir ao Oriente, se Hitler tivesse vencido a guerra, etc.), mas que neste caso não é de forma alguma uma diversão, considerada a enorme crise que afeta o cristianismo na Europa há décadas, e que se exacerbou nos últimos anos.
São temas que aborda sem restrições - e sem ceder à apologética - o teólogo Sergio Massironi em seu último livro, Cattolico cioè incompleto (Católico, ou seja, incompleto, em tradução livre, Castelvecchi, 186 páginas). O título retoma uma reflexão do filósofo Silvano Petrosino a respeito do conceito de falta, que é congênita ao ser humano como espaço iniludível de abertura ao outro.
Cattolico cioè incompleto: un'identità estroversa. Un'appartenenza antitotalitaria
Armando Matteo no prefácio explica assim a dissonância oximórica dos dois adjetivos, visto que católico indica a totalidade e incompleto a falta: “Não há nada que não nos possa pertencer e pelo qual não possamos deixar de nos sentir tocados, por um lado; nunca há uma condição ou um tempo da existência em que finalmente nos possamos sentir finalmente saturados, pelo outro”.
As perguntas que Massironi levanta têm uma impressionante radicalidade: para onde está indo a Igreja e que futuro é possível imaginar para os cristãos em um mundo que cada vez menos faz referência ao Evangelho? Em primeiro lugar, sendo também sacerdote, o autor observa como não é verdade que as igrejas estejam vazias, apesar do abandono da prática religiosa ter aumentado durante a pandemia.
Mas é certo se perguntar também por que tantas pessoas continuam a frequentar a missa. Claro, há a fé do povo de Deus, mas esta primeira resposta elementar não é suficiente. Como os Evangelhos contam também para Jesus “a pastoral mais difícil foi com quem não precisa do médico, com quem diz não ser cego. Com quem vai à missa. É um pacto com o diabo que fazemos quando não levantamos o véu sobre tanta apatia daqueles não crentes praticantes que todos nós podemos nos tornar, inclusive subindo no altar. Um catolicismo de povo não vive de poucas igrejas lotadas, não é compatível com a remoção das perguntas, dos protestos, das vozes discordantes, não resiste esquivando-se dos desafios espirituais do seu tempo e tentando até o fim perpetuar esquemas herdados de gerações passadas".
Olhando para quem mora em nossas cidades, a sensação é de um fracasso. Foi dito de forma clara pelo arcebispo de Milão, Mario Delpini: “A Igreja, especialista em humanidade, parece incapaz de dizer algo mais sobre o homem, sobre a mulher, sobre a sua relação, sobre a convivência na sociedade e sobre a sua organização, nada que seja de alguma utilidade”.
Por isso, segundo o autor, é preciso encontrar o aspecto subversivo do cristianismo, “apresentar às Igrejas o cenário contemporâneo como uma oportunidade de retornar à sua forma original”. E saber expressar uma via intermediária entre a adaptação ao pensamento dominante e o exercício de uma contracultura: “Encarnação significa que Deus se revela não contra o mundo, mas assumindo sua opacidade. A provocação cristã só pode, portanto, manter o duplo perfil de crítica e bênção do próprio tempo”.
Palavras precisas que nos convidam a não abandonar o mundo iludindo-nos de que podemos nos encerrar em oásis de perfeição, mas sabendo também que o desafio, além de pastoral, é cultural. Há um grande déficit de cultura religiosa entre os homens do nosso tempo, especialmente entre os jovens e também entre os cristãos.
Massironi consegue intuir isso, anotando noutra passagem: “Se o cristianismo tem um problema, no Ocidente, é a sensação comum e penetrante de tê-lo conhecido o suficiente, sem na realidade ter tido a experiência e investigado suas profundezas. A onipresença dos signos cristãos, na arte e nos costumes, parece temperar o retorno a Cristo como a um Novo Contrapasso de quase dois milênios de cristandade".
Frescor e originalidade parecem ser os recursos necessários para uma revitalização dos ambientes católicos, a partir de uma teologia demasiado abstrata e asfixiada, muitas vezes ilegível e fechada nas universidades pontifícias. Mas isso não basta, e as questões tornam-se ainda mais prementes: “Ainda não radicalmente atingida pela crise dos abusos sexuais, a Igreja italiana pode se perguntar: como pode uma sociedade que cresceu nos pátios das escolas dominicais e à sombra do campanário ter envelhecido e se corrompido tanto?”.
Chegou a hora da proposta e da esperança. Em primeiro lugar, como já foi acenado, através de um trabalho de realfabetização religiosa face ao “vazio criado com a remoção do imaginário bíblico do discurso público". Depois, com a oferta de caminhos de perdão e reconciliação diante dos conflitos e feridas das mulheres e dos homens de nosso tempo: “Fazer as pazes com as próprias feridas e com as feridas alheias; chamar o mal pelo nome; vê-lo em si mesmos, além de fora; aprender a conviver com o que não agrada; deixar para Deus o juízo final sobre o que não se pode aceitar ou que é no presente insolúvel; dar a quem errou novas possibilidades e os instrumentos para mudar; resgatar aqueles que são marginalizados por todos e rechaçados por causa de um passado difícil: existe tudo isso em uma cultura bíblica da justiça".
Finalmente, uma terceira sugestão tem um caráter mais pastoral: enxugar. Demasiadas estruturas dentro da Igreja, muitas vezes supérfluas e inúteis: “Precisamos de menos, de novas e mais leves”. Um trabalho de revisão de gastos que deve tocar as cúrias e os institutos religiosos, mas que não pode responder apenas a uma lógica economistas ou empresarial, mas deve servir para redescobrir a essencialidade do Evangelho. Como pode ser visto, muitas sugestões autocríticas, mas também ideias para sair da crise que envolve o catolicismo na Itália e na Europa podem ser rastreadas nesse volume de Massironi, a fim de construir, como o subtítulo informa, "uma identidade extrovertida" e "uma pertença antitotalitária”.
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Praticantes sem fé, o risco da Igreja. Artigo de Roberto Righetto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU