09 Setembro 2023
Entrevista de ((o))eco com a jornalista Miriam Leitão discute seu novo livro e o momento crucial do Brasil para determinar que futuro queremos para a maior floresta tropical do mundo.
O destino da Amazônia é o destino do mundo – e cabe ao Brasil a maior parte dessa responsabilidade. “Agora, a floresta e nós estamos diante do mundo como solução ou ameaça”, sentencia a jornalista Miriam Leitão, em seu novo livro “Amazônia na Encruzilhada: o poder da destruição e o tempo das possibilidades”. O momento crucial da maior floresta tropical do planeta é o fio condutor pelo qual ela convida o leitor a conhecer mais sobre a Amazônia, sua história, seus povos e as políticas públicas efetivas que podem garantir sua proteção.
Amazônia na encruzilhada: O poder da destruição e o tempo das possibilidades, de Míriam Leitão (Intrínseca, 2023)
Com a certeza de que a Amazônia é a pauta certa, ainda que tema inesgotável, a jornalista achou tempo entre seus compromissos regulares de trabalho na televisão, na rádio e no impresso para mergulhar na imensidão amazônica. O livro foi escrito entre 2020 e 2023, em simultâneo ao governo Bolsonaro e o início do terceiro mandato de Lula. Mesmo que de longe – com o confinamento da pandemia que ditou o começo do trabalho no livro – escutou as vozes da floresta e foi com elas para a Amazônia. A jornalista narra ainda como o destino amazônico passa por Brasília, pela construção das políticas públicas que permitiram o bem-sucedido combate ao desmatamento no bioma no passado e que hoje servem de farol sobre o que deve ser feito. Após a destruição causada durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, Miriam reflete sobre os caminhos para a reconstrução.
Com meio século de carreira, Miriam Leitão é um nome familiar para os que acompanham as notícias de economia e política. Em sua nova empreitada literária, a jornalista convida os leitores a irem com ela para dentro da floresta e reconhecer sua importância inegociável para o futuro do planeta. “A Amazônia é o ponto em que o Brasil encontra o mundo”, conta Miriam em entrevista feita por telefone com ((o))eco.
A entrevista é de Duda Menegassi, publicada por ((o))eco, 05-09-2023.
Você já cobriu a Amazônia muitas vezes ao longo da sua carreira, mas nunca um livro especificamente sobre ela. De onde saiu a ideia desse livro, como ele começou?
Eu comecei a escrever no início da pandemia. O meu editor me ligou e perguntou qual era meu projeto literário e eu tive a coragem de dizer: “Amazônia”. Depois, durante a escrita, eu acabei descobrindo que esse livro começou a ser feito antes. Em cada uma das viagens, mas principalmente na viagem que eu fiz com Sebastião Salgado em 2013 com os Awá Guajá. Essa reportagem foi um momento tão forte que eu fiquei com esse sonho, mas não admitia para mim.
E durante a pandemia, quando eu estava ali fechada, eu comecei, disciplinadamente, a fazer as entrevistas. E o que parecia ser uma loucura, uma desvantagem, porque ninguém podia se encontrar, acabou sendo para mim, nessa arrancada do livro, uma grande vantagem. Porque tinha muita gente com disponibilidade de tempo, as pessoas estavam mais dispostas a falar por plataforma de encontro digital. Então eu saí marcando reunião com um monte de gente. Aí as entrevistas andaram, e depois voltei para os encontros pessoais, físicos, inclusive com uma viagem em 2022, atrás da pata do boi, que é a história do último capítulo.
Conta mais dessa viagem.
Era uma reportagem que depois virou um documentário [“Amazônia na Encruzilhada”, lançado em 2022 e disponível na Globoplay], porque eu voltei com muito material. Mas ao mesmo tempo, eu já estava escrevendo esse livro há dois anos. Então eu juntei as duas coisas. E eu tive ajuda da própria equipe. O Norton [Rafael Norton], diretor, gravou todas as conversas pra mim, então rendeu muito mais do que tem no documentário, dei todos os bastidores. Nesse capítulo, com essa viagem, eu quis falar, “vai comigo, vamos ver essa história juntos”.
Miriam pulando a porteira durante uma das reportagens | Foto: Cláudio Renato
Tinham vários temas possíveis para essa reportagem, mas eu achei que era importante ir naquilo que é o maior vetor de indução de desmatamento, que é a pecuária. E como São Félix do Xingu tem o maior rebanho da Amazônia – 2 milhões e 400 mil cabeças de gado – e em 2021 foi o município que mais emitiu gases de efeito estufa, achei que era um bom caminho para andar. E além disso o caminho para lá passa por Marabá, Eldorado dos Carajás, é uma área de disputa de terra, uma área de conflito fundiário forte. E foi muito bom, porque eu vi não só a pecuária, mas também vi pequenos produtores, fui nas pequenas propriedades que produzem agrofloresta e essa coisa gostosa da reportagem, que você vai, senta na varanda da dona Josefa, conversa, chegam as amigas da Associação das Mulheres de Polpa de Fruta do São Félix do Xingu e aí você passa um dia com essas mulheres.
E nessa viagem, inclusive, a gente tropeçou numa operação do Ibama, da Força Nacional e da Polícia Rodoviária Federal e a gente foi junto. Foi dentro de uma unidade de conservação. Eu perguntei se eu podia seguir e eles disseram “você está por sua conta” e eu fui atrás. Tem ação nesse capítulo final e eu tento descrever ao máximo para o leitor estar junto.
Essa viagem é o último capítulo, como é a jornada do livro até lá?
No livro, eu começo falando da floresta em si. Tem um subcapítulo que é “rios que voam, árvores que transpiram, água que inunda o mar”. Eu quero falar dessa abundância, dessa explosão de vida que é a Amazônia. Então o primeiro capítulo é apresentar um pouco a floresta. Depois eu fiz o capítulo do “Plano Real do desmatamento”, que é o coração do livro na verdade. Eu queria mostrar o que deu certo nesse momento de recomeço e de tentar novamente acertar. Como foi que se construíram as políticas públicas, com que conflitos, com que dificuldades internas, com que bastidores se formaram as políticas públicas que levaram ao sucesso do PPCDam [Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal], que foi um sucesso ter cerca de 80% de queda no desmatamento [entre 2004 e 2012]. E depois como é que foi a resistência dentro do governo Bolsonaro, olhando por dentro. Eu falo dos crimes, da economia, alguns dos grandes eixos que você tem que falar da Amazônia.
Isso me lembra algo que você escreve logo no começo, que a Amazônia “é a pauta certa e tema inesgotável”. Ao mesmo tempo, é uma pauta difícil de comunicar para a maior parte da população brasileira, que vive longe da Amazônia. Como você encara esse desafio de comunicar Amazônia?
Esse tema é absolutamente transversal. Eu quero seduzir o leitor. Eu quero conquistar o leitor para essa floresta. Porque esse assunto é grande demais, é importante demais, é decisivo demais na nossa vida nesse momento, mais do que já foi em qualquer outro momento. E a gente acaba de sair de um período de ataque e demolição sistemática comandada da cadeira mais importante do Brasil, que é a cadeira da Presidência da República. Eu preciso contar isso para os leitores: “olha que força tem essa floresta, olha aqui como a gente acertou”.
Mas o que me acompanhou durante todo o trabalho foi a sensação de tudo ser insuficiente. As minhas palavras eram insuficientes para descrever a Amazônia. Cada capítulo podia se abrir em vários caminhos pelos quais eu podia ir. Eu precisei dizer várias vezes para mim para eu não me perder na floresta, mas eu já comecei desde o primeiro dia sabendo isso, que a coisa mais fácil de acontecer na Amazônia é a gente se perder. Porque tem tanta coisa para dizer, que eu podia entupir o leitor de informação e não chegar a nada. Então é isso, é a pauta certa. É o assunto que a gente tem que tratar, que cada jornalista tem que olhar, independentemente da área onde esteja.
Desmatamento na Amazônia. Foto: Divulgação
Falando nisso, você é reconhecida pelo seu trabalho como jornalista de economia e política. De onde veio esse olhar para cobertura ambiental?
Na verdade, eu sempre fui tocada por esse assunto. Por exemplo, em 96, eu fiz uma série chamada “Caminhos do Brasil” em que uma das reportagens foi sobre Amazônia, sobre o que era progresso no interior do Brasil. E eu fui à Amazônia. E eu me lembro da frase que eu gravei. “Os caminhos de desenvolvimento da Amazônia o Brasil ainda não sabe” – porque tudo que o Brasil tinha feito, o Brasil tinha errado – “mas é na Amazônia que o Brasil encontra os caminhos do mundo”, algo assim. Então eu sabia que a Amazônia era o ponto em que o Brasil encontrava o mundo. Não era em São Paulo, não era no Rio de Janeiro, era na Amazônia.
Mas eu acho que eu passei a estudar disciplinadamente o tema a partir do surgimento de ((o))eco [em 2004]. A redação de ((o))eco nasceu na minha casa. Eu via chegando pessoas como Carlos Nobre [especialista em mudanças climáticas] e eu prestava atenção, de repente na saída pegava um para conversar, conversava com meus amigos Kiko Brito e Marcos Sá Corrêa [ambos fundadores de ((o))eco] e fui vendo cada vez mais que os assuntos estavam interligados. E aí na cobertura do primeiro governo Lula, eu comecei a ir cada vez mais pro Ministério do Meio Ambiente. O Tasso [Azevedo, fundador do MapBiomas], João Paulo Capobianco [atual secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima], me ajudaram muito, me educaram muito a ver o assunto.
Quer dizer, tem pelo menos 20 anos que eu estou muito ligada ao assunto. Há muito tempo eu estou nesse ponto de encontro esperando a conciliação. Porque eu via a economia, entendia até a cabeça dos economistas, e via que, por outro lado, tinha uma turma chegando de ambientalistas, de climatologistas, chegando com um recado muito mais urgente que a economia precisava ouvir.
Esse debate reflete a discussão atual sobre a exploração ou não de petróleo na foz do Amazonas. A ideia do combustível fóssil como símbolo de desenvolvimento versus o valor incalculável da conservação da natureza. Como o livro navega esse falso dilema entre desenvolvimento e conservação?
É um falso dilema mesmo. E quando você pega especificamente o petróleo no mar da Amazônia – eu gosto mais de usar a expressão no mar da Amazônia, porque sempre tem alguém para dizer “não, mas é a 500 quilômetros da foz” e a questão não é essa. É no mar da Amazônia. É ali que eles querem explorar petróleo. Usando o argumento econômico de custo-benefício, como os economistas gostam de dizer, qual o custo de explorar petróleo no mar da Amazônia? Ambiental é incalculável, o custo ambiental é muito grande, o risco é enorme.
Vai ter que fazer plataformas, vai ter que investir em equipamentos… quanto tempo vai demorar para ficar produtivo? Uns 8 anos. Daqui a oito anos, o mundo estará com mais ou menos demanda de petróleo? Você vai fazer todo esse esforço, colocar em perigo a Amazônia, o mar da Amazônia, tudo que tem ali no litoral para produzir um combustível que está entrando numa fase de declínio. E mais, você faz isso no meio de um governo que está falando de combater a mudança climática e combater o desmatamento, quando o Brasil está voltando à mesa de negociação do clima, que é onde o Brasil é grande. Aí ele chega lá e fala “ah, mas eu quero furar o mar da Amazônia para procurar petróleo”. Nada mais contraditório do que isso, né?
E aí você fala, “não, mas a Guiana está ali ficando rica, ali bem pertinho de nós, pertinho do Amapá”. E aí você fala tá bom, mas o que a gente pode fazer de geração de riqueza dentro da Amazônia com os produtos da Amazônia? O Brasil é minúsculo como produtor de vários produtos dos frutos da floresta, que está no capítulo da economia da floresta. O Saulo Coslovsky fez um estudo para o Amazônia 2030 e mostrou esses números.
Ele pegou três anos, 2017, 2018 e 2019. Quanto que foi o comércio no mundo desses produtos da floresta? US$ 176 bilhões. Quanto o Brasil exportou? US$ 300 milhões. Então o mundo fala de bilhões e nós, que temos a maior parte da maior floresta tropical do planeta, a maior biodiversidade do planeta, temos 300 milhões. O Brasil se apequenou porque quis. Ele exporta muito menos do que a Bolívia e Costa do Marfim em produtos como cacau ou castanha. O Brasil não olha para a floresta manejada, respeitada, o que ela pode produzir de riqueza para a população local. Eu sou de Minas Gerais, mas eu moro no Rio de Janeiro há muito tempo. O Rio é o maior produtor de petróleo do Brasil e vive a sua miséria, vive os seus problemas. Isso não trouxe riqueza. É um equívoco enorme [achar isso], mas é uma luta com data marcada para acontecer no Brasil.
Encontro das águas do rio Amazonas com o oceano Atlântico na costa do Amapá. Foto: Marizilda Cruppe | Greenpeace
Além dessa questão do petróleo, estamos em meio à votação do Marco Temporal, a maior pauta anti-indígena do momento. Hoje quais são os grandes temas que podem definir o futuro da Amazônia?
Não explorar petróleo é o mínimo. Mas acho que um tema que define o futuro é o seguinte: nós queremos civilização ou barbárie? Parece que não faz sentido isso que eu tô dizendo, mas o que é barbárie? Barbárie é deixar os garimpeiros controlando, com um grande volume de capital envolvido, a Terra Yanomami e matando os yanomami. Isso é barbárie. Civilização é o presidente Lula pegar o avião, antes de completar um mês [de governo], botar oito ministros dentro, ir para lá, entrar em cada tenda, em cada ponto. Ele viu com seus próprios olhos o tamanho da tragédia, voltou e falou “o governo vai agir agora”.
E o Estado agiu. E o Estado tem que ser um grande árbitro. A sociedade pode fazer e faz, mas o Estado é determinante porque o tamanho do território em disputa na Amazônia é a soma da Espanha, da França e da Alemanha. Quando você soma todas as terras que o Estado nunca disse para que vai servir, que não foram destinadas, dá um território de 143,6 milhões de hectares. É grande demais. O Estado tem que dizer o que vai fazer com tudo isso, qual é a vocação de cada área.
A gente define o futuro também quando a gente senta na mesa de negociação do clima e pode dizer “olha eu tô aqui combatendo o desmatamento, estou aqui fazendo esse esforço, aumentando a minha ambição e quero do mundo isso”. Isso define o nosso tamanho na mesa de negociação. Define também o nosso futuro, o que nós vamos fazer para gerar riqueza para quem mora na Amazônia. Quem mora na Amazônia tem que ter uma educação de boa qualidade, ter acesso a todos os bens, a todo conforto e bem-estar. Você não pode achar que vamos proteger a floresta e quem mora lá que se mude, porque eles vão ser presa fácil do crime, do tráfico e de várias outras coisas. Você tem que se aliar a quem está lá.
Tem que se aliar também aos povos indígenas. Na história antiga dos povos indígenas, eles nos trouxeram essa floresta manejada, rica, eles resistiram protegendo a floresta e agora eles querem reforços. O Marco Temporal fere de morte um momento muito importante no Brasil, que foi a Constituição de 88, que mudou pela primeira vez a relação com os povos indígenas, dizendo que eles têm o direito de serem quem são e têm o direito de estar na terra onde eles estão. Reconhece o território, reconhece a cultura, reconhece o respeito à etnia, os seus costumes. Pela primeira vez o Brasil não quis integrar os indígenas, quis que eles vivessem a sua diversidade. Esse é um momento de libertação para os povos indígenas. E o Marco Temporal, se for reconhecido, é um retrocesso de um século.
Miriam com a indígena Ameritxia dos Awa-Guajá. Foto: Acervo Pessoal
Você começou a escrever esse livro durante o governo Bolsonaro, como uma forma de olhar para trás e talvez buscar uma forma de ser otimista, de ver o que deu certo. Afinal, devemos ser otimistas? É possível repetir o sucesso no combate ao desmatamento mesmo com uma arena política bem mais conturbada?
Eu não acredito em caso perdido. Eu comecei a minha juventude num momento tão terrível do Brasil, que se fosse pra desistir de querer um país melhor, eu desistia lá atrás. Eu não sou ingênua, sou bem informada e eu sei o tamanho do poço que Bolsonaro cavou. E eu sei também a teia de interesse enorme em favor da destruição. A aliança da destruição é muito grande, ela tem muitos representantes no Congresso, muitos representantes no poder político, muitos representantes na justiça. O crime já penetrou a representação política em várias áreas. Há cidades na Amazônia que vivem em torno do crime. Não é mais que o crime tem representantes no poder, o crime é o poder. Eu sei o tamanho do risco que a gente corre, mas sei também que a gente já acertou no passado. Com a criação de ferramentas, leis, punição, ação de comando e controle, ter um plano para combater o desmatamento. Nada cai porque o presidente quis, é preciso construir instituições e colocar o Estado para atuar. Isso que foi feito sob o comando da Marina e depois do Minc e levou a essa vitória [queda do desmatamento na Amazônia].
Depois começou a piorar lentamente nos governos Dilma e Temer, e veio o ataque do governo Bolsonaro a tudo. Agora a política nos deu uma segunda chance. Isso não está garantido, a gente pode perder essa chance. Ao mesmo tempo, como repórter, andando na Amazônia, conversando com pessoas, vendo os casos de resistência, conversando com funcionários dentro da máquina que resistiram durante o governo Bolsonaro, vendo a quantidade de organizações que passaram a atuar na Amazônia cada vez de forma mais eficiente, competente – como MapBiomas, Amazônia 2030, Imaflora, The Nature Conservancy – tudo isso mostra que a rede da proteção também é muito forte. Eu escolhi meu lado. Eu tô do lado da proteção. Como jornalista, eu tô querendo mostrar que eles todos que estão fazendo esforço de proteção da floresta é que estão certos, esse é o caminho que nos garante um futuro como nação e garante, no último caso, o clima no planeta Terra.
Grande protagonista desse sucesso no combate ao desmatamento na Amazônia no passado e atual ministra novamente, a Marina Silva é uma das pessoas entrevistadas no livro. Como foi essa conversa?
Eu entrevistei a Marina muito antes de pensar que ela voltaria. Eu estava levantando os dados, então ela me deu entrevista, a gente conversou algumas vezes. Mas foi engraçado porque essas entrevistas importantes eu fiz antes dela saber que voltaria. Esse ano eu fui a Brasília várias vezes e tive a oportunidade de conversar com ela novamente pro livro e pro jornalismo. Ela está lá com a mesma tenacidade, a mesma decisão e a mesma consciência de que tudo é difícil, nunca foi fácil. Ela sabe que nunca será fácil, então ela tem essa serenidade da pessoa que está convencida que vai ter que lutar sempre.
No segundo capítulo, eu começo descrevendo a posse, ela chegando para posse, que é esse momento simbólico. A volta da Marina. E depois eu vou lá atrás. Ela voltou, mas o que significa isso? E eu vou lá atrás para contar a história desde antes dela ser ministra, contando como foi construído o INPE [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], como é que ela foi escolhida ministra, como é que nasceu a delegacia de crimes ambientais… Eu vou mostrando o nascimento das instituições que permitiram esse sucesso [no combate ao desmatamento].
A contribuição dela para o desenvolvimento de instituições e do ordenamento legal para o combate ao desmatamento é absolutamente inegável. Você não pode contar a história do combate ao desmatamento no Brasil sem falar de Marina Silva. Ela é fundamental, mas ela sempre foi subestimada. Foi subestimada porque é mulher, porque é negra, porque ela é de um estado que não é o centro-sul e ela sempre conseguiu surpreender.
Cerimônia de posse de Marina Silva. Foto: Valter Campanato | Agência Brasil
Esse livro é construído também a partir das várias vezes que você foi para a Amazônia e das diferentes experiências que você teve por lá. Tem alguma história que você gostaria de destacar?
Eu fui várias vezes para a Amazônia, mas o momento que eu acho que é importante aconteceu em 2008, numa viagem para Paragominas [no Pará], quando o município estava começando a combater o desmatamento seriamente e eu fui para lá. E lá também eu acompanhei a Operação Arco de Fogo e vi coisas impressionantes. Eu fui atrás da polícia, a gente viu a destruição de fornos ilegais, uma cena infernal, cheio de trabalhadores claramente em condições de trabalho escravo.
Essa viagem foi importante. Teve também a viagem que eu fiz com o Tasso Azevedo para ver como é feito o manejo florestal de forma correta. Fui também para navegar em Anavilhanas [arquipélago protegido por um parque nacional com o mesmo nome, no Amazonas] até o Parque Nacional do Jaú. A viagem que eu fiz para a Amazônia maranhense com o Sebastião Salgado.
Todas as viagens foram importantes. Em toda viagem minha à Amazônia, eu tive uma epifania. Eu entendi uma coisa que eu não sabia antes. Eu nunca voltei da Amazônia do mesmo jeito que eu fui. Então isso me dá ao mesmo tempo alegria e uma enorme sensação de humildade. Eu não sei muita coisa, mas eu quis contar o que eu sei até agora. Porque a Amazônia nos leva para essa posição. Eu sou grande demais, eu sou complexa demais, eu sou preciosa demais e você vai me entender aos poucos. E cada vez que eu fui, eu entendi um pouco mais. Da sua força, da sua fragilidade, da sua riqueza, da sua construção, da sua beleza envolvente. Eu tenho certeza que eu estou só no começo do entendimento.
A Amazônia está para nós como um grande mistério e, ao mesmo tempo, uma grande esperança de que a gente acerte como país. Se a gente errar na Amazônia, a gente errou como país. Porque errar na Amazônia é permitir, por exemplo, que se faça em pleno século 21 uma nova etapa de extermínio indígena. Se a gente permitir coisas como o Marco Temporal a gente vai ter feito um crime de lesa humanidade que é destruir quem resiste há 500 anos. Esse entendimento profundo do serviço ambiental prestado pelas comunidades indígenas, pelas comunidades tradicionais, quilombolas, o Brasil tem que entender e valorizar.
Eu levo o leitor para dentro da tomada de decisão, levo comigo na estrada… Eu quero muito que leiam esse livro porque eu tentei botar muita coisa interessante e eu sei que está longe de esgotar o tema, mas eu quero que a partir da leitura do livro cada leitor saiba um pouco mais, como eu aprendi fazendo o livro.
O livro me ajudou muito porque ao longo do processo eu aprendi muita coisa. E também me ajudou a atravessar os momentos mais duros e tristes da pandemia. Trancada em casa, longe dos filhos e dos netos, vendo o povo brasileiro morrer com um governo completamente insensível à dor humana, eu mergulhava no livro, mergulhava na Amazônia. O livro me pegou pela mão para atravessar uma distopia política e uma tragédia sanitária. Mesmo longe dela, a Amazônia me abraçou.
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O destino da Amazônia (e do mundo) na encruzilhada. Entrevista com Miriam Leitão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU