02 Agosto 2021
"Pode-se afirmar que a busca por sentido e desejo espiritual das pessoas são, em princípio, atemporais - e que se intensificam principalmente em tempos de crise. Mas as religiões e as igrejas não têm mais, sobre isso, o monopólio, pelo contrário, o mercado das ofertas de sentido se multiplicou", escreve Carolin Hillenbrand aluna de doutorado e colaboradora científica no Grupo de Excelência “Religião e Política” da Universidade de Münster. Em sua tese de doutorado, ela analisa o papel da religião na coesão social. O artigo foi publicado por Christ & Welt, 30-07-2021. A tradução do italiano é de Luisa Rabolini.
A pandemia fortaleceu alguns valores religiosos, mas as igrejas não estão se beneficiando com isso. De que depende?
A necessidade nos ensina a orar - esse antigo provérbio frequentemente explica por que as pessoas nos países pobres são mais crentes. Em vez disso, as pessoas na Europa Ocidental secularizada, especialmente onde o estado de bem-estar é mais forte, geralmente estão menos expostas a problemas de sobrevivência e experiências de violência e dor. Por isso, na Europa Ocidental, a religião desempenharia um papel cada vez menos importante, esta é a conclusão a que se chega.
Mas o tempo de tranquilidade parece ter passado. O Covid-19 parece ter virado o mundo inteiro de cabeça para baixo. Além disso, nos últimos dias, a catástrofe da inundação se somou na Alemanha. Também em nosso país as pessoas são confrontadas com inseguranças, medos e limitações - o que poderia influenciar o sentimento religioso das pessoas na Alemanha. Diante das crises atuais, muitas pessoas se perguntam: por que eu? O que eu fiz para merecer isso? Nesses momentos - pode-se pensar - há uma boa chance de que o aspecto religioso volte mais vivo na realidade das pessoas e que as pessoas tomem consciência da força da religião.
Do ponto de vista da sociologia da religião, essas questões existenciais e humanas são perguntas de sentido e são perguntas profundamente religiosas. A religião é um sistema para lidar com a contingência. A contingência é o que é possível, mas não necessário - algo acontece, mas as coisas poderiam também ser diferentes. Com a religião, as pessoas podem responder às experiências da contingência, explicar as coisas para si mesmas. Principalmente no caso de experiências negativas, como dor, injustiça, doença ou morte.
Mas isso significa, então, que as pessoas em um período de pandemia se tornam mais religiosas? A religiosidade ajuda a enfrentar as crises atuais?
Pesquisas realizadas no período do Covid-19 mostram que a religião, a fé e a espiritualidade desempenham um papel importante na pandemia. Seria um exagero falar de um verdadeiro renascimento do religioso - mas pode-se observar um retorno moderado das práticas e dos valores religiosos; em muitos lugares são construídos altares domésticos, se acendem velas, orações são enviadas ao céu e valores como o amor ao próximo, a solidariedade e a coesão estão na boca de todos.
No Grupo de Excelência 'Religião e Política' da Universidade de Münster, em cooperação com o Instituto de Pesquisa para a Coesão Social de Leipzig, conduzimos uma extensa pesquisa online sobre esse tema na Alemanha.
13% dos entrevistados não se sentem pertencentes a nenhuma religião, 43% são católicos, 22% protestantes, 9% se classificam como pertencentes ao espectro da igreja evangélica livre, 4% são muçulmanos, ainda 4% se definem espirituais, mas não pertencentes a nenhuma religião, e 2% são de fé judaica. Essa pesquisa não é representativa, mas oferece um interessante olhar empírico sobre a estrutura atual da religiosidade e a percepção da crise.
Em referência ao papel da fé na pandemia, mais da metade dos entrevistados afirmam que a fé lhes dá consolo, força e esperança.
Quando questionados sobre como o período de pandemia afeta sua fé, 56% dizem que sua fé permaneceu inalterada. Para 32%, no entanto, a fé foi fortalecida - apenas para 11% ela foi enfraquecida. Excluindo aqueles que se declararam sem religião, a fé tendencialmente se fortaleceu em vez de enfraquecer para todos os grupos religiosos. A pesquisa mostra que a religião (ou a fé) também desempenhou um papel durante o período de Covid extremamente importante na Alemanha. Uma relação pessoal com Deus, ou uma fé profunda, parece sustentar as pessoas, especialmente em tempos de crise.
No entanto, em meados de julho, quando os dados mais recentes sobre o abandono de igrejas foram divulgados, nos deparamos com a pergunta: por que as pessoas continuam buscando um sentido, mas cada vez menos nas igrejas? Enquanto valores religiosos continuam ou voltam a contar na vida das pessoas, de acordo com as estatísticas anuais da Conferência Episcopal alemã e da Igreja evangélica alemã, um total de 440.000 pessoas deixaram a Igreja Católica e Evangélica no ano passado na Alemanha.
As razões para esses abandonos são certamente múltiplas. Escândalos de abusos, necessidade de reforma, crítica aos impostos a favor de igrejas. Tudo isso também pode ter um efeito sobre a importância da própria religião - as crises podem reforçar-se mutuamente. O fato de a fé em tempos de pandemias não poder ser vivida e compartilhada a não ser com dificuldade em uma comunidade real contribuiu para a diminuição da relação com a igreja. Muitos prédios-igrejas foram necessariamente fechados, e isso interrompeu os hábitos de muitos praticantes. Já Tertuliano apontava este perigo: Unus christianus, nullus christianus – sozinho um cristão não é cristão, é preciso a comunidade de fé. As pessoas podem ter se acostumado durante o lockdown a deixar de ir à missa e a implementar outros rituais ou hábitos.
Independentemente dos acontecimentos da crise atual, a tendência não mudou: a busca de sentido, a nostalgia espiritual das pessoas está crescendo claramente nos últimos anos. O mercado esotérico está em plena expansão - ioga, meditação e treinamento em mindfulness. A razão pela qual as pessoas estão procurando por um sentido em todo lugar, mas não nas igrejas, as próprias igrejas devem seriamente se questionar. As Igrejas - Católica e Evangélica - na Alemanha sofrem atualmente com o que muitos círculos e muitas estruturas institucionais vivenciam - um enfraquecimento da estrutura associativa, que também pode ser chamada de "síndrome de academia": grande flexibilidade; posso ir quando quiser e escolher o que quiser - em vez de estar fortemente ligado a um grupo e ter que manter horários fixos de treinamento e de jogo. Existe uma forma diferente de disposição à responsabilidade e ao empenho no mundo de hoje e nas gerações mais jovens.
Quais poderiam ser as respostas das igrejas a esses desenvolvimentos?
Por um lado, poder-se-iam adaptar às tendências sociais atuais descritas: individualização, digitalização, “eventualização”, flexibilidade, emocionalização. Os desenvolvimentos nessas direções já são parcialmente visíveis, por exemplo nas "renovações carismáticas", no novo ímpeto das igrejas livres e pentecostais ou na importância de grandes eventos como as Jornadas Mundiais da Juventude ou os Congressos das Igrejas. Em particular, o período do Covid-19 foi um período de uma nova maneira de pensar em muitas comunidades - mas ainda cabe verificar o quão sustentáveis serão esses desenvolvimentos e inovações.
Por outro lado, a relevância das igrejas no futuro também pode estar no fato de que elas realmente oferecem algo diferente das outras ofertas da sociedade. Por exemplo, justamente por causa de fenômenos como a crescente individualização, o não-compromisso, a autorrealização - que pode levar à exaustão e ao isolamento - as pessoas podem estar à procura de lugares de profunda comunidade, encontros reais, vínculo verdadeiro, valores estáveis e confiabilidade. Nas comunidades religiosas, o indivíduo se insere de um conjunto de relações: com outros crentes e com um Tu transcendente e superior. Desta força e esperança, que leva além deste mundo, o indivíduo se liberta, pode se deixar ir, mas não no vazio, mas em outras mãos que o sustentam.
Também constatamos que muitas pessoas só percebem o valor de algumas coisas quando perdem algo ou quando algo se torna menos evidente. Foi o que aconteceu com o Covid-19, por ocasião das festas e festividades como a Páscoa, o Natal, São Martinho, mas também o Ramadan e o Hanukkah.
De repente, muitas pessoas perceberam como essas festas estruturam o nosso calendário anual e a nossa vida cotidiana e fornecem suporte e orientação.
Em todo caso, pode-se afirmar que a busca por sentido e desejo espiritual das pessoas são, em princípio, atemporais - e que se intensificam principalmente em tempos de crise. Mas as religiões e as igrejas não têm mais, sobre isso, o monopólio, pelo contrário, o mercado das ofertas de sentido se multiplicou - assim como o panorama religioso na Alemanha também se tornou pluralista. Essa multiplicidade não significa apenas um aumento da concorrência, mas também da possibilidade de cooperação.
Pode ser interpretado e experimentado positivamente. Por exemplo, existem novas possibilidades de cooperação e de troca entre as denominações e as religiões. O diálogo inter-religioso e ideológico estará no topo da agenda para o futuro.
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Fé e pandemia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU