15 Agosto 2024
"Os atos humanos - como coroamento da inclinação conatural - são bons ou ruins, dependendo se o relacionamento que um homossexual tem com a pessoa amada for único, fiel e gratuito. Quando é vivido nesses termos, desenvolve o que o constitui e o qualifica como ser humano singular (a 'alma')", escreve Jesús Martínez Gordo, padre e professor da Faculdade de Teologia de Vitoria-Gasteiz e do Instituto Diocesano de Teologia e Pastoral de Bilbao, na Espanha. O artigo é publicado por Settimana News, 13-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nos Sínodos de 2014 e 2015, além de aprovar o pleno acolhimento eclesial dos divorciados e recasados no civil, a questão da homossexualidade também foi abordada. Com ela, foi inaugurado o debate sobre a relação entre a perspectiva ou paradigma - teológico, pastoral e moral - baseado até agora na chamada "lei natural" e a perspectiva baseada tanto nos recentes resultados das ciências humanas – a razão na liberdade - quanto na criação de todos os seres humanos "à imagem e semelhança de Deus". Incluindo os homossexuais.
Na origem desse debate sinodal estava a histórica coletiva de imprensa dada pelo Papa Francisco no avião que o levava de volta ao Vaticano do Rio de Janeiro (após a Jornada Mundial da Juventude) em 28-07-2013. Em resposta às perguntas dos jornalistas, depois de se referir aos divorciados recasados no civil, Francisco se expressou a favor de uma mudança de atitude em relação à homossexualidade: "Se uma pessoa é homossexual e busca o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”
O resultado dessa intervenção do papa e do debate, especialmente sinodal, para promover uma abordagem empática à homossexualidade será um reposicionamento, ainda aguardando a aceitação de muitos católicos, da "lei natural" e da moral a ela relacionada.
Essa mudança também influirá na doutrina tradicional sobre a homossexualidade e as atitudes dos católicos em relação a ela. Muitos, de fato, continuam a incluí-la nas doutrinas e atitudes homofóbicas. A partir de agora, nós, católicos, somos convidados a enfrentar a questão, se não quisermos ser responsáveis pela homofobia que paira - e continua a pairar - absolutizando um dado que, recebido pela cultura, está começando a ser percebido como dificilmente compatível tanto com as pesquisas sexuais mais recentes quanto com o coração doutrinário das Escrituras.
Além disso, a recente decisão papal de permitir a bênção de casais homossexuais ou de pessoas em situação irregular (declaração Fiducia supplicans, 2023) mostrou a atenção que deve ser dada à cultura e, ao mesmo tempo, a obrigação de evitar aquela que poderia ser definida de "polarização cultural". Uma forma de fundamentalismo que não incomoda apenas os "secularizados europeus", mas também outros países e sensibilidades não tão propensos - aparentemente - ao canto das sereias da modernidade, mas a uma tradição insustentável à luz dos atuais progressos antropológicos e escriturísticos.
Essa extrapolação ignora a verdade escriturística segundo a qual todos nós fomos criados por Deus, aceitando pressupostos culturais que não são mais aceitáveis porque aqueles que os abraçam acriticamente acabam excluindo e condenando uma minoria - nesse caso, os homossexuais - em nome da maioria heterossexual, aceita e reconvertida em uma suposta "universalidade heterossexual".
Pelo que consideramos até agora, trata-se de uma mudança ou conversão que muitos católicos poderiam perceber como excessivamente rápida, quando não uma absurdidade difícil de aceitar para muitos daqueles que pertenceram a uma geração que nasceu, viveu e assumiu - como inquestionáveis e solidamente fundamentadas - as chamadas "verdades não negociáveis", ancoradas na "lei natural" e, portanto, um reflexo da vontade de Deus. Vamos prosseguir passo a passo.
Como se sabe, a proposta de revisão da doutrina católica sobre a homossexualidade foi rejeitada no Sínodo de 2014, graças ao peso da minoria. Essa minoria, composta naquela ocasião por boa parte dos bispos centro-africanos, alguns estadunidenses (liderados pelo cardeal Burke) e por um grupo de prelados europeus - especialmente do Leste -, não estava disposta a ir além do que era afirmado a esse respeito no Catecismo da Igreja Católica.
