16 Março 2023
Depois de mais de três anos de consultas, o “Synodaler Weg” da Alemanha, o projeto de reforma intitulado Caminho Sinodal, terminou com um estrondo: a Igreja na Alemanha está pedindo – e implementando – reformas progressivas de longo alcance. Em 10 de março, uma assembleia de Frankfurt aprovou as bênçãos para casais do mesmo sexo e também o pedido a Roma para ordenar mulheres diáconas.
A reportagem é de Renardo Schlegelmilch, publicada por National Catholic Reporter, 15-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas será que essas reformas se tornarão realidade, especialmente se o Vaticano se opuser a elas? Sim e não.
Tem sido um longo e árduo caminho para os alemães. Quando anunciaram seu projeto nacional de reforma católica em 2019, ninguém esperava as ondas de choque que causariam. Não apenas o mundo católico conservador está em pé de guerra contra as ideias alemãs, mas até mesmo o Vaticano lhes disse explicitamente para não continuarem no caminho que empreenderam.
As bênçãos para casais do mesmo sexo, o direito das mulheres a fazerem homilias, a ordenação de mulheres e a aceitação da teoria de gênero encontraram uma grande maioria na assembleia sinodal, que consistia em mais de 200 delegados, metade bispos, metade leigos e leigas. Mais de dois terços dos bispos aprovaram as ideias de reforma.
Isso não significa que todas essas mudanças se tornarão realidade imediatamente – na verdade, algumas podem nunca ocorrer. De certa forma, a luta alemã por uma Igreja progressista apenas começou.
Um homem pode ser o responsável pela vitória acerca das bênçãos de casais do mesmo sexo, e ele nem é alemão. Johan Bonny é bispo de Antuérpia, na região belga de Flandres. Ele foi um dos observadores oficiais das assembleias sinodais em Frankfurt.
Na reunião final, realizada de 9 a 11 de março, ele subiu ao púlpito e contou ao público uma história muito interessante. Tudo aquilo pelo qual os alemães estavam lutando, disse ele, era algo que ele e seus irmãos nos Flandres já haviam começado a pôr em movimento – com muito pouca polêmica ou manchetes. Os Flandres permitem as bênçãos para casais do mesmo sexo desde 2022, e nem mesmo o papa ou o Vaticano interveio, embora tenham sido informados, disse Bonny.
A história de Bonny certamente mudou algumas mentes na assembleia sinodal e ajudou a angariar as maiorias necessárias. Ele disse que os bispos flamengos foram ao Vaticano no ano passado para sua visita ad limina agendada e apresentaram sua ideia ao papa.
“Esse é o desejo unânime de vocês?”, Francisco teria perguntado, segundo Bonny. A resposta foi positiva. O papa nem tolerou nem vetou a ideia deles, disse Bonny, e, então, eles começaram a implementar as bênçãos para casais do mesmo sexo nos Flandres quase imediatamente.
Poucos dias antes do encontro dos bispos flamengos com o papa, a Conferência dos Bispos da Alemanha também realizou suas visitas ad limina à Cúria Romana. Embora as bênçãos para pessoas do mesmo sexo não tenham sido relatadas como uma pauta das reuniões, o clima deve ter sido muito frio.
De acordo com as notas divulgadas posteriormente pelo Vaticano, vários cardeais pediram essencialmente a suspensão do Caminho Sinodal. Os bispos alemães se recusaram a fazer isso. Vários deles falaram mais tarde que haviam sido tratados como “criancinhas na escola”, o que eles não estavam dispostos a aceitar.
Bonny, o bispo belga, mencionou esse tratamento durante a assembleia em Frankfurt. “Talvez as autoridades vaticanas estivessem um pouco cansadas com os alemães”, brincou ele, insinuando que essa pode ser uma razão para a menor resistência às ideias de reforma flamengas.
É claro, as Conferências Episcopais da Alemanha e dos Flandres são muito diferentes. A conferência alemã tem quase 70 membros; a dos Flandres tem oito. Os alemães também são conhecidos por adotar uma abordagem mais direta e muitas vezes mais conflituosa do que outros países.
O Caminho Sinodal alemão vem discutindo publicamente a ideia das bênçãos para casais do mesmo sexo há mais de três anos. Nesse tempo, foi elaborado um profundo memorando teológico para acompanhar sua proposta. Os bispos flamengos aparentemente não deram muita importância a isso. Eles chegaram a um acordo comum, foram a Roma e iniciaram conversas informais com a Cúria. E só então apresentaram a ideia a Francisco e a levaram a público.
A abordagem da Alemanha tem sido muito mais conflituosa desde o início. Em meados de 2021, quando o Vaticano publicou um documento proibindo as bênçãos para casais do mesmo sexo, um grupo de mais de 100 padres alemães proeminentes seguiu em frente mesmo assim, de modo muito público. O mau humor do Vaticano em relação às propostas da Alemanha não deveria surpreender ninguém.
Então, agora, a Alemanha permite oficialmente as bênçãos para casais do mesmo sexo. Elas começarão amanhã? Não. Como sempre, com os alemães, é um pouco mais complicado. Eles trabalharão em diretrizes litúrgicas e pastorais sobre como lidar com essas bênçãos. Uma comissão deve levar três anos para fazer isso.
Mesmo assim, essas bênçãos não serão implementadas em todos os lugares. Ficou claro desde o início que as votações do Caminho Sinodal não seriam obrigatórias para nenhum bispo local. A Alemanha tem 27 dioceses; quatro bispos diocesanos votaram não, e três se abstiveram da votação. Em várias dioceses, portanto, ninguém pode obrigar o bispo a implementar as bênçãos para casais do mesmo sexo.
Questionado sobre o que espera que ocorra nessas dioceses, o presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha, Dom Georg Bätzing, de Limburg, disse que não há uma única diocese na qual os fiéis não pedirão essas bênçãos.
O Vaticano poderia intervir novamente. Os alemães agora foram explicitamente contra a vontade da carta de Roma de 2021, com uma votação formal apoiada por uma grande maioria dos bispos. O que acontecerá se o Vaticano intervir novamente? “Eu confio no Espírito Santo”, disse Bätzing.
Veremos como e quando essas bênçãos serão implementadas na Alemanha. A situação não está tão clara quanto algumas manchetes sugerem. Uma coisa, porém, está clara: essa decisão terá consequências muito além da Alemanha. Quando uma pequena Conferência Episcopal como a dos Flandres faz tal mudança, é fácil ignorá-la. Quando uma Igreja grande e influente como a Alemanha o fizer, não será tão fácil.
A Igreja alemã é financeira, política e teologicamente influente. Eles fizeram uma votação forte sobre uma base teológica sólida. Como mostrou a pesquisa do processo sinodal mundial em andamento, os alemães não estão sozinhos em seu desejo de reforma. Agora, todos os que esperam uma Igreja mais progressista têm um poderoso aliado ao seu lado.
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Igreja Católica na Alemanha aprova bênçãos para casais do mesmo sexo: uma revolução? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU