03 Agosto 2021
"A paróquia do amanhã deverá ser uma coletividade de pessoas que colocam a própria vida no centro e não a pertença cristã. A vida é o verdadeiro campo onde o Semeador atua, uma vida feita de alegrias e de dores, de escolhas e de fracassos. A vida é a verdadeira academia dos homens!", escreve Gigi Maistrello, sacerdote da diocese de Vicenza, em artigo publicado por Settimana News, 01-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Antes de entrar no assunto, é fundamental fazer uma breve premissa metodológica.
Uma dose saudável de realismo é essencial para enfrentar questões delicadas como a do futuro da Igreja e do Cristianismo. Estamos passando por uma crise muito profunda e isso é inegável para quem lê os dados honestamente.
Como se reage diante desse cenário? Por um lado (a maioria), tendem a colocar de lado o problema, abordando outras questões consideradas mais urgentes e não percebendo que esta crise pode ser mortal. Por outro lado, ao tomar consciência da gravidade da situação que acabamos de mencionar, são apresentadas soluções que aparentemente parecem lógicas e realistas, mas que na realidade conduzem aos mesmos resultados malsucedidos.
Propor, por exemplo, a anulação da obrigatoriedade do celibato ou a introdução do sacerdócio feminino não é apenas pura utopia, mas uma distração de massa, porque os defensores dessas propostas sabem bem que tais escolhas, hoje, são simplesmente impossíveis, a menos de querer dilacerar um tecido já bastante desgastado.
É emblemático o que aconteceu depois das propostas do próprio Papa, aquelas sobre as diaconisas e os viri probati,: silêncio! Repito: propostas do Papa, não de um teólogo genérico de uma Igreja de periferia!
Então: vamos procurar algo realista, que possa ser realizado agora e não daqui a cem anos. Com as regras que temos, com o Código de Direito Canônico que está em vigor, em silêncio e sem fazer tanto barulho, com o antigo método de que a Igreja sempre foi mestra: “Ecclesia semper reformanda”. Propondo pequenos passos e não terremotos. Os revolucionários mencionados são, no fundo, os verdadeiros conservadores!
Mas é fundamental ter uma “visão”, uma proposta completa, uma leitura sintética de todo o quadro e agir a partir de escolhas concretas que podem ser feitas imediatamente e que darão frutos em dez/vinte anos. É preciso a coragem da fé e uma dose de resiliência (palavra que virou moda) que sempre demonstramos possuir nos momentos dramáticos.
Feita esta premissa, devemos colocar-nos algumas questões, sempre na “visão” que devemos ter como pano de fundo. Em primeiro lugar: por onde começar para uma mudança que seja concreta e tenha um futuro? A resposta é: devemos salvar o tesouro de nossas comunidades cristãs! Depois: quais são os atores do futuro e que papel o padre deverá ter nesse arranjo? E, por último (talvez o tema mais espinhoso): como enfrentar no plano econômico essa tentativa de mudança?
Devemos salvar as comunidades cristãs, postas em grave crise tanto pela queda do número de padres como pela grande dificuldade de encontrar um papel e uma identidade dentro de um mundo que muda a uma velocidade que nos coloca de costas contra a parede.
Nossas comunidades estão em profunda crise, mas não estão mortas: ainda existem e devem estar presentes no futuro. Caso desaparecessem, faltaria o coração dentro de uma cidade ou de um bairro.
Mas como imaginar a comunidade cristã do futuro?
A paróquia do amanhã deverá ser uma coletividade de pessoas que colocam a própria vida no centro e não a pertença cristã. A vida é o verdadeiro campo onde o Semeador atua, uma vida feita de alegrias e de dores, de escolhas e de fracassos. A vida é a verdadeira academia dos homens!
Dentro dela há momentos férteis, em que as pessoas estão mais disponíveis a ser amparadas e ajudadas a entrar (talvez sem se dar conta) no coração mais profundo da própria vida, até chegar ao encontro com Deus.
Nascimento, família, doença, morte, fracasso ... são os âmbitos onde a comunidade cristã deve ser mais protagonista do que nunca. Não para usar exclusivamente o papel do sacramento, como foi feito por séculos, com mensagens teológicas e doutrinárias que as pessoas hoje simplesmente rejeitam ou ouvem de forma distraída. Acreditamos que somos mestres da dor, só porque em muitas paróquias a única coisa que ainda se mantém são os funerais!
O futuro da comunidade cristã terá que ser jogado usando as relações, as relações de amor.
Estamos falando de uma relação humana consciente, simples, direta, sincera, empática, cotidiana, sem preconceitos. Não uma relação protegida pelo papel, mas livre e sem sombra de temor; sem os narcisismos históricos dos homens da Igreja; com protagonistas capazes de uma escuta autêntica (e não apenas pregada!) e sempre prontos para o diálogo. Uma relação em que não haja obsessão em ter que falar de Deus e dos seus mandamentos, porque há plena consciência de que Deus já habita as relações de amor e, no máximo, é preciso evidenciar isso e ajudar a captar o eco da sua presença e de sua misteriosa energia cocriadora sem ter que nomeá-lo.
Precisamos de pessoas capazes de entrar nas temáticas existenciais, sem necessidade de passar pela antecâmara dos textos catequéticos ou litúrgicos. Preparadas para a proximidade e a partilha usando uma proximidade real temperada, quando necessário, com a pérola do silêncio. Prontas a usar a arma da oração, do implorar a Alguém que nos mantenha ao seu lado.
As pessoas precisam sair do triste individualismo de nosso tempo e, mesmo que não se reconheçam em um credo determinado, abrem a porta para um representante da comunidade que “não tem ouro nem prata, mas o que tem está pronto doar: a sua proximidade!".
Para imaginar o futuro das paróquias, bastaria pensá-lo sem o dilúvio de reuniões como ocorre atualmente. Para descobrir o segredo da Trindade, as reuniões não são suficientes. Para entrar na iniciação cristã, deve-se parar com discussões inúteis e prejudiciais. Reuniões que não são apenas supérfluas, mas até capazes de afastar os fiéis das paróquias.
Ouço falar de muitas pessoas que, só para se livrar do calvário dos encontros pré-sacramentais, estão dispostas a não batizar seus filhos ou se casar na igreja, optando no máximo pelo casamento civil. Quando estaremos dispostos a mudar o calendário de nossas comunidades? Quando estaremos prontos para encerrar com esta triste proposta do catecismo? Quando estaremos predispostos para novos caminhos com nossas crianças e jovens para ajudá-los a crescer em uma verdadeira comunidade, talvez utilizando o simples espaço anexo à igreja?
O menino que conseguimos manter na paróquia até o sacramento com a chantagem dos encontros de catequese, no dia seguinte dirá: “vocês nunca mais me verão!”. O mesmo menino inserido em um programa com jogos, cultura, vivências fortes, momentos de descontração, chega ao sacramento do mesmo jeito; mas depois, talvez, poderá continuar a se sentir parte graças aos laços que nasceram.
Organizar encontros de preparação para o batismo à noite, depois do trabalho, talvez depois de ter que contratar por algumas horas uma babá: acreditamos realmente que esta seja a ocasião adequada para transmitir mensagens evangélicas? Quando a maioria das pessoas participa apenas porque é obrigatório? Não seria o caso de abrimos os nossos espaços paroquiais às famílias com crianças e lhes permitirmos inventar momentos de comunhão e, portanto, de autossustentação?
E o que dizer da formação? Precisaremos prever alguns encontros! Mas não existem as celebrações eucarísticas dominicais? “Venha à missa para um período, talvez possamos ficar mais um pouquinho depois, isso será suficiente”.
Os sacramentos devem ser dados a todos os que os solicitam, todos! Mas a comunidade é capaz de acolher dentro dela todas as pessoas, todas, porque tem um só desejo: permitir-lhes aceder a um coração, o coração de Deus?
Quando eu lecionava na escola, havia um colega que raciocinava dessa maneira e propunha soluções didáticas revolucionárias. Nós, colegas, olhávamos, alguns com desconfiança, outros com criticidade, e outros ainda com confiança.
Sua proposta era a seguinte: “Deixe-me trabalhar com as crianças do meu jeito por quatro meses!”. Neste espaço de tempo organizava espetáculos teatrais e atividades em grupo com um único objetivo: "formar um time".
De vez em quando, o diretor ousava perguntar a ele: “Mas…. e o programa? ". Ele respondia: "Tenha paciência e confiança, e verá!". Enquanto isso, seus meninos trabalhavam com entusiasmo e haviam se tornado uma pequena república dentro da escola, levantando críticas, suspeitas e questionamentos.
Em janeiro esse projeto concluiu-se com algumas apresentações que despertaram muito interesse. Diante de nós estava um grupo de vinte e cinco garotos unido, motivado, com vontade de participar da vida escolar. Aquele professor havia tido sucesso em seu propósito: ele criou uma verdadeira comunhão.
Assim, nos meses seguintes, assumiram o programa. Aquele grupo tinha uma vantagem e todos (todos!) chegaram aos exames apresentando resultados muito superiores ao resto da escola.
A angústia da Igreja sempre foi "o programa"! Um imenso sistema formativo e doutrinário, da criança ao idoso. Claro, antigamente teve o seu significado, mas a dúvida surge quando somos obrigados a constatar que a base dos cristãos praticantes está cada vez mais fina, ano após ano, sem encontrar uma resposta para as suas necessidades existenciais e fortemente afetada tanto pelos escândalos quanto pela corrupção e por motivos sexuais.
A paróquia do futuro, portanto, não deverá ser exposta ao proselitismo: evangelização, catecismo e muita formação. Simplesmente terá que ser uma realidade de vida, onde o Evangelho será vivido na quotidianidade.
Devemos usar toda a nossa força e imaginação que, felizmente, não falta para relançar as nossas comunidades paroquiais. Deixar prosseguir a crise atual, até deixá-las morrer, seria um pecado gravíssimo.
Como será possível restaurar o coração? Um coração silencioso e ao mesmo tempo palpitante, feito de luzes e portas abertas o dia inteiro. Um coração que não precisa de planos pastorais ou reunião após reunião. Uma sala canônica aberta e sempre acessível, uma igreja aberta o dia todo, uma praça aberta.
Os protagonistas são todos, todos aqueles que sentem a necessidade de estar juntos, de compartilhar e de se encontrar. De maneira especial, os jovens serão os protagonistas, justamente aqueles que se distanciaram mais nos últimos anos, considerando tempo perdido tudo o que era rotulado como “cristão”.
Espaço para pais de crianças e dos jovens, que se sentem na pele como aos seus filhos hoje não são propostas as coisas mais importantes: as relações de amizades, o prazer de criar sem ser engolfado pelas redes sociais, a magia da música e do jogo para aprender a "formar uma equipe".
As nossas periferias estão morrendo e faltam os principais protagonistas para o renascimento: as comunidades cristãs! Os espaços existem, os ambientes estão aí. Foram construídos com o sacrifício de párocos corajosos, mas agora estão aí, quase todos abandonados. Todo mundo sabe que, quando há uma praça livre, logo entram em cena os agentes do mal: os traficantes de droga e do vício.
As pessoas, desconhecendo essas dinâmicas ocultas, descontam no traficante de plantão, muitas vezes imigrante e negro e, portanto, também tratado de forma racista. As mesmas pessoas (as chamadas pessoas de bem) só pedem que seja realizada a missa. Para eles, porém, a igreja deve permanecer aberta apenas para o momento da celebração, e depois fechá-la e se trancar em casa, desanimados e irritados.
E os idosos então! Aqueles que só sonham em aproveitar a aposentadoria, fruto de enormes sacrifícios. Obrigados a ficar em casa, quando sua memória volta aos velhos tempos, quando se podia jogar cartas e ir à praça para uma partida de bochas ou desfrutar uma conversa sentados nos bancos.
Essas coisas são impossíveis hoje? Deixe-me gritar meu "não"! Devemos visar isso e as comunidades cristãs são hoje os únicos sujeitos que têm no DNA essas propostas humanas e culturais.
Existe um clima de resignação e morte ao nosso redor que é assustador.
Imagino a irritação de alguns leitores mais ligados ao esquema litúrgico-formativo, mas não consigo ver alternativa. Haveria uma proposta possível, a da devoção tradicionalista. Haveria espaço e não faltaria dinheiro, mas levaria a Igreja a se tornar outra coisa, talvez uma seita. Eu nem a levo em consideração.
Concluindo: as pessoas por séculos vieram à igreja porque havia o preceito e a ameaça do pecado. Hoje o preceito foi jogado fora.
Como vamos trazer nossos fiéis de volta à igreja? Reconstruindo nossas comunidades a partir de baixo e chegando à celebração como o momento culminante da própria comunidade.
De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.
XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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Qual o futuro para as comunidades cristãs? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU