16 Junho 2021
O que vem primeiro: a Igreja ou o país? No fim das contas, é disso que estamos realmente falando. É disso que estamos sempre falando, quer saibamos disso ou não.
O comentário é de Matt Malone, SJ, jesuíta estadunidense e presidente e editor-chefe da America Media. O artigo foi publicado por America, 14-06-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uma minoria significativa da Igreja Católica nos Estados Unidos está mais uma vez engajada em um vigoroso debate sobre se os políticos católicos devem ser admitidos à sagrada Comunhão, quando mantêm posições de política pública em desacordo com os valores católicos fundamentais. O aborto é a questão que predomina.
Alguns acreditam que um político católico que vota a favor de políticas pro-choice deve ser impedido de comungar. Vários comentaristas católicos proeminentes opinaram, incluindo o arcebispo Samuel Aquila e o bispo Robert McElroy, que assumiram posições diferentes. E a Conferência dos Bispos dos EUA deve avaliar este mês um documento sobre essa e outras questões relacionadas à “coerência eucarística”.
Se você está experimentando um déjà vu, você não está sozinho. A pergunta que mais me fazem durante as minhas visitas a Roma é por que os católicos estadunidenses parecem singularmente obcecados por essa questão – não com o aborto em si, que é uma questão grave de vida ou morte que deveria preocupar a todos, mas sim com a questão de quem deve ou não ser admitido na sagrada Comunhão com base em sua política.
Aos meus questionadores romanos, os EUA parecem ser um dos poucos lugares onde esse debate ocorre com tanta regularidade, sem falar com tanta paixão. Grande parte do restante da Igreja Católica, apontam eles, já tem a sua opinião formada.
É bem sabido, por exemplo, que São João Paulo II, ao celebrar a Eucaristia com a família do primeiro-ministro britânico Tony Blair em 2003, distribuiu a Comunhão a Blair, que na época não era apenas pro-choice, mas também anglicano.
E não tenho conhecimento de nenhuma evidência que indique que o Papa Francisco alguma vez negou publicamente a Comunhão a um católico que se apresentou para comungar. Isso é bastante revelador, especialmente quando se considera que Francisco passou grande parte do início do seu sacerdócio ministrando em um país predominantemente católico, que era então governado por uma ditadura assassina.
Presumivelmente, se houve um momento para Francisco negar publicamente a Comunhão a um político, teria sido esse, mas não há registro de que ele o tenha feito.
Isso me traz de volta ao agora. Em meio a esse grande debate sobre se os políticos devem ser excluídos da Comunhão, alguém se preocupou em perguntar se isso realmente acontece? Quer dizer, todos nós já ouvimos uma ou duas histórias estranhas – algumas bem documentadas – sobre um político pro-choice que foi afastado do altar, mas, se fizéssemos uma pesquisa com cada membro católico pro-choice do Congresso, quantos deles relatariam que isso de fato ocorreu com eles? Eu me arriscaria a dizer que muito poucos.
E, se fizéssemos uma pesquisa com os padres, diáconos e ministros da Eucaristia e perguntássemos se eles negariam a Comunhão a um político pro-choice que se apresentasse para comungar, quantos nos diriam que fariam isso? Meu palpite é de que muitos poucos.
E, para não exagerar, que porcentagem desses ministros da Comunhão responderia da mesma forma, independentemente de haver uma política diocesana sobre tais assuntos?
Eu suspeito que os dados dessa pesquisa imaginária demonstrariam que, pelo menos em um nível prático, os católicos estadunidenses já resolveram essa questão. No entanto, esse debate candente continuará esquentando, principalmente porque (e esta é a resposta que eu dou aos meus amigos em Roma) a questão toca naquilo que significa ser católico e estadunidense.
Trata-se da questão que incomoda a nós, católicos, desde o momento em que pisamos pela primeira vez nas praias deste país culturalmente protestante. O que vem primeiro: a Igreja ou o país? No fim das contas, é disso que estamos realmente falando. É disso que estamos sempre falando, quer saibamos disso ou não.
Pense nisto: os senadores dos EUA questionam se um episcopaliano deve atuar na Suprema Corte dos EUA, já que a Igreja Episcopal dos EUA se opõe fortemente à pena de morte? Alguém já perguntou à juíza Elena Kagan durante as suas audiências de confirmação se ela poderia ser imparcial na questão de Roe v. Wade, considerando que o Conselho Rabínico do Judaísmo Conservador é pro-choice? É claro que não.
No entanto, questões como essas são feitas rotineiramente aos católicos romanos. Mas o problema é o seguinte: são questões feitas sobre nós porque nós as fazemos a nós mesmos.
O catolicismo de Amy Coney Barrett foi assunto de debate público principalmente porque os católicos o debatiam publicamente. Por quê? Tais debates realmente não ocorrem em nenhum outro lugar do mundo católico.
Minha questão é simplesmente esta: quando se trata da Comunhão e de políticos pro-choice, talvez o bispo McElroy esteja certo. Ou talvez o arcebispo Aquila esteja certo. Ou talvez ambos estejam de alguma forma certos e errados. Ou talvez, e apenas talvez, eles estejam fazendo a pergunta errada. E talvez seja por isso que parecemos incapazes de responder.
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Por que os católicos estadunidenses estão obcecados pela “política da Comunhão”? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU