16 Setembro 2022
"O balanço sobre o lugar da Amazônia na pauta eleitoral até aqui continua o mesmo: marginal, sem profundidade e desconectado da escala planetária dos desafios futuros para o país e para a humanidade", escreve Helena Dolabela, doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisadora em estágio pós-doutoral do INCT-IDDC, em artigo publicado por Observatório das Eleições, 15-09-2022.
A Amazônia é o epicentro da agenda de segurança climática e hídrica do planeta. Espaço de proporções continentais, maior fronteira de recursos naturais composto de rede de bacias hidrográficas e enorme diversidade biológica e cultural, é fundamental na prestação de serviços ambientais como equilíbrio ecossistêmico, sumidouro de carbono e provedor de corredores de umidade. Tem papel incontornável no debate sobre o futuro de humanos e não humanos na sociedade global contemporânea. A sua proteção é tão urgente quanto óbvia, mas não parece ainda ter encontrado ressonância – à altura do colapso climático – na pauta eleitoral.
Já publicamos neste Observatório um artigo sobre a inclusão da pauta de mudança climática nos planos de governo dos candidatos à Presidência em 2022. Afirmamos que este tema, intrinsecamente relacionado à proteção da Amazônia brasileira, está presente nas diretrizes e propostas de governos para o futuro. No entanto, advertimos que era preciso ir além e acompanhar a direção e a coerência dos discursos e ações dos presidenciáveis ao longo da campanha eleitoral.
Havia uma grande expectativa em relação ao primeiro debate televisionado com os candidatos à Presidência da República. Uma real oportunidade de dar visibilidade às visões e propostas dos candidatos em relação à Amazônia brasileira. Mas não foi o que aconteceu. Durante o debate, nem pela parte dos jornalistas nem pelos próprios candidatos o tema teve qualquer centralidade. De holofotes baixos, o presidente Lula fez a única pergunta sobre a crise climática para o candidato Felipe D'Ávila (Novo) numa dupla tentativa de criticar a política de destruição da floresta do atual presidente Bolsonaro e exaltar a sua política passada contra o desmatamento e a favor da cooperação internacional, mas sem polemizar a respeito.
A resposta do candidato do partido Novo, que só enxerga mercado a sua frente, foi: “meio ambiente nós vamos resolver com mais mercado”. Ele ainda criticou a “retaliação” ao Brasil por parte dos governos estrangeiros que bloqueiam a compra de soja e carne proveniente de áreas desmatadas: E sentenciou: “O agronegócio é o que mais sofre com o desmatamento”. Por fim, se mostrou aberto ao diálogo com os organismos estrangeiros para o crescimento econômico e a retomada de investimentos internacionais.
A jornalista Eliane Brum, autora do livro Brasil, construtor de ruínas: um olhar sobre o Brasil, de Lula a Bolsonaro no qual está embasada a ideia da Amazônia como “centro do mundo”, se posicionou nas redes sociais após o debate: “a palavra Amazônia não foi pronunciada, nem a palavra “indígena”, nem a palavra “racismo”. Meio ambiente foi mencionado de forma superficial, mas cobriram o agronegócio de elogios e uma candidata fez propaganda para o Ferrogrão (…) Parecia um teatro de uma outra época, sobre um Brasil de outro tempo. A desconexão dos candidatos e das candidatas com o que realmente é importante, com o que define nosso presente e o que definirá o nosso futuro é aterradora”.
Na semana seguinte, uma movimentação da candidatura Lula começou a preencher esse vazio político-eleitoral. No dia 29 de agosto, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva teve um encontro com deputados do Parlamento Europeu durante o qual foi discutido, entre outros temas, a proteção da floresta amazônica. Lula reafirmou o compromisso com a soberania da Amazônia e pronunciou-se favorável ao apoio da União Europeia em investimentos, ciência e tecnologia e projetos para a exploração da biodiversidade da Região Amazônica. Este encontro sinaliza um deslocamento em relação à política externa bolsonarista na questão ambiental que levou a retrocessos diplomáticos com forte impacto no combate ao desmatamento, conservação ambiental e fomento a atividades econômicas sustentáveis.
Estes acenos eleitorais para fora de D'Ávila e Lula na tentativa de recuperar a credibilidade do país na questão ambiental e retomar a cooperação internacional junto à União Europeia – ainda que por espectros diferentes – também têm aparecido no discurso da candidata Simone Tebet. Esta candidata tem se dedicado a “colar” em sua candidatura uma imagem positiva de gestora experiente e comprometida com o desenvolvimento sustentável e economia verde. Em recente entrevista realizada para o canal da CNN, ela criticou a posição do Brasil como “pária internacional”, reafirmando a importância de um alinhamento na questão ambiental junto à União Europeia. A justificativa invocada é a sua importância para a manutenção e a expansão do agronegócio – o que se mostra mais convergente com a posição do candidato do Novo.
Já Ciro Gomes, preocupado em se mostrar como o candidato que salvará a pátria da polarização e reerguerá a combalida economia brasileira por meio da reindustrialização, não explica como essa última proposta se conciliará com uma agenda ambiental que tenha compromisso com a redução dos níveis de emissão de carbono. Se manifestou sobre a crise ambiental quando provocado pelo jornalista da Rede Globo, no qual explicou a sua proposta de zoneamento econômico-ecológico e regularização fundiária na Amazônia, mas estas pautas complexas ficaram totalmente esquecidas nas suas subsequentes aparições. Definitivamente, ainda não disse o tamanho do seu compromisso com o futuro da região.
Para finalizar. No dia 5 de setembro foi celebrado o Dia da Amazônia. A data foi lembrada nas redes sociais pelos principais candidatos à Presidência, os quais se manifestaram em breves textos pela preservação da floresta amazônica no Twitter, com exceção de Jair Bolsonaro. Isto não é uma grande surpresa, para quem, em sua primeira entrevista em rede nacional, propalou uma interpretação equivocada e pró-criminosos sobre a Lei de Crimes Ambientais, desautorizando a atuação de agentes do Ibama no combate à exploração mineral ilegal. Ao contrário do que ele disse, a legislação brasileira permite a destruição de produtos que estejam sendo usados em atividades de garimpo ou mineração ilegais. O plano de governo de Bolsonaro 2022, que se mostra mais aberto à questão climático-ambiental, parece ser uma peça apenas formal e que não corresponde a sua visão de mundo negacionista e retrógrada.
Como tentamos mostrar de forma breve, embora seja possível visualizar alguns avanços e distanciamentos em relação à política atual, especialmente no âmbito das relações exteriores, o balanço sobre o lugar da Amazônia na pauta eleitoral até aqui continua o mesmo: marginal, sem profundidade e desconectado da escala planetária dos desafios futuros para o país e para a humanidade. São tantas as questões internas que também precisam ser discutidas como, por exemplo, o fato bastante ignorado de que a Amazônia é um local onde eventos climáticos extremos já estão ocorrendo, com forte impacto no modo de vida dos povos tradicionais, especialmente daqueles que ainda não tiveram os seus direitos constitucionais reconhecidos por meio da demarcação de terras. A agenda é longa, complexa e tem que ser enfrentada já!
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O “centro do mundo” às margens: a Amazônia na disputa presidencial 2022 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU