Acre: Bolsonarista defende agronegócio “em sintonia” com meio ambiente

Acre | Foto: divulgação / Agência Acre de Turismo

30 Setembro 2022

 

Candidato à reeleição, governador Gladson Cameli (PP) deve manter a sobrevivência do bolsonarismo no Estado; petista fala em desenvolvimento sustentável.

 

A reportagem é de Bianca Levy, publicada por Amazônia Real, 26-09-2022.

 

1º de setembro de 2018. Em plena campanha eleitoral, durante um discurso para apoiadores na capital Rio Branco (AC), Jair Messias Bolsonaro pega o tripé de uma câmera e com ela simula um fuzil, enquanto brada: “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”. A cena de repercussão nacional simbolizou a escalada da direita na região. Bolsonaro foi eleito com cerca de 80% dos votos válidos e levou, na esteira, o atual governador Gladson Cameli (PP). Candidato com chances de ser reeleito em 1º turno, Cameli é a promessa de manter o bolsonarismo vivo na Amazônia.

 

O Acre, que já foi o berço do PT e da florestania, e hoje é um dos Estados mais bolsonaristas do Brasil, inaugura a série de reportagens especiais da Amazônia Real nesta reta final das eleições 2022. A partir da análise dos planos de governo, cadastrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e de entrevistas com os candidatos, a agência produz uma radiografia eleitoral dos nove Estados que compõem a Amazônia Legal. Mais que partidos ou candidatos que apoiam ou são apoiados por um candidato à Presidência da República, impera uma força política composta de apoiadores ligados ao agronegócio, à indústria madeireira, à mineração, ao mercado da terra e ao uso da floresta para fins econômicos que, historicamente, exclui as populações locais.

 

O bolsonarismo é parte interessada desse enfrentamento de forças. No Acre, em especial, a disputa envolve um território que, até 2020, era 85% coberto por florestas e 47% demarcado como Terra Indígena. Segundo Sabrina Areco, professora de Ciências Políticas da Universidade Federal do Acre, o fenômeno bolsonarista se deve a dois motivos fundamentais: “O Acre é um Estado pouco populoso e pequeno colégio eleitoral, porém, com um número de evangélicos bastante alto, o que pesou nas eleições, além de possuir um discurso anti-ambientalista eficaz em mobilizar apoio eleitoral. A ideia que se difundiu aqui é que floresta em pé gera pobreza – o que é contrário, como sabemos, a qualquer visão ambiental e mesmo econômica razoável”.

 

Bolsonaro se converteu, aos olhos de quem defende a floresta, no inimigo número 1 dos povos indígenas e incentivador da flexibilização das leis de proteção ambiental. Ao atuar em favor de um modelo de agronegócio predatório, o governo Bolsonaro pautou as políticas públicas do governador Cameli, do PP, partido da base aliada do presidente. Dos três principais nomes que disputam as eleições ao Governo do Acre, dois são ligados ao bolsonarismo: Cameli e a deputada federal Mara Rocha (MDB). O petista Jorge Viana (PT) é o candidato da oposição.

 

Formado em engenharia, Cameli, 44, é empresário e foi eleito em 2018 com 53% dos votos já no 1º turno. A sua família tem um histórico de atuação política na região. O tio dele, Orleir Cameli, já foi governador do Estado. Nos anos 1990, a família Cameli foi acusada de extração ilegal de madeira na TI Ashaninka. Em 2020, um acordo pôs um fim no processo de 25 anos após o pagamento de multa no valor de 14 milhões de reais. Em entrevista à Amazônia Real, o governador Gladson Cameli afirma que “é importante citar que fomos absolvidos desta acusação”.

 

Na contramão do histórico familiar, as propostas do plano de governo do atual governador prometem a ampliação das “ações de monitoramento e fiscalização para combate às queimadas e desmatamento ilegal” e “desburocratizar o sistema de licenciamento ambiental’', o que na prática dos últimos anos pode ser visto como o fim do processo de combate à destruição florestal e vai na corrente da política federal. Bolsonaro desmantelou ou sabotou os órgãos de fiscalização ambiental em seu mandato.

 

Ainda no plano de governo, Cameli defende a proteção dos “interesses dos povos indígenas como o território, a identidade cultural, o modo de vida e suas tradições”. À reportagem, o candidato afirma que pretende garantir os direitos dos povos da floresta e regularizar junto ao governo federal o “um terço” das terras indígenas da região. “O governo estadual tem executado todas as ações necessárias junto ao governo federal para que este processo seja realizado com celeridade e segurança para todas as partes. O governo do Estado tem renovado, inclusive com entidades internacionais, o seu compromisso de preservação e sustentabilidade”, afirma.

 

Deixa a boiada passar

 

Gladson Cameli (PP) ao lado do presidente Jair Bolsonaro

Foto: Reprodução | Redes sociais

 

Sobre o ordenamento da atividade econômica na região, visto como uma ameaça aos direitos indígenas e causadora do avanço da destruição florestal, Cameli afirma que procurou “consolidar o agronegócio em sintonia e com o respeito às populações originais e também com o meio ambiente” e “maximizamos o uso das terras disponíveis sem ter que ampliar a devastação”.

 

Mas a fala do governador e novamente candidato não condiz com os dados. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre 2018 e 2022 o desmatamento no Acre dobrou de 444 quilômetros quadrados para 871 quilômetros quadrados, afetando diretamente o clima e os processos de estiagem e secas dos principais rios que abastecem o Estado. Além disso, de acordo com a Comissão Pró-Índio do Acre, cerca de um terço das terras indígenas do estado aguardam regularização e são alvo de invasões por parte de madeireiros. Em outras palavras, o prejuízo ambiental dos últimos quatro anos de mandato de Cameli e Bolsonaro tomaram dimensões catastróficas na região.

 

Atualmente, a indústria da pecuária é um dos principais motores da economia acreana. Segundo dados estaduais, a carne e seus derivados foram responsáveis por 26,3% das exportações entre 2019 e 2020. O número de bovinos no Acre chegou a 3,8 milhões de cabeças, representando o maior crescimento entre os nove Estados da Amazônia Legal. A correlação entre o aumento do desmatamento e o uso da terra para pecuária fica explícita nos dados do Mapbiomas. De acordo com a pesquisa, em 2020, 84.925 hectares foram desmatados no Estado. No mesmo ano, as terras destinadas à pecuária aumentaram 84.735 hectares, um número praticamente proporcional.

 

Afrouxar as leis ambientais

 

Mara Rocha (MDB) ao lado do presidente Jair Bolsonaro

Foto: Reprodução | Redes sociais

 

Deputada federal mais votada do Acre nas últimas eleições (com cerca de 40 mil votos), a jornalista Mara Rocha, 44, é a candidata do MDB ao governo estadual. Alinhada politicamente a Bolsonaro, ela tem como pauta prioritária a “estruturação e fortalecimento do agronegócio”. No plano de governo, a candidata defende a desburocratização das licenças ambientais: “O Estado passa a acreditar na palavra do produtor, que em contrapartida será responsável pela sua autodeclaração”. Na prática, a desburocratização das licenças ambientais tem como consequência, além dos impactos ambientais, incentivar a crescente invasão das terras indígenas.

 

A flexibilização das leis ambientais foi defendida por Mara Rocha durante todo o mandato dela como deputada federal. Ela votou a favor do PL 3.729/2004, que prevê o fim do licenciamento ambiental, e do PL 191 de 2020, que prevê a liberação da extração de minério em terras indígenas. Mara Rocha foi a autora do PL 6024/2019, que prevê a redução da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes e a extinção do Parque Nacional da Serra do Divisor para permitir a expansão do agronegócio e da mineração na região.

 

Questionada pela reportagem sobre o que a leva a defender pautas diametralmente opostas às necessidades dos povos indígenas, do meio ambiente e de grande parte da população não só acreana, mas brasileira, a candidata se negou a conceder entrevista.

 

Oposição ao bolsonarismo

 

Jorge Viana, candidato a governador do Acre pelo PT

Foto: Reprodução | Redes sociais

 

De acordo com a professora Sabrina Areco, candidaturas como a de Gladson Cameli e Mara Rocha representam a continuidade do bolsonarismo na região e uma realidade que se relaciona com a sobrevivência do fenômeno no resto do Brasil, mesmo com a possível derrota do presidente nas urnas. Para a pesquisadora, a herança do bolsonarismo no Acre e no Brasil só vai ser superada pela saída da extrema-direita do poder e pela reorganização política e social. “O bolsonarismo atacou fortemente as esferas política e social. E elas precisarão ser reorganizadas. Quando falo política, falo a respeito da dinamização dos movimentos sociais, dos partidos, do fazer política. O social, por sua vez, tem a ver com políticas sociais mesmo – saúde, educação, estratégias para recomposição da renda do trabalhador”, explica.

 

O candidato Jorge Viana (PT), 62, tenta levar a disputa no Acre a um segundo turno. Formado em Engenharia Ambiental, Viana já foi prefeito de Rio Branco, governador do Acre entre 1999 e 2006 e eleito duas vezes senador, com mandato que durou de 2010 a 2019. Em seu programa de governo, o candidato apoiado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato à Presidência da República que lidera as pesquisas eleitorais, defende o desenvolvimento sustentável da região, o fortalecimento da agricultura familiar e dos povos da floresta, além do combate à grilagem e à invasão de terras.

 

Mas, no documento enviado ao TSE, Viana não apresenta propostas objetivas sobre o uso dos recursos naturais, a produção agrícola e pecuária, a mineração, a crise climática ou o desmatamento na Amazônia. Tampouco apresenta pautas e ações específicas e consistentes para a garantia de direitos dos povos indígenas. Procurado para aprofundar as propostas ligadas ao meio ambiente e aos povos da floresta, Jorge Viana não deu retorno até o fechamento desta reportagem.

 

Também estão na disputa ao governo do Acre os candidatos David Hall (Agir), Marcio Bittar (União Brasil), Petecão (PSD) e Professor Nilson (PSol).

 

Candidatos indígenas

 

Júnior Manchineri, candidato indígena a deputado estadual pelo PT

Foto: Daldeia | Mídia Ninja

 

Os povos indígenas do Acre enfrentam um cenário de invasão de territórios, desmatamento e falta de direitos básicos como acesso a água potável, saúde e educação. Dados da Comissão Pró-Índio do Acre apontam que o Estado possui 23 mil indígenas pertencentes a 15 povos, além dos grupos isolados ainda não identificados e um grupo de recente contato.

 

Segundo Alana Manchineri, ponto focal da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), como resposta ao descaso e para fazer frente ao fascismo que se instalou na região, os povos indígenas têm buscado na comunidade lideranças políticas que possam lutar pelos direitos na Assembleia Legislativa, Câmara dos Deputados e Senado. “Nossos parentes falam sobre representantes que só passam nos territórios de quatro em quatro anos e, depois das eleições, viram as costas, então tá tendo uma retomada de consciência do voto qualitativo”, afirma. Atualmente dois representantes dos povos indígenas do Acre, apoiados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), concorrem a vagas de deputado estadual e federal: Júnior Manchineri e Ninawa Huni Kuin.

 

Ainda de acordo com Alana Manchineri, é importante que os povos indígenas votem em candidatos que conheçam a real situação enfrentada dentro das TIs. “O atual governador não conhece as terras indígenas de verdade. Se ele subisse lá para a minha aldeia e passasse uma semana tomando a mesma água que as crianças bebem e passando fome, talvez ele promovesse alguma mudança. A gente quer que vença um governo progressista, que pense nos indígenas como protagonistas e não como mais um voto em um processo eleitoreiro”, resume.

 

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