21 Fevereiro 2019
O bem da pessoa não deriva apenas do respeito pela norma, mas também da qualidade das relações interpessoais.
A reportagem é de Luciano Moia, publicada por Avvenire, 19-02-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Hoje somos convidados a compreender como a relação no horizonte da comunhão das pessoas representa o bem a ser buscado e que o próprio vínculo homem-mulher não esgota todas as formas humanas de sua expressão, até mesmo do ponto de vista afetivo.”
Nenhum propósito de superar a beleza da diferença sexual, mas sim a consciência de que, dentro de uma relação, a falta dessa diferença não parece ser nem culpada nem patológica, “porque a condição existencial das pessoas homossexuais não é um obstáculo insuperável na vocação ao amor”.
As palavras do Pe. Pier Davide Guenzi, presidente da Associação de Teólogos Morais e professor de teologia moral e de ética social na Faculdade Teológica da Itália Setentrional, levam a refletir.
No número 250 da Amoris laetitia, falando da ajuda pastoral que a Igreja deve assegurar às pessoas homossexuais, reitera-se que cada, “independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito”. E acrescenta que as pessoas homossexuais devem “dispor dos auxílios necessários para compreender e realizar plenamente a vontade de Deus na sua vida”. Essas ênfases já estavam presentes no documento de 1986 sobre o “Cuidado pastoral das pessoas homossexuais”. Porém, diferentemente daquele texto, a Amoris laetitia carece completamente da condenação ética dos gestos homossexuais. Como interpretar essa escolha?
Na Amoris laetitia, à luz de uma consideração mais profunda das vivências, às vezes difíceis, das pessoas, Francisco desenvolve uma operação “reconstrutiva” sobre a tradição normativa da Igreja e as argumentações sustentadas, que poderiam ter ofuscado elementos imprescindíveis na avaliação do agir, como no caso do discernimento pessoal e do julgamento de consciência. O texto da Congregação da Fé de 1986 enfatiza a atitude fundamental que deve guiar a acolhida e a valorização das pessoas homossexuais como elemento prioritário e contexto dentro do qual se pode ajudar e apoiar a pessoa a avaliar o bem possível de ser realizado na própria existência em referência à própria condição. A lei vem depois da prioridade do amor acolhedor.
E, se a tradição da Igreja não pode ser expressada apenas pela norma moral (cf. AL 305), o processo de discernimento sobre as escolhas pessoais pode ser reconsiderado não só para as chamadas situações “irregulares” dentro do casamento. Isso é esclarecido na AL 250, em que o pontífice sublinha a importância de oferecer todos os “auxílios necessários” para que as pessoas homossexuais, como, aliás, todos os fiéis, possam se abrir positivamente ao bem da vida e da relação com uma atenta consideração da própria situação existencial. Esta não é vista apenas como uma dificuldade ou como um obstáculo insuperável em relação à vocação ao amor. Ela representa o seu contexto real dentro do qual cada um é chamado a decidir por si mesmo como corresponder pessoalmente ao amor de Deus.
As palavras-chave da Amoris laetitia – acompanhar, discernir, integrar –, portanto, também valem para as pessoas homossexuais?
Os três verbos não devem se referir apenas ao caso considerado no capítulo VIII da Amoris laetitia. O fato de que eles também devem se estender a outras problemáticas é explicitamente esclarecido por Francisco quando ele afirma, depois de reiterar a perspectiva de inclusão (e não de suspensão ou de exclusão) como uma atitude eclesial fundamental, que tal “lógica evangélica” se refere não só “aos divorciados que vivem numa nova união, mas a todos seja qual for a situação em que se encontrem” (AL 297).
Nessa perspectiva, é significativo que o Documento Final do Sínodo de 2018 sobre os jovens, no parágrafo 150, se refere aos três verbos da Amoris laetitia para sugerir práticas eclesiais de “acompanhamento na fé” em que os fiéis homossexuais são ajudados “ler a sua história, aderir livre e responsavelmente à sua chamada batismal, reconhecer o desejo de pertencer e contribuir para a vida da comunidade”.
Tal percurso visa a “discernir” as melhores formas para realizar a própria vocação pessoal e eclesial por parte da pessoa homossexual e a “integrar” cada vez mais “a dimensão sexual na própria personalidade, crescendo na qualidade das relações e caminhando para o dom de si”. Nesse sentido, não se limita à acolhida sincera, a um profundo caminho de discernimento sobre a verdade da própria pessoa, mas também define uma meta, com o verbo “integrar”, que se impõe como resultado de um caminho que não pode ser interminável, nem sem pontos finais.
