17 Agosto 2024
Recentemente, o teólogo moral italiano Maurizio Chiodi foi nomeado pelo Papa Francisco como membro do grupo de especialistas em questões problemáticas. Alguns o tinham criticado anteriormente por sua posição em relação a questões controversas, como a homossexualidade. Agora fala sobre isso em uma entrevista ao katholisch.de.
A reportagem é de Mario Trifunovic, publicada por Progetto Gionata, 14-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Sínodo mundial, por si só, não pode resolver imediatamente todas as questões: é por isso que os dez grupos de especialistas criados pelo Papa sobre “temas quentes” continuarão seu trabalho no espírito sinodal mesmo após o Sínodo mundial. Chiodi faz parte de um deles: padre da diocese de Bergamo, foi professor de Bioética na Faculdade Teológica do Norte da Itália de Milão, de 1997 a 2016.
Atualmente, é professor titular de Teologia Moral na mesma Faculdade, no Seminário de Bergamo e no Instituto de Ciências Religiosas em Milão e Bergamo. Em 2017, o Papa Francisco o nomeou membro titular da Pontifícia Academia para a Vida. Desde 2019, ele leciona no Pontifício Instituto Teológico para Estudos sobre o Casamento e a Família “João Paulo II” de Roma, que faz parte da Pontifícia Universidade Lateranense.
Professor Chiodi, o Papa Francisco o nomeou como membro do Grupo de especialistas sobre questões pastorais e éticas controversas. O que espera desse grupo?
Nosso grupo trata do tópico “Critérios teológicos e métodos sinodais para o discernimento comum em questões doutrinárias, pastorais e éticas”. Somos muito diferentes em termos de competências e origens - Itália, América do Sul, África (Congo) -, somos homens e mulheres, mas essa é uma grande oportunidade e um pressuposto muito importante para fazer um bom trabalho. Cada um de nós pode trazer sua própria experiência e perspectiva para compartilhar as nossas reflexões como teólogos. Esse é o objetivo geral de nosso grupo: fazer teologia, pensar sobre a nossa fé e as suas implicações práticas no mundo de hoje, um mundo que mudou muito em comparação com o passado.
Que perguntas específicas responderá seu painel de especialistas?
A missão de nosso grupo de especialistas tem dois focos: o primeiro é a elaboração de critérios para o discernimento, o segundo é o tratamento de algumas questões doutrinárias, éticas e pastorais importantes na Igreja Católica de hoje. Como diz o Instrumentum laboris, isso também diz respeito aos cristãos homossexuais, bem como às questões ligadas ao gênero e à poligamia. Está claro que é impossível “resolver” todas essas questões em um pequeno círculo de teólogos e crentes. Estamos envolvidos em um processo com toda a Igreja mundial, embora as questões sejam muito diferentes: a poligamia é um tema tipicamente africano, enquanto os outros temas são amplamente discutidos também nos países ocidentais.
Existe um objetivo específico?
O principal objetivo do nosso grupo é, portanto, propor critérios, ou seja, um método, um estilo e uma maneira de lidar com questões e tópicos controversos. É claro que existe uma espécie de círculo vicioso entre os critérios e os tópicos específicos. Em última análise, o nexo entre critérios e questões concretas está intimamente ligado à relação entre prática e teoria na Igreja, mas também na vida humana em geral. Acredito que, considerando os problemas atuais, não se possa proceder tirando as chamadas “soluções” de princípios abstratos. Deveríamos sempre partir da experiência, da história concreta das pessoas, sem esquecer, é claro, a questão do bem universal que está contido em toda situação. Somente no final desse processo seremos capazes de reconhecer coisas boas concretas e possíveis.
O que espera dos outros grupos de especialistas do Sínodo?
Estou ciente da grande história da Igreja e sei muito bem que este é um tempo de crise, um tempo em que temos de refletir e decidir diante de novas possibilidades e dificuldades. Mas acredito que toda cultura tem suas oportunidades e desafios que devem ser superados. O Sínodo sobre a Sinodalidade nos diz que não podemos enfrentar os desafios deste tempo sozinhos, especialmente na Igreja, mas que precisamos de um espírito que traduza o Evangelho para o dia de hoje. Os dez grupos continuarão seu trabalho após o término do Sínodo, porque o Papa Francisco e todos nós estamos bem cientes de que esses desafios estão entre as grandes questões de nosso tempo.
O Papa Francisco desarmou o sínodo ao remover os chamados “temas quentes”, como o diaconato feminino?
Não acredito que o Papa Francisco tenha tido a intenção de enfraquecer o sínodo. Mais importante ainda, não devemos pensar que um sínodo, como uma panaceia, possa resolver tudo. Não podemos esperar que um encontro, mesmo que seja muito importante, resolva todos os problemas. Pelo contrário, acredito que a sinodalidade abra um caminho para conectar as diferenças e a unidade na Igreja em um processo que nunca será concluído.
Nos círculos conservadores, você é chamado de “James Martin italiano” por causa de uma entrevista que concedeu ao jornal Avvenire em 2019. Nela, enfatizou, entre outras coisas, que a Igreja deve reconsiderar sua posição sobre a homossexualidade. Pode esclarecer esse ponto?
Não sou ativo no apoio pastoral a grupos LGBT+, mas apenas um teólogo que também lida com essas questões. Em primeiro lugar, gostaria de dizer que é obviamente impossível desenvolver uma abordagem nova, mas necessária, sobre a homossexualidade em poucas linhas. Acredito que hoje seria preciso repensar as tradicionais - e incompreensíveis para o nosso tempo - considerações éticas sobre a homossexualidade. Se no passado se falava que a homossexualidade era “contra naturam”, hoje devemos nos perguntar: o que significa “natureza”? Essa palavra latina tem muitos significados - muito diferentes -, especialmente o significado de universalidade, e devemos reconhecer que a universalidade é necessária para o conhecimento moral. Mas não podemos pensar na universalidade (o bem e a lei) sem a singularidade (a consciência), que, no sentido da antropologia cultural, sempre pertence a uma cultura específica. A moral não pode ser reduzida a uma razão que não esteja profundamente comprometida com a experiência e a vivência de uma consciência individual com sua cultura específica.
O que isso significa?
Acredito que a diferença sexual é constitutiva da existência humana porque é a origem da nossa vida: todos sabemos que, como filhos, descendemos de uma mãe e de um pai. Uma pessoa homossexual não nega isso. Mas não considera essa diferença atraente para si. Essa orientação sexual não depende de sua decisão. Devemos nos perguntar: qual é o bem possível para essa pessoa? A questão da pessoa homossexual é viver sua sexualidade reconhecendo sua vocação para relacionamentos que sejam capazes de proximidade, cuidado, comunhão e fidelidade ao outro, e buscando o bem que é concretamente possível para ela.
Isso também incluiria as bênçãos, mas a declaração de bênção Fiducia supplicans provocou reações diferentes em todo o mundo: na África foi rejeitada, na Alemanha foi chamada de “bênção fraca”. Por quê?
A Fiducia supplicans tem um objetivo claro: por um lado, não quer mudar o juízo tradicional da Igreja sobre a homossexualidade, mas, por outro lado, o documento do Vaticano propõe uma nova abordagem pastoral para o pedido dos casais homossexuais de uma bênção para suas vidas.
No entanto, o documento distingue claramente essa bênção de qualquer tipo de bênção litúrgica e do casamento sacramental. No entanto, essa resposta do Vaticano levanta outra questão: como podemos reformular a nossa abordagem teórica com base nessa nova atitude pastoral? Essa é uma tarefa para toda a Igreja.
Uma nova formulação certamente provocaria polêmicas. Mas como a Igreja pode dialogar mais com pessoas que rejeitam completamente a discussão sobre esses tópicos?
Acho que temos de reconhecer a importância do discernimento. Discernir não significa aceitar que existem verdades diferentes, mas reconhecer que a verdade de Deus se fez carne na história de Cristo. A verdade de Deus precisa de um ouvinte e de um interlocutor. Portanto, devemos aceitar seriamente o que significam a historicidade da fé cristã, sua experiência moral e os testemunhos associados a ela. O primeiro passo no discernimento é permitir que todos falem e ouvir atentamente as perguntas que apresentam. Sem a aceitação do outro - que é a aceitação da alteridade - não pode haver um verdadeiro diálogo. Naturalmente, o processo - ou virtude - do discernimento continua com a reflexão conjunta sobre o “bem” contido em todas as situações e posições concretas: esse é o segundo passo. No final do discernimento está a decisão sobre o bem moral que é possível nessa situação complexa e pouco clara.
Isso nos leva a outro tópico: contracepção artificial. A Igreja é conhecida por apoiar uma moral sexual que muitas pessoas não consideram mais atual. Em 2019, em uma conferência na Pontifícia Universidade Gregoriana, você polemizou com a Amoris laetitia em relação à contracepção artificial, ressaltando que até pode ser necessária em determinadas circunstâncias. A Igreja precisa repensar e reformular completamente sua moral sexual?
Tinha um filósofo católico italiano, Pietro Prini, que no fim do século passado falava de um “cisma oculto” na Igreja Católica, especialmente em relação à moral sexual. Não acho que devemos negar a nossa tradição, mas devemos repensá-la e reformulá-la, a partir da Bíblia, em diálogo com os cristãos para ouvir suas experiências. O objetivo desse difícil processo, com suas inevitáveis tensões, é encontrar o bem de Deus para a nossa humanidade, hoje, neste nosso tempo. A teologia deve se esforçar para propor um novo estilo - ou uma “mudança de modelo” - para pensar ética e teologicamente hoje, tanto no campo da bioética quanto em algumas questões de moral sexual.
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O teólogo Maurizio Chiodi convida a repensar as opiniões tradicionais sobre a homossexualidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU