06 Dezembro 2022
Situação do MMA é avaliada como uma “tragédia”, e demandará um amplo e transversal trabalho de reconstrução. Integrantes do Grupo de Trabalho afirmam que apesar dos desafios não perdem a esperança de mudanças estruturais amplas.
A reportagem é de Débora Pinto, publicada por ((o))eco, 01-12-2022.
No mesmo dia em que são divulgados os números de desmatamento na Amazônia, contabilizando um total de aproximadamente 11 mil quilômetros quadrados em 2022, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), não tem orçamento para dar continuidade às suas atividades de fiscalização. “Será um feliz natal para o desmatador e a ilegalidade”, afirmou Aloizio Mercadante, coordenador dos trabalhos de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A declaração foi dada em entrevista coletiva na tarde desta quarta-feira (30). Além de Mercadante, apresentaram perspectivas e informações sobre os trabalhos realizados até o momento três ex-ministros do Meio Ambiente: Izabella Teixeira, Carlos Minc e Marina Silva, também, deputada federal eleita pela Rede, e o ex-governador do Acre Jorge Viana.
O relatório final com as considerações e planos estruturais para o novo Ministério do Meio Ambiente serão divulgadas e entregues a Lula no dia 11 de dezembro. Mercadante afirmou também que tem tido dificuldades de conseguir informações relativas à pasta. “A relação com os ministérios é desigual. Alguns, sim, colaboram, outros são mais difíceis. E tem ministério que se especializou em passar a boiada, mas tem dificuldade em compartilhar as informações”, disse.
A coletiva serviu como espaço para oferecer uma prévia do trabalho diagnóstico do GT de Meio Ambiente, e, também, repercutir os dados sobre desmatamento divulgados pelo INPE (Instituto de Pesquisas Espaciais). “Vai haver redução forte e imediata do desmatamento já no primeiro trimestre do governo Lula. Acabou a moleza, a impunidade”, afirmou Mercadante.
Dentre as medidas gerais anunciadas para esse resultado estão o fortalecimento do Ibama e a revogação de medidas prejudiciais tomadas durante o governo Bolsonaro, como as que criaram condições institucionais para a drástica diminuição das multas ambientais no país.
“Alguns decretos e medidas proibiram de emitir multas. Ou seja, estimulam a impunidade ambiental. Isso será revogado. Outros, influenciaram na comercialização da madeira em tora”, afirmou Carlos Minc.
Coletiva GT Meio Ambiente | Foto: Reprodução/Youtube
Mercadante manifestou ainda, a dificuldade encontrada pelo GT diante de informações inconsistentes. “Não temos acesso a números confiáveis. Felizmente, estamos comprindo esta lacuna com as capacidades acumuladas das pessoas que fazem parte desta equipe de transição”, afirmou
Todos os representantes do GT falaram sobre um alto grau de desmantelamento do Ministério do Meio Ambiente. “É dilacerador porque é deliberado, não é só um problema de ineficiência ou de incompetência, é uma decisão política de destruir”, explicou Izabella Teixeira.
Jorge Viana apontou, ainda, que as questões orçamentárias diminuíram os investimentos em combate e prevenção a incêndios, valor que passou de R$54 milhões para insuficientes R$38 milhões. Desde a vitória de Lula nas eleições, em 30 de outubro, houve um aumento de 1200% nos focos de incêndio na região amazônica.
Os números do desmatamento foram alvo de críticas quanto ao tamanho da destruição deixada por Bolsonaro. “O desmatamento é medido de junho a julho [deste ano], mas os meses de agosto, setembro, outubro e novembro tiveram recorde de desmatamento. Essa é a herança que o presidente Lula vai pegar e que é muito ruim, porque não tem o que fazer, já está destruído. Mas, vai entrar na contabilidade do presidente Lula. Esse desmatamento agora e do ano passado são os maiores dos últimos 15 anos”, explicou Jorge Viana.
Conforme lembrou Izabella Teixeira, ainda que os últimos números sejam 11% menores do que os apresentados em 2021, o legado deixado por Bolsonaro é de aproximadamente 45 mil quilômetros quadrados devastados, um território com a dimensão do estado do Rio de Janeiro.
Carlos Minc apresentou a complexidade do processo de combate ao desmatamento no país a ser enfrentado pelo MMA a partir de 2023. “O combate ao desmatamento não é uma coisa isolada. Nós precisamos ter os fundos que vão financiar isso […], é importantíssimo demarcar Terras Indígenas que não foi demarcado nenhum hectare, voltar a demarcar Unidades de Conservação e Reservas Extrativistas, o zoneamento econômico ecológico que está pronto desde 2009 e precisa ser atualizado, é preciso orientar para fazer bem, para criar empregos sem desmatar”, explicou.
Dentre pontos destacados para a redução do desmatamento estão o fortalecimento do Ibama, que hoje conta com mais de dois mil quadros de trabalho que precisam ser reconstituídos e a revogação de decretos como os que dificultam a aplicação de multas, além de normativas que impedem a fiscalização da exportação de madeira em tora que, junto com outros, “amarraram as mãos do Ibama”, segundo o ex-ministro.
Minc citou ainda o decreto da Lei da Mata Atlântica, que voltará a vigorar, sobretudo pelo aumento de desmatamento no bioma e mencionou conversas com produtores de soja, há poucos dias, com a intenção de criar um pacto para a produção de soja sustentável no Cerrado e outros biomas.
Outra ação indicada pelo GT é a criação de mecanismos remotos de fiscalização, que permitam a verificação e o embargo de territórios desmatados ilegalmente a partir de dados de satélites. Minc citou como exemplo o trabalho de monitoramento e análise de dados que já é feito pela organização Mapbiomas. “́Claro que os bancos têm que cortar o crédito para essas propriedades, porque isso é uma obrigação deles, não conceder créditos para explorações e áreas embargadas”, assinalou. Ele também defendeu uma resposta muito forte e em articulação com outros ministérios para chegar a uma redução significativa. “Acabou a moleza e a impunidade. Desmatou vai sofrer as consequências jurídicas, legais, administrativas”, sentenciou.
“O desmatamento não é uma pauta contemporânea, é uma alma penada, é uma coisa do passado que está ocupando lugar no presente”, afirmou Izabella Teixeira, que também se disse alarmada com o descontrole do desmatamento sobretudo no estado do Acre, nos territórios próximos à BR 319 e no sul do estado do Pará. Segundo Izabella, é possível afirmar que atualmente o país vive um momento de completo descontrole em relação ao desmatamento na Amazônia.
Izabella Teixeira enfatizou que a crise planetária com a natureza é considerada a principal crise do mundo contemporâneo e destacou que o Brasil tem protagonismo nesta equação. Como profissional de carreira aposentada, que ajudou a criar o Sistema Nacional de Meio Ambiente, a ex-Ministra usou o termo “tragédia” para se referir ao que encontrou no processo de trabalho de transição para o próximo governo.
Apesar dos dados pouco confiáveis, ela destacou o trabalho dos corpos técnicos das instituições e de órgãos como o Ministério Público, que ofereceram o suporte necessário para que as informações ambientais pudessem refletir o real cenário atual. Da mesma forma, segundo ela, houve uma grande mobilização por parte das organizações da sociedade civil que apresentaram, em reuniões com o GT, não apenas demandas, mas também propostas e soluções.
No panorama internacional, uma das prioridades citadas por Marina Silva, a partir de conversações já iniciadas durante a COP-27, realizada em novembro no Egito, foi a articulação junto a doadores – levando em conta a grande lacuna orçamentária presente no MMA hoje. “Há uma grande possibilidade de a comunidade internacional voltar a investir no desenvolvimento no país. Isso significa que a agenda climática é uma agenda de desenvolvimento”, afirmou, explicando que, para se alinhar a esta ordem mundial, o Brasil precisa se responsabilizar em entregar resultados que passam por campos como uma regulação mais rigorosa no processo de industrialização.
Apesar de Alemanha e Noruega aceitarem retomar os investimentos do Fundo Amazônia. Mas, segundo os integrantes do GT, o desmonte das instituições nacionais não ocorreu apenas nas estruturas ambientais, mas também no próprio Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES).
“Essa estrutura se apequenou de tal maneira que nós vamos ter que ter também a prioridade de preparar o BNDES para estar pronto para receber as demandas que nós do governo estaremos fazendo para retomar o Fundo Amazônia”, explicou Izabella Teixeira.
A envergadura da reconstrução envolve não apenas às instituições ambientais mas, também as de comando e controle, como a Força Nacional de Segurança e a Polícia Rodoviária Federal.
A também ex-Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, destacou em sua fala a importância da transversalidade no trabalho realizado pelo grupo de transição, visando também uma nova abordagem para a gestão ambiental do presidente Lula. Marina destacou o papel da bioeconomia nesse contexto e de atividades como o turismo sustentável, que permite o desenvolvimento econômico de comunidades, sobretudo a Amazônia, em alinhamento com uma visão moderna adotada como agenda em todo o mundo.
Marina indicou três eixos principais de condução transversal para o meio ambiente brasileiro: o fortalecimento da democracia, o combate à desigualdade e o reconhecimento das bases naturais para o desenvolvimento sustentável do país.
Na agenda de reflorestamento, por exemplo, Marina destacou a necessidade de reflorestamento de 12 milhões de hectares como uma oportunidade de geração de renda sustentável. A mão de obra necessária a esse projeto poderia abarcar, de acordo com Marina, os aproximadamente 35 mil garimpeiros que, estima-se, atuam neste momento em Terras Indígenas e outras áreas de preservação no país. Mesmo com todas as dificuldades estruturais, institucionais e orçamentárias, ela afirmou que acredita que este é um momento propício para o Brasil voltar a sonhar.
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Não há verba para combate ao desmatamento, denuncia equipe de Lula - Instituto Humanitas Unisinos - IHU