Por muito tempo, a teologia moral enraizou a sua condenação aos gestos homossexuais na lei natural. Por que hoje a relação entre natureza e cultura está sendo revista?
No debate destes anos, aprendemos que a lei natural deve ser continuamente repensada. Há dinamismos profundos próprios de cada sujeito humano que pedem para ser respeitados como inerentes à estrutura antropológica. Mas há também um governo da razão na realização de tais dinamismos de acordo com a responsabilidade pessoal e histórico-concreta.
Além disso, não devemos esquecer que a referência à lei natural é desenvolvida dentro de uma leitura teológica da realidade que, em outras palavras, se refere ao projeto de amor de Deus sobre a criação e sobre as criaturas; não unicamente a evidências da razão que se impõem independentemente de tal horizonte geral. Uma concepção não meramente “biológica” da natureza, portanto, é acessível a partir das formas da cultura predispostas pela reta razão humana.
Assim, a ideia de lei natural funciona como elemento crítico para o discernimento daquilo que nas tradições humanas permite ou não a abertura à realização integral e definitiva do ser humano não pensado abstratamente, mas de todo o ser humano, na dignidade singular que lhe é própria.
Então, você concorda com aquela teologia que defende a urgência de passar do paradigma naturalista para o relacional?
Dentro da teologia moral católica, insistiu-se em uma melhor compreensão da afetividade e da vida sexual, não só a partir do dado expressado pela “natureza”, mas também do elemento que a qualifica do ponto de vista humano, ou seja, a relação intersubjetiva. Isso permitiu trazer à tona potencialidades construtivas, mas também limites inerentes às vivências, muito mais profundas do que o simples respeito pela dimensão procriativa da sexualidade.
Assim, a relação, que qualifica uma especificidade humana, envolve a atenção às diferenças pessoais chamadas a entrar em comunhão para evidenciar a unidade fundamental do gênero humano como aspecto mais radical e decisivo em relação às mesmas diferenças. Instigados também pelas vivências dos fiéis homossexuais, hoje somos convidados a compreender que a relação no horizonte da comunhão das pessoas representa o bem a ser buscado e que o próprio vínculo homem-mulher não esgota todas as formas humanas de sua expressão, também sob o perfil afetivo.
Sob essa luz, a relação homossexual também expressa potencialidades e limites inerentes aos vínculos humanos de tipo afetivo, não apenas em referência à avaliação moral dos comportamentos, mas também no sinal positivo do enriquecimento recíproco das pessoas envolvidas neles.
Os gestos afetivos das pessoas homossexuais seriam eticamente negativos por estarem esvaziados do valor da diferença. Essa também é uma ênfase que deve ser revista?
Habitualmente, afirma-se que a busca afetiva e sexual do igual a si caracteriza a pessoa homossexual. Tal perspectiva introduz a ideia de uma falta na percepção do valor da diferença do masculino e do feminino que tornaria a afetividade homofílica, antes ainda de não justificável sob o perfil dos atos, não plenamente significativa ou completa. No entanto, é preciso reconhecer que tal experiência da diferença não é primordialmente um problema, já que a dimensão do “ser filho”, comum a todo o ser humano, permite que cada um experimente a diferença sexual. No máximo, na pessoa homossexual, não se sente como promissora para a própria vida a relação homem-mulher por não estar enraizada na dimensão profunda do desejo do/a outro/a.
No entanto, tal falta não é em si mesma “culpada” (e menos ainda patológica). Ela representa um elemento do próprio modo de ser no mundo que deve ser elaborado conscientemente. A questão que pode ser feita, mas que exige ser estudada melhor, é se tal “falta” pode limitar o acesso à relação com o outro ou o caminho de tomada de consciência da própria identidade, antes mesmo da moralidade das próprias ações individuais. Todo ser humano, independentemente da orientação sexual, experimenta uma falta na própria raiz. O próprio fato de estar situado no mundo representa não só a oportunidade aberta no descerrar da existência, mas também o restabelecimento dentro do limite existencial próprio de cada um; limite que deve ser habitado porque, de fato, por ser uma condição insuperável para o acesso ao eu e para a construção das boas relações com o outro.
No pano de fundo, permanece sempre aquela definição do Catecismo sobre uma condição homossexual “moralmente desordenada”. Uma posição insuperável?
A afirmação, que deve ser remetida ao texto da Congregação para a Doutrina da Fé de 1986, não é isenta de ambiguidades, na medida em que considera a “condição pessoal” como “uma tendência, mais ou menos forte, para um comportamento intrinsecamente mau do ponto de vista moral” (n.3) e, em outra passagem, dá a entender que tal condição é, do ponto de vista ético, “desordenada” (cf. n. 6). O documento não se limita a estigmatizar, como a tradição anterior, a imoralidade dos atos homossexuais individuais por serem “intrinsecamente desordenados”, mas, mesmo admitindo a distinção entre os atos e a “condição”, “tendência” ou “constituição” (expressões, de fato, sinonímicas nos textos magisteriais), tende a compreendê-la como situação de permanente risco de pecado.
Não faltaram reações críticas a esse inciso, no qual parece se ampliar o âmbito do juízo ético do âmbito específico dos atos, à identidade da pessoa, até acentuar a culpa por tal condição existencial. À luz dessa avaliação, é preciso compreender que, já dentro do próprio discernimento ético intraeclesial, é difícil compor o princípio do respeito à dignidade da pessoa com a consideração da sua “inclinação”, que deve ser considerada como “objetivamente desordenada”.
Perdoe-me a insistência, mas então o problema continua sendo a legalidade dos atos homossexuais?
A posição defendida pela tradição é de evidenciar a possibilidade de ações que, em si mesmas, representam um desvio da regra moral dos atos sexuais. No entanto, deve-se distinguir o plano descritivo das ações do plano interpretativo, para o qual o fundamental é a relação entre a intenção do sujeito e o sentido das próprias ações. A esse respeito, outros comportamentos sexuais podem ser considerados “imperfeitos” até mesmo dentro da vida de um casal heterossexual estável. Há comportamentos que não alcançam (ou não levam em consideração de modo adequado) o significado pessoal, interpessoal e generativo da sexualidade humana, pondo em causa o exercício responsável da própria decisão mais do que o seu perfil objetivo.
Nesse sentido, ainda em 1975, o documento da Congregação da Fé “Pessoa humana”, reconhecendo a possibilidade de uma homossexualidade enraizada na estrutura pessoal, convidava a julgar “com prudência” a culpa relativa aos atos sexuais desse tipo e sugeria a necessidade de uma leitura ética da ação não apenas com base na sua descrição física. A prudência invocada não alude a uma simples atitude de suspensão de todo o juízo, mas enfatiza a necessidade de considerar todos os aspectos relevantes do problema para assegurar que cada pessoa possa viver na própria condição os mais altos valores humanos e cristãos.
A condição pessoal não pode ser considerada, na ótica da prudência, como um simples atenuante da responsabilidade subjetiva sobre o valor de atos objetivos, mas é um elemento relevante para o esclarecimento do sentido integral do próprio agir. Não se deve esquecer que a virtude e o exercício da prudência permanecem no pano de fundo, mas mesmo assim de modo determinante, da descrição que Francisco, na Amoris laetitia, faz do caminho de discernimento pessoal e eclesial das situações pessoais complexas.
Nos últimos anos, muitas vezes se apontou o dedo contra a chamada cultura de gênero, na convicção de que se tratava de uma abordagem voltada a demolir a verdade da diferença sexual entre homem e mulher para privilegiar as reivindicações dos lobbies LGBTs. É uma leitura correta ou uma simplificação que não ajuda a esclarecer?
Trata-se de um debate importante que nos ensina muitas coisas. Aprendemos a governar o risco da ideologia, a não simplificar de modo faccioso raciocínios que não podem ser enganosos. Aprendemos a escavar dentro da complexidade, para além da ideologia que sempre ignora o debate. Aprendemos que pode haver um caminho no qual se pode aprisionar a reflexão sobre o gênero, também no âmbito eclesial, em categorias que acentuam as problemáticas, pondo de lado a sua contribuição positiva para o esclarecimento do desenvolvimento da personalidade que se desenvolve em vários níveis psicológicos, sociais e culturais, e não simplesmente como desenvolvimento do dado biológico do masculino e do feminino. Mas também aprendemos que pode haver riscos associados à acentuação do gênero, quando isso pode levar à anulação que o sentido da diferença sexual passa a ter na construção do eu pessoal e nas dinâmicas relacionais. E, sobre isso, não devemos parar de refletir.
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Homossexualidade: o que há de ''bem'' na relação? Entrevista com Pier Davide Guenzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU