30 Novembro 2022
"Novo Brasil de Lula e Marina, e de todos os brasileiros que sustentaram a frente ampla pela democracia, volta a ter compromisso com a realidade, e, mais do que isso, volta a recuperar a imagem do país, especialmente para a luta de todos: o desmatamento zero na Amazônia", escrevem Marina Helou, deputada Estadual pela Rede Sustentabilidade (SP), formada em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), com especialização em negócios e sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral / Cambridge University, e Marcus Eduardo de Oliveira, economista e ativista ambiental, especialista em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP), mestre em Integração da América Latina (PROLAM) pela Universidade de São Paulo (USP), foi professor do Departamento de Economia da Fundação Instituto Tecnológico de Osasco (FAC-FITO) e do UNIFIEO (Centro Universitário Fundação de Ensino para Osasco), autor de Civilização em Desajuste com os Limites Planetário (CRV, 2018), entre outros.
Derrotar o projeto fascista de Jair Bolsonaro, o pior presidente brasileiro de todos os tempos, foi o primeiro – e decisivo – passo para salvar a democracia e o projeto de nação. Agora, a partir de janeiro de 2023, a etapa seguinte: reconstruir ponto a ponto o desmonte implantado em quatro anos de governo Bolsonaro, especialmente a política e a estrutura de governança ambiental brasileira, tema central de nossa discussão aqui. Diríamos mais: é chegado o momento de reconstruir a política ambiental global, a partir da necessária recuperação da Floresta Amazônica (e seu imprescindível papel na manutenção de serviços ecológicos) e de práticas de desenvolvimento que dialoguem, protejam e respeitem o meio ambiente, com participação permanente com a sociedade. Com efeito, talvez cada uma dessas ações interligadas – isto é, reconstrução e desenvolvimento social, humano, econômico - sejam, entre tantas outras, as que mais clamam urgência no futuro e tão desejado governo Lula 3.
No âmbito da questão ambiental, o compromisso-chave já está delineado: fazer um amplo “revogaço” ambiental logo de início. Quer dizer, novas regulações, ajustes e mesmo revogação (reversão total) imediata. A começar por resgatar o espaço da sociedade civil no Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) – de 11 cadeiras existentes, a dupla Bolsonaro-Salles reduziu para apenas quatro.
E não é só isso. É preciso voltar a fortalecer os órgãos de proteção ambiental, escandalosamente enfraquecidos durante o desgoverno dos últimos anos. É igualmente importante suprimir de vez aquilo que os ambientalistas (vozes que foram abafadas nesses últimos tempos) vêm chamando de “legado tóxico” da política ambiental de Bolsonaro, o que inclui aumentar a proteção da biodiversidade e instituir uma nova relação com os povos originários e quilombolas. O outro nome disso, assim sabemos, é prosperidade inclusiva, e tem a ver com novos valores e comportamentos. Na prática, isso não é um mero detalhe. Estamos falando da saúde do planeta, de manter a floresta em pé e de colocar em ação uma verdadeira e consistente política de sustentabilidade, valor capaz de devolver o equilíbrio planetário.
Nessa mesma direção, urge revogar pelo menos 80 medidas antiambientais conduzidas por um governo marcado pelo desapego à realidade socioambiental. Por exemplo: Adote um Parque, política vazia que deixou a cargo do setor privado a gestão de unidades de conservação, mas que, na prática, não aconteceu. Importa ainda revogar em caráter de urgência normas que dificultaram a aplicação e a cobrança de multas ambientais por parte do Ibama.
Outro exemplo é o Programa Lixão Zero, que, apesar de apoiar estados e municípios para a melhoria da gestão de resíduos sólidos, traz retrocessos imensos ao estimular a adoção de tecnologias obsoletas e poluentes, abandonadas na Europa e nos EUA, como a incineração dos resíduos para gerar energia.
De tal forma que esse “revogaço” ambiental marcará triunfalmente o início da nova gestão Lula e Marina Silva (detalhe importante: enquanto escrevemos essas linhas, a ex-Ministra ainda não foi oficialmente anunciada como titular da pasta que a consagrou como uma das principais lideranças internacionais em matéria de meio ambiente).
Ademais, no rol de mais ações esperadas, a atualização (leia-se, uma nova diretriz) do ICMbio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e do próprio Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis) contam com atenção especial.
Ainda assim, a ação/tarefa que mais exige pressa diz respeito, sobretudo, a organizar medidas de segurança humana, de combate às mudanças climáticas e de defesa da maior floresta tropical do mundo, cuja criminosa destruição (queimadas e desmatamentos que batem recordes ano após ano) está em crescimento desde 2017 — foi de 73% a taxa de desmatamento nos três primeiros anos do governo Bolsonaro. Tema central, inútil dizer às claras que restaurar ecossistemas de alto carbono, como é o caso de florestas, é de fundamental importância como iniciativa internacional para mitigar as mudanças climáticas.
Para que se eliminem dúvidas, o que estamos dizendo abertamente diz respeito à regeneração do planeta. Sob esse nobre sentimento, recordemos a mensagem do Papa Francisco, anunciada em abril de 2021, mas sempre atual: “é preciso cuidar da natureza para que ela cuide de nós”. Por isso, vale observar com cuidado, organizar uma força-tarefa envolvendo outros ministérios, notadamente o da Agricultura e da Segurança Pública, e olhar com mais atenção para os outros biomas do País (especialmente o Cerrado e o Pantanal), integra, de modo prático, um conjunto de ações que vise resgatar de vez o Brasil para a condição que sempre ocupou e que foi perdida diante da chegada desastrosa de Bolsonaro ao poder: protagonista da pauta ambiental global.
Está no radar das próximas ações propositivas retomar as negociações e “recuperar” o colegiado (comitê e grupo técnico) que faz a gestão do Fundo Amazônia, descongelando o montante de R$ 3,6 bilhões repassados por Noruega e Alemanha. Não menos importante, é a questão urbana, das cidades, onde vivem mais de 80% da população brasileira. É nas cidades onde os efeitos negativos das mudanças climáticas serão mais sentidos - e, principalmente, pela população que já se encontra em situação de vulnerabilidade: quem vive nas regiões periféricas das grandes cidades.
Aliás, pelas mãos de Marina Silva, já foi encaminhado um pedido formal à John Kerry (enviado especial dos Estados Unidos para o clima) para que o país liderado por Joe Biden passe a contribuir com o Fundo. Dinamizar esse Fundo, bem sabemos, é tarefa-chave. De 102 projetos apoiados pelo Fundo Amazônia (criado em 2008), apenas 47 já foram concluídos. Há muito ainda por fazer e a hora é essa.
Por último, mas não por fim, superando desafios inéditos e sepultando de vez quatro “trágicos” anos de escuridão de governo Bolsonaro, alimentado por uma militância extremista que mais se assemelha a uma seita de lunáticos que ajudou a transformar a pauta ambiental doméstica em agenda ideológica, o novo Brasil de Lula e Marina, e de todos os brasileiros que sustentaram a frente ampla pela democracia, volta a ter compromisso com a realidade, e, mais do que isso, volta a recuperar a imagem do país, especialmente para a luta de todos: o desmatamento zero na Amazônia.
Justamente por isso, ao reinserir o Brasil na arena internacional, quem sabe sejamos recompensados com a COP30 (em 2025) aqui em nosso pedaço de chão, recebendo as nossas cores e o nosso jeito especial de organizar a questão ambiental.
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O “revogaço” ambiental que o Brasil precisa. Artigo de Marina Helou e Marcus Eduardo de Oliveira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU