Qual o futuro do fundo Amazônia?

Foto: Flávia RC Costa | Divulgação

26 Setembro 2022

 

Após três anos paralisado, Fundo Amazônia pode ser retomado; Estudos apontam que o fundo que destina recursos para projetos ambientais possui quase R$ 3,2 bilhões parados no caixa.

 

A reportagem é de Nicole Matos, publicada por Amazônia.org.br, 22-09-2022.

 

Paralisado desde 2019 pelo governo Bolsonaro, o Fundo Amazônia poderia estar investindo R$3,2 bilhões em projetos de conservação e proteção ambiental. No entanto, sob acusações de irregularidades que nunca foram comprovadas, está inativo.

 

Nesta quinta-feira (22), a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 59) foi colocada em pauta para votação no Supremo Tribunal Federal. A ação foi proposta pelo Partido Socialista BrasileiroPSB, pelo Partido Socialismo e LiberdadePSOL, pelo Partido dos TrabalhadoresPT e pelo Partido Rede Sustentabilidade, para que seja reconhecida a omissão da União em relação à paralisação do Fundo Amazônia.

 

Na ADO de relatoria da ministra Rosa Weber, os requerentes alegam que “a UNIÃO está deixando de disponibilizar 1,5 bilhões de Reais, já em conta, que legalmente DEVEM ser desempenhados para financiar projetos de preservação na Amazônia Legal”.

 

O governo federal chegou a ensaiar uma retomada em julho quando publicou no Diário Oficial a criação de um grupo de trabalho. A portaria entraria em vigor no dia 2 de agosto, mas até agora ainda não houve notícias se o grupo foi criado e mais de um mês depois do prazo e em véspera do período eleitoral, há poucas chances de que esse movimento aconteça ainda este ano.

 

Foto: Reprodução

“Levando em conta que estamos em período eleitoral, é evidente que se houver a retomada do Fundo Amazônia ainda neste governo fica parecendo mais uma ação eleitoral do que uma preocupação com a situação da Amazônia. Se isso ocorrer de fato, a primeira pergunta a se fazer é: se é tão importante, por que houve a paralisação? Não tinha como retomar antes? Precisamos ficar bem atentos”, alerta a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Alessandra Cardoso.

 

Alessandra também é uma das autoras do relatório “Fundo Amazônia: aprendizados, resultados e caminhos para a retomada” que aponta que os resultados alcançados pelo Fundo Amazônia, o tornam uma experiência rica e exitosa em termos de arranjo, estratégia e de instrumento de financiamento da política socioambiental no Brasil. O documento aponta também que a sua retomada é fundamental, mas deve vir em conjunto com a reconstrução e o aperfeiçoamento de políticas centrais a uma estratégia nacional de combate ao desmatamento e ao crime organizado na Amazônia.

 

Atualmente existem 102 projetos aprovados, 27 concluídos, 42 em consulta e 14 em análise. Os projetos que já haviam sido aprovados continuaram recebendo o financiamento e até março de 2022 foram desembolsados R$ 1,43 bilhões. Hoje, na carteira do Fundo, o saldo acumulado poderia estar sendo utilizado em novas propostas e na renovação dos contratos que estão correndo risco de perder recursos.

 

A possível retomada do fundo teria profunda importância para redução nos números de desmatamento e queimadas. Na prática as ações apoiadas pelo FA, envolvem a fiscalização das áreas desmatadas, monitoramento ambiental por satélite, programas de desenvolvimento sustentável, assentamentos, reflorestamento, pesquisa, tecnologia e apoio na implantação do Código Florestal por meio da criação de sistemas do Cadastro Ambiental Rural (CAR).

 

O relatório do Inesc aponta que ao longo desses onze anos o Fundo Amazônia teve resultados positivos, entre eles o incentivo a projetos em 4.330 imóveis rurais com projetos de produção sustentável e o apoio para inscrição no CAR para mais de 746.905 mil produtores beneficiados por meio de inscrição de seus imóveis no CAR, numa área de mais 90 milhões de hectares.

 

Onde o dinheiro do Fundo foi investido?

 

Um dos projetos beneficiados pelo Fundo Amazônia é o Valorizando Cadeias Socioprodutivas Amazônicas, do Instituto Centro e Vida (ICV), que está com os dias contados para o fim do contrato e com a paralisação do fundo não é possível ser feito um novo financiamento para continuar recebendo a doação. “Sabendo do risco, chegamos a fazer um encontro para tentar buscar uma saída com as organizações comunitárias parceiras do projeto, nós temos trabalhado para buscar continuidade através de outros mecanismos de financiamento”, explica Camila Rodrigues, diretora adjunta do ICV.

 

A iniciativa teve início em 2018 com o objetivo de fortalecer arranjos produtivos sustentáveis da agricultura familiar na Amazônia Mato-grossense em torno de 6 cadeias de valor (leite, café, cacau, castanha, babaçu e hortifrutigranjeiros). Cerca de vinte organizações locais, com aproximadamente quatrocentas famílias, estão sendo fortalecidas pelo projeto.

 

Projeto Castanha do ICV (Foto: Reprodução)

 

“Tivemos resultados importantes, como implementação de tecnologias e boas práticas de produção em todas as cadeias (manejo orgânico, estufas, manejo rotacionado, manejo florestal não madeireiro, sistemas agroflorestais), incluindo restauração de áreas degradadas. Em termos de comercialização, o maior ganho foi um arranjo regional criado para abastecer o mercado da região. Iniciativa que chamamos de Rota Local, e que distribui produtos de hortifruti para os mercados de varejo/atacado, escolas, hospitais, restaurantes e refeitórios de industrias”, ressalta Camila.

 

Produtos da cooperativa Coopervila distribuídos pela Rota Local (Foto: Reprodução)

 

Paralisação no governo Bolsonaro

 

Em 2019, o presidente Jair Bolsonaro paralisou o fundo após o então Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentar mudar os mecanismos de gestão do fundo e acusar supostos indícios de irregularidades financeiras em projetos de organizações sociais após analisar ¼ dos contratos, sem apresentar documentos e citando dados isolados.

 

A medida afetou diretamente os contratos ativos. “Ficamos um ano sem receber repasses de recursos e diversas ações que estavam em andamento pararam. Tivemos que explicar em inúmeras reuniões o porque os recursos estavam travados, mas isso impactou diretamente na vida das famílias agricultoras, que já tinham planos com os investimentos e ações que tínhamos acordado”, relata Camila.

 

Simultaneamente, também em 2019, o governo federal decidiu extinguir o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa) e o Comitê Técnico do Fundo Amazônia (CTFA), os dois órgãos responsáveis pela administração do fundo.

 

Em junho de 2022, relatório publicado pela Controladoria-Geral União (CGU) aponta que o governo Bolsonaro mentiu ao apontar supostas irregularidades como justificativa para congelar R$ 3,2 bilhões do Fundo Amazônia. O dinheiro, doado pela Noruega responsável por 93,8% dos recursos e Alemanha por 5,7% , está parado em uma conta do BNDES.

 

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é o responsável pela gestão, captação de recursos, contratação e do monitoramento dos projetos e ações apoiados no Fundo Amazônia, que foi criado em 2008. A experiência de mais de uma década do Fundo Amazônia evidenciou a capacidade do BNDES de se adaptar a novos modelos de gestão de recursos e de rever alguns limites operacionais para uma atuação mais efetiva.

 

Em entrevista ao site Amazônia.org, a autora do relatório e assessora política do Inesc, Alessandra Cardoso, contou um pouco mais sobre a importância do Fundo Amazônia e dos assuntos que giram em torno dele atualmente. Confira:

 

Quais foram os principais resultados do estudo feito pelo Inesc em relação ao Fundo Amazônia?

 

A principal conclusão da análise realizada do Fundo Amazônia foi a de que ele acumulou uma rica e satisfatória experiência como sendo um instrumento de financiamento da Política de Combate ao Desmatamento na Amazônia. Como mostram os resultados, foram apoiados pelo Fundo, por exemplo, mais de 100 Terras Indígenas, lembrando que, como mostrou um relatório da ONU divulgado no ano passado, “as taxas de desmatamento na América Latina e no Caribe são significativamente mais baixas em áreas indígenas e de comunidades tradicionais onde os governos reconhecem formalmente os direitos territoriais coletivos.” Além disso, houve o incentivo a projetos em 4.330 imóveis rurais com projetos de produção sustentável. O dado mais relevante é o fato de que entre 2014 e 2018, o desmatamento na Amazônia diminuiu.

 

Se os projetos apoiados pelo Fundo Amazônia tem como objetivo a prevenção e o combate ao desmatamento, a conservação e o uso sustentável das florestas, podemos prever um cenário pior do que o que estamos vivenciando atualmente caso não haja um retorno do Fundo?

 

Acredito ser importante resgatarmos o cenário que temos atualmente e que é o grande alerta que fazemos: em 2019, as iniciativas do Fundo Amazônia foram paralisadas pelo atual governo de Jair Bolsonaro (com o então ministro Ricardo Salles), dando início a uma era de destruição da política ambiental na região. Não faltam exemplos recentes de denúncias sobre falta de pessoal, gestão infralegal, nomeações políticas sem capacidade técnica, orçamentos muito baixos e, não menos importante, com as mensagens de autoridades do Poder Executivo Federal prejudicando o desempenho do Ibama na fiscalização e incentivado a prática de atos ilegais, ampliando o desmatamento e a violência na região.

 

O Plano de Ação para Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia Legal foi extinto em 23 de abril de 20201 e, no seu lugar, surgiu o Plano Nacional para o Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa (2020-2023) que se revelou em um documento vago, sem resultados nem metas definidas.

 

Como consequência da paralisação do Fundo, mais de R$ 3 bilhões estão represados. É um valor que poderia estar sendo usado para subsidiar novos projetos de conservação da Amazônia. Há um claro desinteresse por parte do atual governo em promover ações de combate ao desmatamento e promoção de iniciativas sustentáveis e ambientalmente responsáveis na Amazônia, isso em detrimento do interesse de grandes empreendimentos do agronegócio e da mineração, por exemplo, que avançam cada vez mais na região. Esse avanço não afeta somente a natureza em si, mas também traz grandes impactos para os povos tradicionais e originários que vivem na região, além das populações de comunidades locais. Se esse processo continuar, com certeza, a piora deste cenário será inevitável.

 

Agora em julho foi divulgado no Diário Oficial que o governo federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente, criou um Grupo de Trabalho para analisar a possibilidade de reativação do Fundo Amazônia, podemos enxergar isso como algo realmente efetivo ou é apenas enrolação?

 

Levando em conta que estamos em período eleitoral, é evidente que se houver a retomada do Fundo Amazônia ainda neste governo fica parecendo mais uma ação eleitoral do que uma preocupação com a situação da Amazônia. Se isso ocorrer de fato, a primeira pergunta a se fazer é: se é tão importante, por que houve a paralisação? Não tinha como retomar antes? Precisamos ficar bem atentos.

 

Por isso, para enfrentar esse quadro e suas consequências é fundamental que em 2023 seja eleito um outro governo que não somente restabeleça o que foi desmontado mas que vá além, que ouse na condução da política socioambiental. A falsa oposição entre crescimento e meio ambiente deve ser superada com políticas públicas que coloquem os direitos socioterritoriais no centro de um projeto de superação das desigualdades, de proteção das florestas e da sociobiodiversidade e de fortalecimento da economia e da renda das pessoas.

 

Qual o verdadeiro potencial do Fundo Amazônia caso ele seja retomado?

 

A proteção da Amazônia e dos seus povos! O Fundo Amazônia foi proposto pelo Brasil em 2007 durante a 13ª Conferência das Partes da Convenção da ONU para o Clima como parte das ações de combate ao desmatamento na região. Talvez, hoje, ele seja o principal instrumento de financiamento de uma política socioambiental eficaz de combate ao desmatamento e de fomento de iniciativas que protejam a Amazônia. Como toda política, é passível de melhorias ao longo dos anos, tendo em vista as constantes mudanças conjunturais, mas, veja bem, com 102 projetos aprovados, apenas 27 foram concluídos. Na carteira do Fundo, atualmente, existem 42 projetos em consulta e 14 em análise. Se com 27 projetos concluídos os resultados foram satisfatórios, com diminuição real do desmatamento como mencionado anteriormente, imagine com a execução e finalização de todas as iniciativas que estão paralisadas.

 

Leia mais