Diante dessa situação, a estratégia implementada pelos líderes sinodais foi a de tentar aprovar no Sínodo de outubro de 2015 tudo o que dizia respeito aos divorciados recasados no civil, deixando de lado a possibilidade de tratar a homossexualidade com um mínimo de empatia, levando em conta as dificuldades, aparentemente intransponíveis, apresentadas pelos bispos estadunidenses, mas especialmente pela grande maioria dos centro-africanos.
Lidar com esse problema tentando uma evolução doutrinária, moral e jurídica mais suave não oferecia nenhuma garantia de que o impasse em que tinha caído o Sínodo do ano anterior poderia ser superado. Não havia outra saída a não ser concentrar as forças para alcançar a maioria sinodal necessária, de modo que pelo menos os divorciados recasados no civil pudessem ser totalmente reintegrados à comunhão eclesial.
Tal bloqueio sinodal não impediu, no entanto, o aparecimento de contribuições - como a do dominicano Adriano Oliva - em apoio à fundamentação de uma mudança, não apenas de perspectiva, mas também de doutrina, em relação às pessoas homossexuais (sobre a tese proposta por Adriano Oliva, cf. J.M. Gordo em SettimanaNews, ao qual respondeu criticamente F. Pieri, também em Settimana News).[1]
Segundo Oliva, é necessário rever a equiparação moral que o Catecismo estabelece, de fato, entre comportamento homossexual e sodomia. Como ambos são considerados "intrinsecamente desordenados", o homossexual que deseje se declarar cristão não tem outra escolha a não ser renunciar a toda relação sexual.
Portanto, continua Oliva, trata-se de uma exigência que discrimina em relação às pessoas heterossexuais porque, ao obrigá-las a não praticar "atos homossexuais" e propor a vida celibatária como única alternativa, fecha a possibilidade de escolha. Dessa forma, é urgente repensar a doutrina moral contida no Catecismo para banir qualquer aspecto de injusta discriminação e para poder acolher essas pessoas na Igreja "com sensibilidade e delicadeza".
Nessa tarefa, Oliva denuncia, apoiado por outras investigações, a inadmissibilidade de identificar os "comportamentos homossexuais" com o pecado da "sodomia". Tal associação é inaceitável. Deve ser descartada e, é claro, não há outra forma a não ser rever a suposta imoralidade dos atos homossexuais e da própria homossexualidade à luz de tal desmarcação. Oliva propõe entrar pela porta aberta por Tomás de Aquino.
O Doutor Angélico, afirma Oliva, leva a sério a realidade e a vida concreta das pessoas. É por isso que não aceita a existência da natureza humana em abstrato, mas apenas concretizada em pessoas de carne e osso. Tampouco aceita uma lei natural única e uniforme, sem gradualidade, sem uma diferenciada obrigatoriedade e sem uma margem para as exceções.
Partindo desse modo unitário de ver a realidade e a vida, Tomás se pergunta, estudando o caso da sodomia, se a existência de uma inclinação e de um prazer "não natural" ou "contranatural", ou seja, com pessoas do mesmo sexo, esteja em conformidade com a condição humana. Ele responde que essa inclinação e, portanto, a busca do prazer correspondente, embora indo ainda contra a natureza específica e geral do ser humano, é, no entanto, "conatural" ou "de acordo com a natureza" daquele indivíduo. Assim, dá-se concretude tanto à natureza humana geral quanto à específica. Portanto, a inclinação homossexual não seria uma questão cultural, mas sim antropológica. Infelizmente, depois de chegar a essa conclusão, Tomás não a desenvolve. Limita-se a continua suas considerações sobre o ato sodomítico como pecado contrário ao mandamento de Gênesis 1,28 ("crescei e multiplicai-vos").
Essa contribuição, enfatiza Adriano Oliva, abriu as portas para um desenvolvimento doutrinário oportuno em relação à concepção do amor, da sexualidade e do próprio casamento. Especialmente porque a Igreja reconheceu que, na vida conjugal, existem circunstâncias em que é possível separar o mandato de procriar e a mútua comunicação do amor. Não só. Favorece a articulação da comunicação mútua do amor e da procriação a partir da centralidade da primeira. Oportunamente atualizada, também possibilitou a superação da discriminação contra os homossexuais; torna possível o acolhimento eclesial com sensibilidade e delicadeza e diferenciou a sodomia da homossexualidade. De fato, argumenta Oliva, a revelação cristã reconhece que o ato sexual - baseado na inclinação conatural - é moralmente aceitável se permanecer inserido numa relação única, fiel e gratuita. Portanto, os atos humanos - como coroamento da inclinação conatural - são bons ou ruins, dependendo se o relacionamento que um homossexual tem com a pessoa amada for único, fiel e gratuito. Quando é vivido nesses termos, desenvolve o que o constitui e o qualifica como ser humano singular (a "alma"), ou seja, realiza e desenvolve plenamente a sua existência como pessoa homossexual, sem ter de frustrar - como exige o Catecismo - sua capacidade conatural de amar. Fala-se de um relacionamento homossexual que, vivido dessa forma, deveria ser considerado pelos católicos como moralmente aceitável, de maneira semelhante ao relacionamento heterossexual.
À luz dessa contribuição, era possível distinguir a naturalidade e a conaturalidade da inclinação homossexual (também aplicável à bissexualidade e à transexualidade) da sodomia. Esta última seria um ato moralmente repreensível, pois realiza uma relação na qual não existem de forma alguma amor exclusivo, fidelidade e gratuidade. A falta disso vai "contra a natureza" da pessoa homossexual que se considera cristã. Evidentemente, a relação de um casal homossexual não pode ser identificada com o casamento porque não está aberta, em si, à procriação. Mas é bom considerar, enfatiza Oliva, que São Tomás não aceita que a procriação seja a essência do casamento e do ato sexual.
Caso se aplicasse tal doutrina, seria obrigatório concluir, argumentava o grande teólogo dominicano, que nem mesmo a relação entre José e Maria foi conjugal e que, consequentemente, não se tratou de uma união verdadeira e perfeita, mas sim uma união aparente e falsa.
O magistério pontifício sustenta o mesmo em sua carta encíclica Humanae vitae (1968), quando, abordando a questão da paternidade responsável, admite a possibilidade de uma relação sexual única, fiel e gratuita e excepcionalmente não aberta à procriação. Portanto, conclui o estudioso dominicano, quando a relação homossexual for vivida nesses termos, é difícil não a reconhecer como habitada por elementos de verdade e como caminho de santificação. Por essa razão, não deveria haver nenhum problema para os homossexuais católicos participarem dos sacramentos ou se integrarem plenamente à comunidade eclesial.
Mas isso, embora seja bastante, não é tudo. A contribuição de Adriano Oliva tornou possível perceber outro fato extremamente relevante: que a lei natural não é universal, mas majoritária, uma vez que normalmente é formulada de forma indutiva. Infelizmente, tem-se feito coincidir maioria e universalidade, entendendo as exceções como erros, extrapolações ou desvios inaceitáveis.
Nos nossos dias, entendemos e aceitamos que a maioria heterossexual não pode se impor, muito menos pode fazê-lo em nome da vontade de Deus, à minoria homossexual, por mais minoritária que seja. Isso significa que a lei moral, até então tida como sacrossanta porque nela se manifesta a vontade de Deus, não o é porque não é universal, mas majoritária e não trata devidamente da minoria homossexual. A partir da contribuição de Oliva, começou-se a ver o quanto o preconceito homofóbico, se não a indiscutível homofobia, dos defensores ferrenhos da chamada lei natural, e da moralidade sexual dela derivada, esteja presente em amplas camadas da sociedade civil e da Igreja.
Resta agora encontrar outro fundamento - teológico e doutrinário - para condenar a homossexualidade ou, na sua impossibilidade, mudar a conotação doutrinária, legal e moral a esse respeito.
E com isso a percepção que a doutrina, a moral e as atitudes eclesiais em relação à homossexualidade, aceitas até agora como "verdades não negociáveis", são mais o fruto de uma limitada extrapolação cultural do que uma verdade racional atenta às descobertas sexológicas e aos aportes doutrinários com fundamento nas escrituras.
Os católicos e bispos alemães são, sem dúvida, aqueles que, nos últimos anos, trilharam esse caminho com maior lucidez e coragem.
[1] A. Oliva, L'amicizia più grande. Un contributo teologico alle domande sui divorziati risposati e sulle coppie homosexuali, Nerbini, Firenze 2015; J. Martinez Gordo, Estuve divorciado y me acogisteis. Para comprender "Amoris laetitia", PPC, Madri 2016.