08 Julho 2025
Em um clima global de conflitos armados cada vez maiores, as vítimas civis são mulheres, meninos e meninas, bem como militantes de direitos humanos e jornalistas.
A reportagem é de Sergio Ferrari, publicada por Rebelión, 01-07-2025. A tradução é do Cepat.
Em 2024, a cada 12 minutos, um civil morreu em conflitos armados por todo o mundo, o que representou um aumento de 40% de casos em relação ao ano precedente. Os registros do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês) contabilizam mais de 48.000 assassinatos de civis, no marco dos conflitos bélicos. Destes, 21.480 foram mulheres e 16.690 meninas e meninos (80% e 70%, respectivamente, em Gaza).
De acordo com o OCHA, esses números macabros - com dados “conservadores” em comparação a outras fontes - também revelam a “persistência de ataques mortais contra defensores dos direitos humanos”. De fato, mais de 500 homens e mulheres foram assassinados como parte da resposta repressiva ao seu trabalho humanitário, e a América Latina e o Caribe foram a região onde ocorreu o maior número desses assassinatos. Durante o mesmo período, outros 123 ativistas desapareceram pelo mesmo motivo.
Em 2024, a cada 14 horas, houve o assassinato ou desaparecimento de um jornalista, sindicalista ou ativista humanitário. O OCHA contabilizou 82 mortes de comunicadores. Mais de 60% desses homicídios aconteceram em zonas de conflito, a maior proporção em mais de uma década.
Número que, no entanto, está bem abaixo do reconhecido por outras organizações confiáveis. A Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), por exemplo, registrou 122 homicídios entre seus colegas - mais da metade relacionados ao conflito na Palestina - e descreveu 2024 como um dos anos “mais mortais” das últimas décadas.
Nos últimos anos, eclodiram novos conflitos armados que “descarrilaram os esforços mundiais rumo ao desenvolvimento sustentável, que não pode prosperar sem a paz, a segurança e a proteção dos direitos humanos”, conforme destaca o relatório publicado por este organismo da Organização das Nações Unidas. Ainda que entre 2015 e 2022 a tendência tenha sido de queda, foi revertida a partir de 2022 por causa de um aumento significativo de confrontos armados em diversas regiões do mundo. Entre 2015 e 2024, o OCHA registrou mortes de civis ligadas a conflitos bélicos em 16 países: Afeganistão, Etiópia, Filipinas, Iraque, Líbano, Líbia, Mali, Mianmar, Palestina, República Árabe Síria, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Somália, Sudão do Sul, Ucrânia e Iêmen.
As conclusões de um estudo recente do Instituto de Pesquisa para a Paz (PRIO), de Oslo, são ainda mais preocupantes: em 2024, o mundo passou pelo maior número de conflitos armados desde 1946, superando 2023, que já era um ano recorde. Nada menos que 61 conflitos, em 36 países, sendo alguns deles afetados por múltiplos confrontos simultâneos. Realidade que levou Siri Aas Rustad, principal autora deste estudo de análise de tendências de 1946 a 2024, a afirmar que não se trata de um aumento repentino, mas, sim, de uma mudança estrutural. Sua conclusão: “O mundo atual é muito mais violento e fragmentado do que há uma década”.
O estudo do PRIO também registra que a África continua sendo o continente mais afetado, com 28 conflitos nacionais, seguida por Ásia (17), Oriente Médio (10), Europa (3) e América (2). E que mais da metade dos estados afetados já passaram ou estão passando por dois ou mais conflitos cada. Só no ano passado, foram confirmadas cerca de 129.000 mortes ligadas a confrontos armados, majoritariamente entre a Rússia e a Ucrânia, na Faixa de Gaza e na região etíope de Tigré.
Os ataques de Israel e dos Estados Unidos contra o Irã, na segunda quinzena de junho, sob o pretexto de neutralizar uma suposta ameaça nuclear iraniana, apenas escondem a face oculta do “jogo” geopolítico em torno do verdadeiro poderio bélico no mundo. Esse jogo se dá essencialmente em termos de poder nuclear, ou seja, da capacidade máxima de destruição da força inimiga.
De acordo com o recente Relatório Anual de 2025, do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (SIPRI), um inventário de janeiro deste ano estimou em 12.241 o número de ogivas nucleares existentes, todas pertencentes a nove países (excluindo o Irã): França, Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, China, Índia, Paquistão, República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte) e Israel. Notavelmente, 90% desse total pertence à Rússia e aos Estados Unidos, potências envolvidas em extensos programas de modernização de seus respectivos arsenais nucleares, com o propósito de aumentar seu tamanho e diversidade. Segundo o SIPRI, “os arsenais nucleares do mundo estão se expandindo e se modernizando... e está emergindo uma nova e perigosa corrida armamentista nuclear, em um momento em que os regimes de controle de armas estão severamente enfraquecidos”.
Desse total de ogivas nucleares, 3.912 já estão implantadas em mísseis ou em bases com forças operacionais prontas para o uso e 5.702 estão armazenadas em reserva, o que exigiria alguma preparação, por exemplo, a instalação de componentes, transporte e carregamento em lançadores antes de seu lançamento. As 2.627 ogivas restantes foram removidas da reserva militar, mas ainda não foram desmontadas.
Como aponta o SIPRI, caso não se alcance um novo acordo para limitar esses arsenais, é provável que aumente o número de ogivas posicionadas em mísseis estratégicos, após o término, em fevereiro de 2026, do Tratado bilateral de 2010 sobre Medidas para a Redução e Limitação Adicionais de Armas Ofensivas Estratégicas (New START). As tendências armamentistas seguem se consolidando e, atualmente, não há sinais de negociações para renovar os frágeis acordos ou para substituí-los.
Como o SIPRI enfatiza em seu Relatório de 2025, “tudo aponta para uma nova corrida armamentista que envolve riscos e incertezas muito maiores do que a anterior”. Nela influencia “o desenvolvimento acelerado e a aplicação de uma ampla gama de tecnologias - por exemplo, nas áreas de inteligência artificial (IA), capacidades cibernéticas, ativos espaciais, defesa antimísseis e tecnologia quântica - que está redefinindo radicalmente as capacidades nucleares” e que gera novos fatores de instabilidade. Por outro lado, conforme a IA e outras tecnologias aceleram a tomada de decisões em contextos de crise, “aumenta o risco de um conflito nuclear eclodir como resultado de uma má comunicação, um mal-entendido ou um acidente técnico”.
Os conflitos bélicos se multiplicam diariamente, e os que eclodiram apenas nas últimas semanas estão gerando um ambiente apocalíptico que alguns analistas equiparam ao início da Terceira Guerra Mundial. Ainda que esta leitura possa ser extrema, como negar que os fatos são eloquentes e que todos os números atestam uma escalada violenta em muitas regiões do planeta? Um planeta que já dorme, todas as noites, sobre um imenso arsenal nuclear suficiente para destruir boa parte da civilização, até mesmo toda a civilização. Enquanto isso, a cada doze minutos, morre uma pessoa não combatente por causa de estratégias e conflitos bélicos. Civis com sobrenomes próprios, fundamentalmente, com nomes femininos e de meninos e meninas.