27 Fevereiro 2021
"Se não formos mais capazes de destacar a diferença cristã, então, como o sal que perdeu sabor, como fogo coberto por cinzas, não poderemos mais dizer algo significativo na companhia dos homens. A diferença cristã requer, em primeiro lugar, a fé em Jesus Cristo vivo porque Ele ressuscitou, uma fé no Reino que há de vir. Mas, além deste primado da fé, alimentado na fonte do Evangelho, será necessário construir comunidades que sejam verdadeiramente comunidades de fé", escreve Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por Vida Pastoral, fevereiro-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A pergunta feita por Jesus é sempre novamente atual: "Quando o Filho do homem vier, encontrará fé na terra?" (Lc 18,8). Em particular, essa questão deve nos perturbar nesse nosso tempo de crise do Cristianismo, de diminutio de sua presença, de sua "exculturação" do nosso Ocidente. Há cerca de 30 anos o entusiasmo pós-conciliar se extinguiu e percebeu-se - como Michel De Certeau observou - que mesmo a tentativa de reformar a liturgia e a fé da Igreja não só não havia produzido os resultados esperados, mas até mesmo afastado da vida cristã porções de fiéis tradicionais. O grande teólogo francês e querido amigo Jean-Marie Tillard, como testemunho de uma vida vivida no diálogo teológico ecumênico entre as Igrejas, no final do século passado deixou um escrito apaixonado com o significativo título: Somos os últimos cristãos?
Mas já o teólogo Joseph Ratzinger em 1969 e, mais recentemente como papa, havia tentado responder à questão sobre o futuro da fé e com capacidade visionária profética indicava uma Igreja minoritária como hipótese fecunda; uma Igreja pequena comunidade de fiéis, pobre e despojada dos tantos privilégios acumulados na história, mas livre por ser criativa; uma Igreja não sectária, capaz de ser fermento a ponto de orientar a sociedade. Bento XVI sempre acreditou nas minorités agissantes, nas minorias criativas, e esperava que a evolução da crise conduzisse a essa nova forma de viver a Igreja.
Outros ainda, especialmente na área cultural francesa e centro-europeia, buscaram respostas e formularam diferentes hipóteses sobre o assunto. As quatro hipóteses de Maurice Bellet (2001) são bem conhecidas e estudadas.
A primeira prevê o desaparecimento do Cristianismo sem muitos sobressaltos ou lamentos: uma espécie de recuo indolor em que o Cristianismo ficará na memória pelos seus monumentos, obras de arte e alguns textos da sabedoria antiga.
A segunda hipótese, não muito diferente da anterior, vislumbra o cristianismo morto como fé, mas presente na sociedade com seus valores.
A terceira hipótese não vê próximo o fim da fé cristã e das Igrejas, mas pensa em sua permanência na história sem profecia: uma presença que satisfaz a necessidade religiosa e, portanto, mantém os ritos e as modalidades da religião.
Finalmente, a última, aquela que o autor almeja para o Cristianismo, é uma sua retomada desde o início, o seu renascimento graças à única Palavra de vida, o Evangelho. Na verdade, só a partir de um novo começo a fé cristã poderá inflamar-se como fogo e propiciar uma nova forma de viver a Igreja.
Também não deveríamos esquecer as leituras da crise feitas por historiadores como Jean Delumeau ou sociólogos como Danièle Hervieu-Léger, mais exigentes e críticos em relação à instituição eclesial, com a emissão de um veredicto de morte, na ausência de uma mudança rápida e de uma verdadeira conversão. Ou pode se pensar na análise de teólogos como Ghislain Lafont, que imagina um catolicismo diferente, ou de Christoph Theobald, que pede por mudança, a reforma contínua e a atestação de uma Igreja ecumênica fundada no sensus fidei do povo de Deus, empenhado em um caminho sinodal.
Em uma de minhas contribuições de 2004, tentei responder com urgência à pergunta: Que futuro para o Cristianismo? Lá apresentei análises que hoje sinto poder confirmar, ainda que a aceleração da crise nos últimos 15 anos tenha alterado ainda mais o status ecclesiae, especialmente em nosso Ocidente. O que devemos explicitar hoje? Com o ministério petrino de Francisco se iniciaram alguns processos, que devem ser reconhecidos: a vida da Igreja retomou uma dinâmica que, se não parar e realizar algumas reformas, ajudará os cristãos a atravessar a crise e a viver na história como eloquente minoria profética. Se, no entanto, esses processos permanecerem apenas como esboços ou, pior, palavras, creio que a decepção será tal que a vida da Igreja ficará seriamente fragilizada e a já existente diáspora se tornará até mesmo ilegível, não mais sentida como presença. Também porque a novidade dos últimos anos é justamente a "exculturação" do Cristianismo e da Igreja, não podemos ignorar isso. Basta acessar os meios de comunicação para perceber que já não aparecem "notícias" da fé e da Igreja, senão daquelas que causam escândalo, enquanto as correntes culturais não levam mais em conta as vozes e os eventos cristãos. Gostaria apenas de salientar que entre as sugestões de 100 livros para ler que apareceram por ocasião do Natal em um famoso encarte cultural italiano, não constava nenhum texto de autores cristãos. Agora "o mundo cristão", que não existe mais no mundo, é ignorado sem hostilidade, mas na forma da indiferença.
Aqui está, na minha opinião, o problema da nossa presença entre os seres humanos: a indiferença. Se não formos mais capazes de destacar a diferença cristã, então, como o sal que perdeu sabor, como fogo coberto por cinzas, não poderemos mais dizer algo significativo na companhia dos homens. A diferença cristã requer, em primeiro lugar, a fé em Jesus Cristo vivo porque Ele ressuscitou, uma fé no Reino que há de vir. Mas, além deste primado da fé, alimentado na fonte do Evangelho, será necessário construir comunidades que sejam verdadeiramente comunidades de fé: verdadeiros lugares de amor mútuo e de serviço aos últimos; comunidades que vivem a sinodalidade, caminhando juntas em uma comunhão plural; comunidades que não se isolam, não se tornam sectárias, mas permanecem com simpatia e espírito de fraternidade entre os homens e mulheres de nosso tempo. Só assim se pode dar uma resposta credível às mais variadas formas de populismo que "reduzem os símbolos religiosos a marcadores culturais identitários que não estão associados a uma prática religiosa", como observa Olivier Roy no seu recente ensaio A Europa ainda é cristã?
Se o Evangelho for a inspiração profunda para a vida cristã, será claro para todos que os fiéis são homens e mulheres reunidos em uma nova comunhão: é nesta diferença simples e radical que consiste a dimensão pública e comunitária da práxis evangélica. Portanto, uma comunidade cristã que no mundo não "está contra" o mundo, animada por uma lógica de concorrência e contraposição. Friedrich Nietzsche escreveu provocativamente no final do século XIX: “Já a palavra Cristianismo já é um mal-entendido. Afinal, houve um único cristão e estes morreu na cruz. O Evangelho morreu na cruz. [...] Apenas a prática cristã, uma vida tal como a viveu aquele que morreu na cruz é cristã. Ainda hoje tal vida é possível, para alguns homens é até necessária: o cristianismo autêntico e originário será possível em todos os tempos. Não uma crença, mas um fazer, sobretudo um não-fazer-muitas-coisas, um diferente ser”.
O Cristianismo nasceu de uma grande crise: a de Jesus e seus discípulos na noite da Última Ceia, com a traição de um deles. Precisamos ter certeza: o Senhor Jesus nos precedeu na crise, portanto nela não nos abandona.
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Que futuro para o Cristianismo? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU