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19 Mai 2025

A direita radical, especialmente a dos Estados Unidos, rejeitou o novo pontífice, eleito na esteira do papa Francisco. Qual é o significado da escolha de um cardeal que não pode ser rotulado nem como conservador nem como liberal demais? O escritor irlandês Colm Tóibín aborda essa questão e não se priva de dar alguns “conselhos” — com uma sutil ironia — a Leão XIV.

O artigo é de Colm Tóibín, escritor irlandês, publicado por Nueva Sociedade, maio de 2025.

A versão original deste artigo foi publicada na London Review of Books e está disponível aqui.

A tradução é de Pablo Stefanoni.

Eis o artigo.

Steve Bannon não gosta dele. Antes do conclave, referiu-se ao cardeal Robert Prevost como "um dos nomes ocultos" para se tornar o próximo papa. "Infelizmente, ele é um dos mais progressistas", acrescentou Bannon. É pouco provável que a aristocrata alemã Gloria von Thurn und Taxis, que se opôs ao papa Francisco e quer um retorno ao catolicismo mais tradicional, tenha grande interesse por ele. Brian Burch, o indicado de Donald Trump para embaixador no Vaticano, também não deve estar satisfeito [1]. Segundo o New York Times, esses dois últimos participaram de um baile em Roma antes do conclave, junto com vários políticos europeus de direita. A maioria dos presentes apoiava um cardeal húngaro chamado Péter Erdő. "É exatamente do que precisamos agora", declarou Tim Busch, presidente do conservador Napa Institute, da Califórnia, ao Times. "Precisamos de alguém claro na doutrina e forte na liderança". No momento da votação dos cardeais, não ajudou a Erdő o fato de contar também com o apoio de Viktor Orbán e do cardeal George Pell, (já falecido) da Austrália, condenado por abusos sexuais em 2018 (embora a condenação tenha sido revogada na apelação dois anos depois).

Entre os convidados do baile estava Alexander Tschugguel, um católico convertido austríaco que encantou os conservadores há cinco anos ao roubar algumas estátuas de Pachamama — uma divindade que representa a Mãe Terra — da igreja de Santa Maria do Carmo, em Roma. Francisco as havia aceitado de bom grado durante uma reunião com indígenas amazônicos, e Tschugguel se indignou com o que considerava idolatria, o que o levou a invadir a capela ao amanhecer, levar as estátuas e jogá-las no rio Tibre. Francisco pediu desculpas aos ofendidos, e as estátuas foram recuperadas.

O espírito que imperava neste conclave era, claramente, o da própria Pachamama. Ela deve estar encantada que um cidadão peruano esteja liderando os assuntos em Roma. O que ela vai querer em troca? Talvez se contente em saber que o papa Leão XIV, até agora, tem conseguido se posicionar no centro quando há facções em conflito. Não pode ser rotulado como conservador, nem como liberal demais. Francisco, o papa falecido, deve estar sorrindo no céu. Ele gostava da ideia de não ser nem uma coisa, nem outra. Mas, em um ponto, o novo pontífice é claro: ele não apoia o regime de Trump nem o poderoso grupo de católicos americanos ricos e conservadores que querem fazer valer sua voz. Trump e o vice-presidente J.D. Vance podem até saudá-lo publicamente agora, mas a cordialidade não vai durar.

Na semana anterior à morte de Francisco, havia preocupação no Vaticano com a iminente visita de Vance, que se converteu ao catolicismo em 2019. Em um encontro com Volodímir Zelensky no Salão Oval, em 28 de fevereiro, Vance se mostrou agressivo e beligerante, como um político populista em busca de uma causa. Seria muito interessante para ele, então, se quisesse repetir uma cena parecida, iniciando uma campanha contra a ala liberal da Igreja Católica, para se firmar como líder de um catolicismo mais tradicional — alguém que anseia pela missa em latim e por uma época em que regras eram regras, quando o máximo que os pobres podiam esperar da Igreja era piedade e caridade.

Vance já havia sugerido que a Igreja Católica nos Estados Unidos estava interessada em migrantes por motivos econômicos. No programa Face the Nation, em sua primeira entrevista como vice-presidente, disse: "Acho que a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos deveria olhar um pouco no espelho e reconhecer: quando recebem mais de 100 milhões de dólares para ajudar a reassentar imigrantes ilegais, será que realmente se preocupam com as questões humanitárias? Ou estão mais preocupados com seus próprios balanços financeiros?" O cardeal Timothy Dolan, normalmente favorável a Trump (ele fez a oração tradicional em ambas as posses presidenciais), classificou os comentários de Vance como "simplesmente difamatórios" e "muito desagradáveis".

Trump havia disparado a primeira salva na batalha entre a Casa Branca e o Vaticano ao nomear como embaixador Brian Burch, presidente do grupo de pressão direitista CatholicVote. Em 20 de dezembro, o National Catholic Reporter escreveu: “A escolha de Burch por parte de Trump para representá-lo aqui em Roma certamente causará surpresa no Vaticano, já que ele há muito tempo critica o papado de Francisco”. Quando Francisco decidiu, em 2023, permitir que sacerdotes dessem bênçãos a pessoas unidas em casais do mesmo sexo, Burch o atacou por criar “confusão” dentro da Igreja. Previu que o papa não permaneceria muito tempo no cargo e afirmou que o próximo pontífice deveria “esclarecer” a confusão da era Francisco. Também criticou o governo de Francisco por aquilo que descreveu como um “comportamento vingativo”.

Francisco respondeu no dia 6 de janeiro de 2025, nomeando Robert McElroy arcebispo de Washington, D.C. Em 2015, quando McElroy — que apoiava a posição de Francisco contra a injustiça e a desigualdade social — foi nomeado bispo de San Diego, ele se manifestou contra a falta de moradia e demonstrou apoio à reforma migratória. Enquanto seus colegas bispos americanos pregavam contra o aborto e a eutanásia, ele insistia que também era necessário se opor à “pobreza e à degradação ambiental”. Quando Trump visitou a Califórnia em 2019 para inspecionar o local onde queria construir o muro na fronteira, McElroy declarou: “É um dia triste para o nosso país quando trocamos o simbolismo majestoso e cheio de esperança da Estátua da Liberdade por um muro ineficaz e grotesco, que evidencia e exacerba as divisões étnicas e culturais que há muito tempo são a face oculta de nossa história nacional”.

Em fevereiro, um mês antes de sua posse em Washington, McElroy liderou uma marcha de protesto em San Diego contra as políticas migratórias de Trump, composta principalmente por membros latinos de sua congregação. No entanto, no sermão que proferiu durante a posse, teve o cuidado de não fazer nenhuma referência direta à Casa Branca. Em vez disso, falou em tom elevado sobre questões de fé, especialmente sobre a Ressurreição. Sua missão naquele dia não era confrontar Trump — isso ele já havia feito com a marcha —, mas deixar claro que atuava a partir de uma posição inatacável. Quem pode discutir com a Ressurreição?

Vance visitou Roma sem que o novo embaixador junto ao Vaticano tivesse sido ratificado pelo Senado. Se quisesse, poderia facilmente ter encontrado uma câmera disposta a filmá-lo em algum lugar diante da Basílica de São Pedro e ter exigido que a Igreja não se envolvesse na política americana e se concentrasse em colocar sua própria doutrina em ordem. Não era difícil imaginar Vance, naquela semana em que as contínuas atrocidades de Trump dominavam todos os ciclos de notícias, dizendo ao Papa e a seus cardeais que suas opiniões sobre imigrantes e solicitantes de asilo não teriam qualquer influência em Washington, apesar da nomeação do novo cardeal. Poderia ainda ter acrescentado que muitos católicos estavam cansados de evasivas e ambiguidades. Queriam clareza. Ele estava ali, poderia ter dito, para oferecer sua liderança aos católicos afastados da Igreja pela fraqueza do papa Francisco.

O problema não era apenas que o papa estivesse morrendo e que aquele não fosse o momento apropriado para lançar um ataque contra ele. O Vaticano estava determinado a deixar claro que, embora seu secretário de Estado, o cardeal Pietro Parolin, e seu ministro das Relações Exteriores, o arcebispo Paul Gallagher, se reunissem com o vice-presidente, desejavam se distanciar de seus pontos de vista. O que se seguiu, segundo o comunicado oficial do Vaticano, foi "uma troca de opiniões sobre a situação internacional, especialmente em relação aos países afetados por guerras, tensões políticas e difíceis situações humanitárias, com especial atenção aos migrantes, refugiados e presos". Essa foi a versão divulgada pela maioria dos jornalistas, que ignoraram a declaração do gabinete do vice-presidente, segundo a qual ele e o cardeal conversaram sobre "sua fé religiosa compartilhada, o catolicismo nos Estados Unidos, a difícil situação das comunidades cristãs perseguidas em todo o mundo e o compromisso do presidente Trump com o restabelecimento da paz mundial".

Mas o que fazer com Vance antes que ele fosse embora? Ele e Francisco já haviam tido um confronto direto. Em janeiro, Vance falou sobre o ordo amoris, ou "hierarquia de deveres", afirmando em uma publicação nas redes sociais que seus "deveres morais" com seus filhos eram maiores do que com "um desconhecido que vive a milhares de quilômetros de distância" [2]. Em uma reprimenda direta, Francisco respondeu: "O amor cristão não é uma expansão concêntrica de interesses que aos poucos se estende a outras pessoas e grupos. [...] A verdadeira ordo amoris que deve ser promovido é o que descobrimos ao meditar constantemente na parábola do 'bom samaritano', ou seja, no amor que constrói uma fraternidade aberta a todos, sem exceção". Em Roma, um cardeal pouco conhecido e recém-nomeado retuitou outro ataque à declaração de Vance: "J.D. Vance está errado: Jesus não nos pede que classifiquemos nosso amor pelos outros". Esse cardeal era Robert Prevost.

Como o Papa estava doente, tinha todas as desculpas para não receber Vance. Embora seja tentador dizer que a visão de Vance, tão humilde e bajulador, possa ter acelerado a morte de Francisco, é mais plausível supor que vê-lo por alguns minutos e ouvir suas expressões de gratidão tenha permitido ao Papa morrer um pouco mais contente. As imagens de Vance sendo recebido por um papa doente e sério, com Vance parecendo um chihuahua agressivo que perdeu a vontade de viver, devem ter trazido algum consolo ao pontífice e a seus seguidores. A reunião terminou com um presente de ovos de Páscoa para os três filhos de Vance e com ele dizendo que rezaria pelo papa. As orações de Vance vão longe. Os leitores mais atentos lembrarão que, da última vez que se teve notícia de suas orações, elas foram para pedir "vitória" dos ataques militares dos EUA contra os houthis no Iêmen. Ele fez isso em um grupo de conversa no Signal com outros membros do governo Trump em 15 de março — uma conversa compartilhada por engano com o editor da revista Atlantic.

Mas, mesmo que Vance tenha saído com o rabo entre as pernas no momento em que Francisco subia ao céu, suas palhaçadas deixam claro quão profundamente dividido está o catolicismo nos Estados Unidos. Ao concentrar-se na situação dos migrantes e se opor abertamente ao regime de Trump, a Igreja acolheu, em grande parte, os pobres. O problema é que muitos católicos norte-americanos não são pobres; entre eles estão seis membros da Suprema Corte dos EUA, todos os juízes, exceto Elena Kagan, Neil Gorsuch e Ketanji Brown Jackson. O fato de John Roberts, Amy Coney Barrett, Brett Kavanaugh, Clarence Thomas, Samuel Alito e Sonia Sotomayor serem todos católicos talvez diga algo sobre a diversidade e variedade dentro da Igreja, mas também revela o quão pouco os católicos americanos têm em comum entre si. Esses juízes podem concordar com a Imaculada Conceição, a virgindade de Maria e a Assunção, ou com a transubstanciação e a divindade de Jesus, mas dificilmente estarão de acordo sobre o direito ao aborto, a pena de morte ou o direito de abrir fogo em uma escola.

Em uma entrevista a caminho do funeral de Francisco, Trump se gabou de ter conquistado 56% dos votos católicos nas últimas eleições. E foi verdade: ele obteve 9 pontos a mais do que em 2020. Mais tarde, retuitou uma imagem gerada por IA na qual aparecia vestido como papa, como se usar uma roupa engraçada e um chapéu peculiar fosse uma piada.

Na Sexta-feira Santa de 1985, participei de uma procissão organizada pelo pároco local pelas ruas da pequena cidade de Promissão, no Mato Grosso. Ela era guiada por um homem descalço carregando uma pesada cruz de madeira. Embora esse homem não usasse uma coroa de espinhos, havia a sensação de que seus algozes, onde quer que estivessem, não demorariam a acrescentá-la a seus sofrimentos. Ele tropeçava, parava, tropeçava de novo. Eu não teria me surpreendido se sua mãe aflita aparecesse a qualquer momento em uma das casas pelas quais passávamos. Em várias ocasiões, vi alguém parado com expressão dura à porta de uma casa, que se recolhia para dentro ao passar a procissão, ou alguém espiando furtivamente por uma janela. Ninguém saiu das casas da longa avenida de classe média para buscar uma bênção ao passar a procissão.

O padre explicou que muitas dessas pessoas haviam se afastado da Igreja Católica e se unido a alguma das igrejas evangélicas, que raramente pregam a opção preferencial pelos pobres. Os que participavam da procissão, ele disse, eram diaristas, desempregados ou suas famílias. A procissão conectava o drama da Via Crucis à situação difícil dos pobres no Brasil. Ao acolher os pobres desses povoados e vilarejos, a Igreja afastou a classe média e os ricos. Mais de um quinto dos brasileiros hoje se identificam como evangélicos, enquanto cerca da metade são católicos. As igrejas evangélicas vêm crescendo em número — de menos de mil em 1970 para mais de 100 mil atualmente. É provável que, em poucos anos, o número de cristãos evangélicos no Brasil iguale ao de católicos.

Naquela Sexta-feira Santa de 1985, percebi uma hostilidade palpável por parte dos que não se uniram à procissão. O desdém beirava o esnobismo. Uma década antes, em 1973, na Argentina, quando Jorge Mario Bergoglio se tornou, aos 36 anos, o provincial mais jovem da história dos jesuítas, ele resistiu a qualquer tentação de transformar a Companhia de Jesus na Argentina e no Uruguai em uma missão voltada para os pobres. “Tentava fazer com que fôssemos mais como uma ordem religiosa tradicional”, recordava um de seus alunos, “usando sobrepeliz e cantando o ofício”. Os ensinamentos eram “todos de Tomás de Aquino e dos antigos Padres da Igreja”. Como provincial, Bergoglio encorajava os padres jesuítas que visitavam áreas pobres a falarem sobre religião, e não sobre condições sociais, e a não se envolverem com sindicatos ou cooperativas. Em 1977, quando um jesuíta inglês, Michael Campbell-Johnston, foi enviado à Argentina para avaliar a ordem no país, escreveu, consternado: “Nosso instituto em Buenos Aires pôde funcionar livremente porque nunca criticou nem se opôs ao governo [militar]”. Segundo Austen Ivereigh, biógrafo de Bergoglio, o enviado “repreendeu Bergoglio por estar ‘desalinhado com relação aos nossos outros institutos sociais do continente’”.

Bergoglio foi substituído como provincial em 1979, passando a ser reitor do seminário jesuíta. Tinha fama de ser sério e inflexível. Em 1998, quando foi nomeado arcebispo de Buenos Aires, suavizou seu temperamento — pelo menos ocasionalmente —, mas tornou-se ainda mais intransigente.

Ele não morava em um palácio, usava ônibus ou metrô e demonstrava humildade lavando os pés das pessoas. Também passou a pregar ao governo argentino sobre como o país deveria ser administrado. Após a eleição de Néstor Kirchner em 2003 e durante todo o governo de sua esposa, Cristina Fernández, Bergoglio criticou suas políticas publicamente, até que ambos deixaram de comparecer às suas homilias. É difícil pensar em qualquer governo democrático recente que tenha sofrido um ataque tão implacável por parte de um príncipe da Igreja Católica. Ao mesmo tempo, Bergoglio evitava as Mães e Avós da Praça de Maio, que continuavam protestando pelo desaparecimento de seus filhos e netos durante a ditadura. Elas, por sua vez, não confiavam nele. Ele não apoiou os julgamentos dos generais após a redemocratização.

Por que foi eleito papa? Sua indiferença em relação aos desaparecimentos teria garantido o apoio dos cardeais conservadores? Ou talvez seus ataques ao governo kirchnerista por questões de moralidade pública e estratégia econômica tenham pesado na decisão? Teria sido por sua humildade pública, sua disposição em beijar pés, viver modestamente e esperar o ônibus como um cidadão comum? É possível que os cardeais que votaram em 2013 — nomeados por João Paulo II e Bento XVI — tenham imaginado estar escolhendo um administrador moderado ao optar por Bergoglio (que ficou em segundo lugar na eleição de 2005), e que, no entanto, desde a distante Argentina, surgiu um papa carismático e de grande impacto político? Que estranho que um cardeal tão rígido e solene tenha se transformado num papa tão descontraído e alegre. Uma explicação possível é sua formação jesuíta. Embora tenha se distanciado da ordem após 1990, o que aprendeu com eles, escreve Paul Vallely em Pope Francis: Untying the Knots (Papa Francisco. Desatando os nós, 2013), “não foi uma modéstia natural, timidez ou humildade”. Tratava-se mais de um ato de vontade, no espírito da autodisciplina jesuíta: “Sua vontade precisava dominar uma personalidade que continha traços de orgulho e uma tendência ao comportamento dogmático e autoritário”.

Ele também parecia ser mais relaxado com algumas questões doutrinárias. Não parecia incomodá-lo que católicos divorciados e recasados recebessem a comunhão. E ficou famosa sua pergunta sobre a homossexualidade: “Quem sou eu para julgar?”. Embora não apoiasse a ordenação de mulheres, no início deste ano nomeou uma mulher para um cargo importante no Vaticano. A irmã Raffaella Petrini foi escolhida como presidente da Comissão Pontifícia para o Estado da Cidade do Vaticano — na prática, a governadora do microestado — sendo a primeira mulher a ocupar essa função. Os seis membros ordinários da comissão são cardeais de alto escalão. As reuniões devem ser um espetáculo.

A postura de Bergoglio em muitos assuntos políticos — desde as mudanças climáticas até a guerra na Ucrânia — era semelhante à da União Europeia. Na verdade, houve momentos durante seu pontificado em que o Vaticano parecia uma União Europeia que reza, embora mais eloquente e desinibida [3]. Em relação às mulheres e pessoas homossexuais, o Vaticano não sabe muito bem o que fazer, exceto reconhecer de tempos em tempos que as mulheres fazem parte do desígnio divino e que nós, pobres gays, somos especiais e merecemos amor... exceto quando nos dizem — segundo o epíteto de Bento XVI — que somos “intrinsecamente desordenados”.

Se o poder de Francisco dependesse apenas de seu carisma e ambiguidade, por que não houve caos durante seu pontificado? A resposta é que ele controlava o Vaticano com a firmeza implacável de um jesuíta. Nada lhe escapava. Sua decisão de se mudar, após a eleição, para os aposentos simples da Casa Santa Marta, em vez dos luxuosos aposentos papais, criou uma aura de santidade e humildade ao seu redor. Mas também significava que, no ambiente mais informal da Santa Marta, ninguém sabia ao certo quem estava visitando Francisco ou quais informações ele recebia. As pessoas podiam entrar e sair à vontade. Logo ficou claro que Francisco estava a par de tudo, como acontecia na Argentina. Ele não tolerava dissidências. Garantia que qualquer grupo que quisesse voltar à missa em latim ou a outras formas de culto anteriores ao Concílio Vaticano II fosse mantido sob vigilância. Como passou toda a vida na Argentina, Francisco não tinha um grupo próximo de aliados entre os cardeais ou na Cúria. Fez dessa distância uma força. Não devia nada a ninguém.

A Igreja precisa mudar; a Igreja não pode se permitir mudar. O novo papa deve administrar essa tensão entre mudança e imobilidade sem parecer ingênuo ou fraco. Pode ajudar o fato de Leão XIV ser jovem — se é que 69 anos pode ser considerado jovem — e jogar tênis. Se, depois de uma partida difícil em uma ensolarada manhã romana de maio, ele me pedisse conselhos — eu também tenho 69 anos —, eu lhe diria em voz baixa como lidar com três questões urgentes.

A primeira é a missa em latim. É bonita, soa bem — especialmente o Sursum corda [Corações ao alto] —, mas é um código. Aqueles que desejam seu retorno geralmente querem muitas outras coisas; são ferozmente conservadores e precisam ser contidos. A regra é: não pregar contra a missa em latim nem fazer declarações memoráveis sobre o assunto. Basta manter vigilância cuidadosa sobre quem a defende e denunciá-los. Se forem padres, podem ser transferidos para paróquias remotas e castigadas pelo vento. Há muitas formas de fazê-los entender que estão sendo observados.

Foi isso que Francisco fez. Siga o exemplo dele também na questão dos divorciados que comungam, mas, ao contrário dele, não diga nada a respeito. É um tema delicado apenas para aqueles que querem impedir qualquer tipo de mudança. Deixe que os cardeais alemães debatam sobre isso. Se um divorciado quiser comungar, certamente saberá qual igreja procurar para entrar na fila. Quanto aos católicos homossexuais, também é melhor manter o silêncio. Não diga nada. Por favor, lembre-se: o menor comentário que sugira que os homossexuais não são tão bons quanto você e seus colegas cardeais fará rir os gays em muitos lugares, mas será ouvido com muito menos leveza em regiões onde os homossexuais temem por suas vidas. É essencial não nomear bispos e cardeais na África que preguem contra os gays.

Acima de tudo, ouça a Pachamama. Ela ainda está em Roma, depois de se banhar nas águas do Tibre. Sempre está disposta a ser consultada. Ela te aconselhará a sorrir, a nos falar de esperança, a falar italiano e espanhol, e a insistir que Deus nos ama. Isso já deve bastar, por ora.

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