09 Agosto 2023
Supor uma forte separação entre matéria e espírito, entre corpo e alma, implica que o que ocorre em um dos dois polos não tem impacto sobre o outro e vice-versa. Enquanto o corpo e a sexualidade forem concebidos como separados e não integralmente constitutivos da pessoa, também se permitirá um uso instrumental da corporeidade (própria e alheia).
A opinião é da teóloga italiana Selene Zorzi, professora do Instituto Teológico Marchigiano e ex-professora do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, da Pontifícia Universidade Lateranense e do Instituto Superior de Ciências Religiosas de Ancona, do qual foi vice-diretora. É membro da Coordenação das Teólogas Italianas (CTI).
O artigo foi publicado por Rocca, n. 14, 31-07-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O recente caso de recusa da aprovação para a nomeação de Martin Lintner como reitor da Faculdade Teológica de Bressanone despertou perplexidade no âmbito eclesial e acadêmico. Não se compreendem muito bem as motivações, mas parecem estar ligadas às posições sobre a moral sexual que o teólogo tem levantado.
Ao longo dos séculos, a Igreja Católica levou adiante uma visão da sexualidade elaborada a partir de uma perspectiva exclusivamente masculina. Nesse contexto, seria útil reelaborar alguns aspectos também com a contribuição da reflexão teológica das mulheres.
Comecemos pela base: uma moral sexual se baseia em uma ideia de ser humano. Em uma antropologia como a católica, que distinguia (e às vezes separava) corpo e alma, a sexualidade certamente pertencia ao corpo. Mais do que como uma parte estruturante da pessoa (também espiritual), ela era considerada algo que tinha a ver mais propriamente com a parte bestial do humano do que com sua alma.
Foram muitos os teólogos dos primeiros séculos que consideraram a corporeidade ou até mesmo a sexualidade como criadas em segunda instância, após a constituição humana original, considerando-as, portanto, secundárias à realização da pessoa e/ou até a serem eliminadas para recuperar a configuração inicial.
Nessa visão, Adão se tornava um símbolo da mente superior e criada antes, enquanto Eva se tornava um símbolo do corpo e da sensualidade e, portanto, criada depois e como uma ajuda para Adão. A serpente intervinha por meio da sensualidade, isto é, Eva, para deslocar o equilíbrio celestial de Adão para a corporeidade, a sensualidade e, portanto, para o pecado.
Se muitas vezes essa visão assumiu traços angustiantes e problemáticos, foi também devido a uma certa recepção de tal pensamento em Agostinho. Tendo ficado famoso por uma famosa frase presente nas “Confissões” (“Deus, dê-me a castidade, mas não agora”), que mostra o desejo sexual como causa de uma divisão na alma, Agostinho entregou à teologia uma visão sombria do ato sexual, diretamente responsável, na opinião dele, pela transmissão do pecado original.
Em sua polêmica com Juliano de Eclano, em particular, Agostinho pretende explicar como a concupiscência se manifesta em alguns atos corpóreos. São atos subtraídos do controle da razão e, portanto, considerados por ele como pecaminosos (não estou dizendo aqui como essa visão, na realidade, é devedora de uma antropologia estoica).
Aqui ele chega a dar dois exemplos, um dos quais se tornaria deletéria: a independência do pênis e a do batimento cardíaco são casos nos quais se mostra que o corpo desobedece à mente. Segundo ele, essa desobediência seria uma das manifestações da concupiscência, resíduo do pecado original. O exemplo da independência do pênis tornou-se uma argumentação para afirmar que, no ato sexual, o ser humano é submetido ao pecado e por meio dele o transmite às gerações posteriores. A partir daí, a concepção da sexualidade tomou caminhos que a ligaram cada vez mais ao pecado do que à santidade.
Todas essas convicções, nas quais se baseia esse tipo de concepção, passam por uma crítica necessária. Acima de tudo, a visão antropológica que separa alma e corpo tornou-se hoje mais problemática do que nunca: deve-se conceber a alma e, portanto, a pessoa como uma união insolúvel entre ambas. Além disso, cada vez mais nitidamente desde o início do século XX, os estudos científicos vêm esclarecendo que a sexualidade não pertence primariamente ao corpo, mas sim à psique, e isso desde os primeiros momentos da constituição do composto humano, mesmo quando a criança ainda não desenvolveu a fase genital. Não só o recém-nascido, mas também o feto apresenta impulsos sexuais, pois por “sexualidade” não se entende mais a atividade meramente genital, mas sim o impulso ao prazer em ter e tecer relações (também consigo mesmo). Por fim, fica clara a ideologia patriarcal, maculada de sexismo, que tem permitido uma leitura discriminatória da Bíblia para as mulheres.
A antropologia antiga permitiu que se concebesse o exercício da sexualidade única e exclusivamente em vista da procriação, com a justificação bíblica do texto de Gn 1,28 (“sejais fecundos e multiplicai-vos”), mas se consolidou não por último devido ao fato de terem sido principalmente os homens do sexo masculino a formularem tal interpretação bíblica e tal concepção do sexo. É apenas em seu corpo, de fato, que prazer e fecundidade estão inextricavelmente unidos. A produção do sêmen no macho humano, de fato, ocorre colateralmente ao alcance do ápice do prazer.
Essa localização da genitalidade também levou a uma leitura redutiva da sexualidade.
Mais uma vez, tal concepção não teria sido possível a partir de uma leitura da anatomia da mulher, que apresenta em seu corpo um órgão específica e unicamente dedicado ao prazer sexual. Ele não está ligado às fases de sua fertilidade. A presença de tal órgão é algo tão inédito para a mentalidade patriarcal que, em muitas culturas, é cortado! A infibulação é uma prática brutal e machista presente ainda em pelo menos 30 países.
As mentes mais brilhantes da cultura ocidental caíram em certas pressuposições acríticas. Até mesmo Aristóteles é determinado pelo modelo masculino, segundo o qual só há fecundidade se houver prazer. De acordo com tal critério, o fato de a mulher às vezes conceber sem atingir a satisfação e às vezes sentir satisfação sem ser fecunda leva o filósofo a concluir que ela não aporta uma semente própria na geração.
Foi somente em 1827 que a ciência descobriria a existência do óvulo feminino, antes apenas levantado como hipótese por uma minoria de filósofos. Principalmente até então, o papel da mulher na geração havia sido considerado exclusivamente passivo. Daí a justificação de sua inferioridade e não autonomia também no campo social e cultural; daí também uma complicada elaboração da concepção virginal de Maria.
A fecundidade feminina segue um ritmo totalmente próprio, muitas vezes bastante independente de sua atividade sexual. Milhões de óvulos, de fato, são produzidos e eliminados, sem nenhuma ligação com o orgasmo e sem que nenhuma ética jamais tenha rasgado suas vestes por isso, relegando tudo isso ao âmbito do natural ou – mas com um salto acrobático – a uma vontade do próprio Deus.
Por sua vez, houve um grande processo de sacralização da semente masculina, e sua perda foi submetida à culpabilização, compreensível talvez em uma cultura nômade e em um povo exposto ao risco de extinção como o judeu, que, portanto, devia facilitar e potencializar ao máximo a fecundidade, sob pena de sua extinção como povo.
O relato de Onã deu nome a uma prática que continua sendo ainda hoje, em uma humanidade que tem um número de indivíduos nunca antes tido na história, o pecado sexual fundamental: o onanismo. Embora os corpos sejam diferentes e cada corpo tenha suas zonas erógenas específicas, o corpo da mulher, ao contrário do homem masculino, tem uma distribuição vasta e periférica de seus órgãos sexuais, que estão localizados externamente, mas também presentes internamente.
Tudo isso deveria por si só constituir uma contestação a toda concepção da sexualidade que restrinja o sexo à genitalidade e esta, substancialmente, à atividade externa à pessoa, como a do falo masculino.
Além disso, a identificação entre a capacidade de procriar do homem e a demonstração de seu poder (é significativo que o nome que a disfunção erétil masculina assumiu é “impotência”) deu origem a todos os abusos espirituais e de poder que ocorrem contra as mulheres, daqueles que apresentam uma masculinidade não normativa e que são percebidos como desviantes em relação à masculinidade normativa, ou das crianças. A pedofilia, de fato, antes do abuso sexual, é uma disfunção da pessoa no campo de sua gestão do poder.
Gostaria de acrescentar que, obviamente, o fato de que a moral deve partir de uma interpretação da fisiologia da anatomia humana é uma posição que não se compreende por si só, mas que precisaria ser motivada e criticada. Porém, é evidente que a visão até aqui delineada aparece ligada a uma antropologia superada e que mantém aspectos “predatórios”, mais do que relacionais, da sexualidade.
Sou da opinião que se as mulheres tivessem contribuído mais para formular a ética sexual, não teríamos uma mentalidade tão sexofóbica e hoje estaríamos fora daquela dicotomia que faz do sexo uma obsessão para a Igreja Católica: por um lado, de fato, nós a consideramos apenas uma fonte de pecado, excluindo o máximo possível o seu exercício lúdico e libertador, teoricamente – mas apenas teoricamente – negando sua expressão aos padres católicos latinos ou aos homossexuais, quase como se isso pudesse constituir por si só um método infalível para alcançar a santidade; por outro lado, impedindo todo reconhecimento a quem quer que seja que queira abrir uma reflexão teológica mais articulada e menos arcaica sobre essas questões (veja-se o caso Lintner).
Em ambos os casos, esquece-se que a concepção da santidade cristã deveria estar ligada à capacidade de amor da pessoa e não à quantidade das suas ejaculações.
Uma visão tão arcaica da sexualidade – que distingue alma e corpo a ponto de separá-los, reduz a sexualidade à genitalidade, separando-a do restante da pessoa e liga o prazer sexual à fecundidade – torna-se responsável pelos abusos mais devastadores contra as mulheres, tanto no âmbito sexual quanto de poder (veja-se o caso Rupnik); admite o exercício da prostituição como se se tratasse apenas de um ato externo do cliente. Estes poderiam continuar percebendo a imagem de si mesmos como ainda compatível com a de uma pessoa respeitável e moralmente honesta.
A ideia de que aquilo que se faz com o sexo, talvez sob pagamento e com pessoas consideradas mera mercadoria para satisfazer as próprias necessidades legítimas, não diz respeito à pessoa inteira é uma concepção que teve sua expressão mais clara nas heresias gnósticas. Nesses grupos, que dividiam totalmente o espírito da matéria, era possível detectar dois tipos de atitudes em relação à sexualidade: ou fortemente ascético – porque a alma devia abandonar o corpo – ou totalmente libertino – por estarem convencidos de que aquilo que se fazia com o corpo não “afetaria” a alma.
Supor uma forte separação entre matéria e espírito, entre corpo e alma, implica que o que ocorre em um dos dois polos não tem impacto sobre o outro e vice-versa. Enquanto o corpo e a sexualidade forem concebidos como separados e não integralmente constitutivos da pessoa, também se permitirá um uso instrumental da corporeidade (própria e alheia).
Parece que, em alguns casos, até mesmo certas teorias da moral católica não estão isentas de um certo gnosticismo.
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O problema da Igreja com o sexo. Artigo de Selene Zorzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU