06 Abril 2020
"A Covid 19 parece nos jogar na cara um futuro sem perspectivas com a contradição entre uma solidão de tipo Immunitas e o desejo da comunidade de tirar o futuro da Communitas", escreve Aldo Bonomi, sociólogo italiano, em artigo publicado por Il Manifesto, 04-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo o sociólogo, "não foi assim, na pandemia, que redescobrimos a estreita comunidade do cuidado de enfermeiros e médicos, a quem nos confiamos? E depois percebemos também aquela grande comunidade de cuidado, que vai de agricultores a trabalhadores e operários, lojistas, caixas de supermercados e caminhoneiros que nos garantiram luz, calor, comida em casa ... todos trabalhadores da etapa final (last mile) que nos eram invisíveis".
"Colocar-se em comum por interesses - analisa Bonomi - leva a redescobrir aquilo que a arrogância da desintermediação e a teorização de um vale um havia tentado suprimir: as formas e a cultura da representação, as forças sociais, a sociedade no meio".
Quantas vezes, ao longo do século, repetimos "nada será como antes". No final do século, com o fim do fordismo, a queda do muro e o reaparecimento na ex-Iugoslávia da maldita comunidade de sangue, do solo, na Europa, despojada de seu sentido do trágico. Com o avanço das "guerras justas", depois "guerras pela democracia" após 11.09, até as atuais “guerras aos pedaços" contínuas. Em 2008, o colapso do Lehman Brothers causou uma crise infinita nas longas derivas do turbo-capitalismo financeiro.
Saltos de época onde se manifestou a nossa capacidade de continuar procurando para continuar a entender dentro naquele apocalipse cultural em que não nos reconhecíamos mais no que era habitual.
Hoje, o salto de época da covid 19, para usar a expressão de De Martino, evoca o "Fim do Mundo" a ser lido, não apenas por esperança, como o fim de UM mundo. Digo a mim mesmo, gramscianamente que, a cada período de perturbação, para entender o que "já não é mais" e o que avança no "ainda não", tentei responder pesquisando, como me ensinaram os mestres Alquati e De Rita. Buscar e pesquisar com os órfãos do fordismo e o sistema de ordenação feito de classes e conflitos, nas bordas do vulcão da cidade da company town com Revelli, depois caminhando no pós-fordismo do capitalismo molecular da fábrica difusa e os incipientes números de identificação fiscal (NIF) com Sergio Bologna e nos territórios marginais como lugares de novas práticas de democracia a partir de baixo com Alberto Magnaghi, até ir além do nada será como antes.
Colocamo-nos no meio e dentro da multidão das massas sem mais ter a barra da luta de classes para nos orientar. Daí o retorno ao essencial do "estar em comum", do desejo de comunidade de Bauman, do qual me lembro de uma conversa no Manifesto com o falecido Benedetto Vecchi, porque, como Augé nos lembra, "um indivíduo totalmente só é inimaginável, assim como é insustentável um futuro sem perspectivas".
A Covid 19 parece nos jogar na cara um futuro sem perspectivas com a contradição entre uma solidão de tipo Immunitas e o desejo da comunidade de tirar o futuro da Communitas. Discutimos isso com Roberto Esposito, deixando claro que o "desejo de comunidade" não é bom em si. Daí o fato de tentar teorizar a comunidade de cuidado e a comunidade atuante como alternativa possível.
E ainda hoje, no labirinto de medo da pandemia, eu não seria capaz de evocar nada além dessas duas polaridades para encontrar o fio de Ariadne. Para não parecer um incurável tolerante e benevolente com os adversários, explico que, além da angústia da solidão, nos salvará o interesse em nos colocar em comum.
Não foi assim, na pandemia, o redescobrir da estreita comunidade do cuidado de enfermeiros e médicos, a quem nos confiamos? E depois percebemos também aquela grande comunidade de cuidado, que vai de agricultores a trabalhadores e operários, lojistas, caixas de supermercados e caminhoneiros que nos garantiram luz, calor, comida em casa ... todos trabalhadores da etapa final (last mile) que nos eram invisíveis.
Mas a comunidade de cuidado amplo não é "apenas" isso. Colocar-se em comum por interesses leva a redescobrir aquilo que a arrogância da desintermediação e a teorização de um vale um havia tentado suprimir: as formas e a cultura da representação, as forças sociais, a sociedade no meio.
A comunidade de cuidado amplo evoca práticas que se referem ao vazio de representação vergado como madeira retorcida na representação de uma sociedade do espetáculo que transformou a dialética social em um ritual obsoleto de fábrica de mesas. A Covid 19 trouxe de volta a representação ao essencial: o sindicato para defender corpo e saúde, artesãos e comerciantes no deserto do capitalismo molecular redescobriram o sentido do representar.
Sem mencionar os sem representação, do número de identificação fiscal (NIF) até chegar ao subemprego, aos imigrantes, aos pobres, aos prisioneiros, para os quais resta a pietas de alguns poucos políticos e as palavras questionadoras do Papa. Palavras que nos interrogam trancados em nossas casas, onde se redescobre o prazer de fazer o pão, enquanto lá embaixo falta pão, e no meio há a panificação para os supermercados, que esperamos que não se tornem os fornos de manzoniana memória.
Dentro da multidão, vimos a falha entre a nua vida e a vida nua. Eu definia a primeira como o nosso estar dentro da sociedade automática dos big data, trabalhando com o nosso sentir, pensar e comunicar.
Havíamos esquecido, delegando ao voluntariado e às Caritas, da vida nua que se alimenta, se veste e precisa morar. Aqui estamos e aqui precisamos voltar a estar no meio, refazer comunidades de cuidado amplo, refazer a sociedade de meio, no salto de época de uma sociedade de 1900, de meios escassos com fins certos, para uma sociedade com meios cada vez mais poderosos, mas com fins totalmente incertos, que hoje descobre a incerteza dos meios de nos imunizar contra o coronavírus.
Ouço o rufar dos tambores de futurologistas, já ouvido nos tempos da new economy, que exalta o nosso smart working como destino. Não leva em consideração o destino de tantos trabalhadores autônomos de segunda e terceira geração terciárias, dentro e ao longo da rede, que hoje são atendidas com 600 euros.
Quem negocia e quem representa quem no capitalismo da REDE? Quem determina algoritmos, informações, saberes e técnicas na sociedade automática? Há algum tempo, almejo e defendo um renascimento sindical que se interponha entre a nua vida e a vida nua, negociando no topo com o capitalismo da rede e horizontalmente fazendo sindicato de comunidade. Assim como o capitalismo das REDES, aquelas hard da logística, fundamentais para movimentar mercadorias dentro e fora de empresas 4.0, multidões de trabalhadores do final de rede (last mile) com caminhões e caminhonetes, até os fantasmas em bicicletas que trazem nossas comidas quentinhas.
No meio, continua a estar o capitalismo de produção em metamorfose por inovação, onde a crise ecológica já havia posto o nó de um humanismo industrial (palavra forte!) por uma economia verde como capitalismo que incorpora o conceito do limite.
Eu sempre escrevi que não há economia verde sem uma sociedade verde que a imponha. Não existem capitalismos que mudam sem um pouco de conflitos e sem ao menos inverter conceitualmente o termo capitalismo em capital social e, como Sebregondi e Napoleoni nos ensinaram, sem colocar a sociedade entre a economia e a política.
Para o nosso interesse, é essencial que a comunidade de cuidado amplo recupere um espírito militante de estímulo para a mudança da comunidade atuante em devir, colocando assim a questão essencial de como passar do fim de um mundo para outro mundo possível.
Conseguiremos isso quando, tomando-nos novamente pela mão, entenderemos que não é apenas uma questão de economias de trabalhos, de interesses, mas, como Borgna e Beck me ensinaram, é um reconhecer-se na comunidade de destino existencial.
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A nua vida, capaz de revelar de qual comunidade precisamos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU