O sonho do Instituto de Tecnologia da Amazônia. Entrevista com Carlos Nobre

Flona Tapajós, Pará, Brasil - Igarapé que corta a Comunidade São Benedito, na altura do Km 77 da BR-163 | Foto: FlickrCC/Oregon State University/Marizilda Cruppe

18 Janeiro 2023

Transformar o coração da Amazônia em um centro de produção de ciência de ponta, incorporando conhecimento técnico com os dos povos originários. Não fosse a mente por trás desse projeto, ele soaria impossível em uma região cada vez mais degradada e entregue ao crime ambiental. Mas o climatologista Carlos Nobre, uma das maiores referências em mudanças climáticas do Brasil e um dos maiores pesquisadores da floresta, está focado em transformar este antigo sonho em realidade.

Há três décadas Nobre projetou que a Amazônia passaria por um processo de savanização caso o desmatamento continuasse elevado e hoje é considerado precursor por seus estudos. Embora suas previsões tenham se tornado uma infeliz profecia, o cientista não perde a esperança de ver uma mudança radical desse processo de destruição, cada vez mais próximo de se tornar irreversível. No mesmo ano em que se tornou o segundo brasileiro a entrar para a Royal Society, a sociedade científica mais antiga do mundo, Nobre lançou também o pré-projeto do inovador Instituto de Tecnologia da Amazônia (AmIT), que pretende ser um centro de pesquisa e ensino Pan-Amazônico, inspirado no Massachusetts Institute of Technology e focado no desenvolvimento de uma nova bioeconomia.

Aos 71 anos, Nobre está otimista sobre o futuro da maior floresta tropical do mundo. Acredita que, com as políticas ambientais corretas, o Brasil pode zerar o desmatamento em poucos anos, se tornar um dos primeiros grandes emissores a cumprir os objetivos do Acordo de Paris e virar uma referência mundial no desenvolvimento de uma bioeconomia baseada em recursos naturais, biodiversidade e florestas. Em entrevista à Mongabay por vídeo, realizada no início de dezembro, o engenheiro, doutor em Meteorologia pelo Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT), pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) e autor de vários relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) falou sobre a situação atual da Amazônia após quatro anos sob Bolsonaro, analisou os cenários para a floresta após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva e detalhou os planos do AmIT, que deve começar a sair do papel em um futuro próximo.

A seguir, reproduzimos a entrevista com Carlos Nobre, realizada por Jaqueline Sordi e publicada por Mongabay, 16-01-2023.

Carlos Nobre (Foto: Academia Brasileira de Ciência)

Carlos Nobre possui graduação em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica e doutorado em Meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology. Foi pesquisador no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - Inpa e no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - Inpe.

Exerceu funções de gestão e coordenação científicas e de política científica, atuando como presidente da Capes, diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais - Cemaden, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI, chefe do Centro de Ciência do Sistema Terrestre - CCST-Inpe e coordenador geral do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos - CPTEC-Inpe.

Também atuou na coordenação de experimentos científicos, como coordenador científico do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia - LBA, coordenador brasileiro do Anglo-Brazilian Climate Observations Study - Abracos e coordenador brasileiro do Experimento Amazalert entre instituições europeias e sul-americanas. Exerceu a presidência do International Advisory Group do Programa de Proteção das Florestas Tropicais do Brasil - PP-G7.

Atualmente é membro do Joint Steering Committee do World Climate Research Programme - WCRP, preside os Conselhos Diretores da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas – Rede Clima e do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas - PBMC.

Confira a entrevista.

Jaqueline Sordi – No início da década de 1990, o senhor publicou os primeiros estudos projetando que, se houvesse um grande desmatamento na Amazônia, ocorreria um processo de savanização da floresta. O que significa essa savanização?

Carlos Nobre – Se olharmos a evolução ecológica da Floresta Amazônica em milhões de anos, nós vamos ver que a floresta só existe quando a estação seca é curta, com três ou no máximo quatro meses — e chove durante a estação seca. A floresta foi evoluindo com um sistema próprio e eficiente de reciclagem de água pelas árvores, o que aumentou a chuva, diminuiu a duração da estação seca e diminuiu bastante a temperatura na região, em pelo menos cinco graus, mantendo a floresta tropical.

Outro aspecto muito importante da evolução da floresta é que ela é ombrófila densa, ou seja, totalmente fechada. Praticamente toda radiação solar é absorvida pelas árvores e muito pouco da radiação chega nos solos: em torno de 4%, e, em lugares muito densos, chega a 2%.

Portanto, não tem energia solar para evaporar a água, o que deixa o solo muito úmido. Então quando ocorre uma descarga elétrica, ou seja, um raio, ele traz tanta energia que seca o local e pega fogo, mas esse fogo não se propaga por causa dessas condições da floresta. Essa é uma evolução ecológica de milhões e milhões de anos que permitiu à floresta tropical ser do jeito que ela é, com um avanço muito maior da biodiversidade, um número muito maior de espécies, com capacidade de armazenar muito mais carbono.

Isso difere do Cerrado, das savanas tropicais, em que a estação seca é de seis meses, onde o fogo é um elemento que existe há dezenas de milhões de anos e o bioma se adaptou a ele e evoluiu, por exemplo, com árvores com casca muito grossa. Na savana é muito seco. As árvores da savana têm raízes profundas, mas elas cobrem entre 20-25% da superfície. O resto são gramíneas e arbustos que entram em senescência, ou seja, param de fazer fotossíntese e transpiração, secando o solo.

Jaqueline Sordi – Há 30 anos, os estudos projetavam esse cenário de savanização. Hoje ele já é uma realidade?

Carlos Nobre – Naquela época, menos de 10% de toda Amazônia estava desmatada, e o que os estudos apontavam era uma projeção. Infelizmente, hoje não é mais uma projeção. De 1979 até 2021, a estação seca em todo o sul da Amazônia, em que já temos mais de 35% da floresta desmatada, ficou de 4 a 5 semanas mais longa, e a estação chuvosa atrasou de 4 a 5 semanas para começar. Isso está acontecendo por uma combinação de fatores: o aquecimento global e a mudança nos usos da terra. O aquecimento global está induzindo um aumento da temperatura do Oceano Atlântico, ao norte do Equador Tropical, e essa água mais quente induz secas.

Períodos de seca sempre aconteceram, mas elas aconteciam mais ou menos a cada duas décadas, e por isso a Floresta Amazônica evoluiu praticamente sem fogo. Eventualmente ocorria uma super seca causado pelo El Niño, o que acontecia uma vez por século ou a cada 200 anos, e nessas ocasiões uma descarga elétrica poderia gerar fogo e queimar uma grande área, mas depois a floresta tinha décadas e décadas para se regenerar: a floresta secundária crescia, depois a primária tomava conta novamente.

Agora, as secas estão acontecendo com uma frequência muito grande, cerca de duas vezes por década. Como elas acontecem de forma muito seguida, aumenta a mortalidade das árvores sem tempo de recuperação. A floresta não está adaptada para se recuperar de secas tão frequentes. Esse é um dos fatores. Junto com ele temos a questão do grande desmatamento em todo o sul da Amazônia, desde o Atlântico até a Bolívia (mais de 2 milhões de km²), que prejudica o processo de reciclagem de água.

A floresta evoluiu com muita eficiência na reciclagem de água. Cerca de 10 a 20% das árvores têm raízes muito profundas que acessam a água que caiu na estação chuvosa. Durante a estação seca elas puxam a água, trazem para o solo, próximo da superfície, distribuindo para outras árvores. Como nessa estação há mais radiação solar, as folhas transpiram muito, o que chamamos de evapotranspiração, cerca de 4,5 mm por dia. Essa transpiração forte na estação seca traz muita água para a camada atmosférica, umidificando-a. Em determinadas regiões da Amazônia você chega a ter 270 a 300 dias por ano com chuva.

Então, quando você desmata, o que acontece nessa área que é substituída por pastagens é uma baixa transpiração, cerca de 1,5 mm por dia. Ou seja, três vezes menos água subindo e ajudando a formar nuvens, e uma diminuição de 20% a 30% das chuvas na estação seca. E daí o que acontece? Atrasa a estação chuvosa. Isso tudo está provocando um aumento enorme da mortalidade de árvores em toda essa região. E com essa mortalidade, as árvores degradam e emitem gás carbônico para a atmosfera. Toda essa região virou fonte de carbono. Por isso toda essa imensa região está à beira do ponto de não retorno.

Jaqueline Sordi – Quão grave é esse processo?

Carlos Nobre –  Isso é gravíssimo. Eu colocaria isso na lista dos maiores impactos das mudanças climáticas, junto, por exemplo, com o que ocorre no Oceano Ártico. Enquanto a temperatura média do planeta já subiu 1,15 °C, no Ártico ela já subiu 4 °C. Isso aconteceu porque o gelo reflete 60% da radiação solar. Quando você tira o gelo, a água reflete só 6%. Toda essa radiação solar extra aquece o oceano. Esse é um lugar que a mudança climática está explodindo, e o outro lugar em que também está explodindo é no sul da Amazônia, onde a temperatura já subiu 2 °C.

Jaqueline Sordi – Mas já chegamos nesse ponto de não-retorno? Ele é reversível?

Carlos Nobre – Há cientistas que acham que o extremo sul da Amazônia pode já ter passado desse ponto de não retorno, e que não há mais o que fazer, porque conforme a floresta vai morrendo, induz menos chuva e vai ficando um clima cada vez mais parecido com o Cerrado. Outros cientistas, inclusive eu, achamos que se nós vencermos dois enormes desafios, o de não deixar a temperatura global passar de 1,5 °C e o de zerar o desmatamento, ainda conseguimos fazer a floresta permanecer ali. Mas precisamos fazer os dois, pois mesmo se a gente zerar o desmatamento, uma mudança climática que ultrapassasse 2 a 2,5 °C conduziria a savanização da Amazônia.

A estação seca está aumentando uma semana por década, então em mais duas ou três décadas poderá atingir 6 meses de estação seca, e aí não teria mais retorno. Viraria um ecossistema com a cara do Cerrado, mas muito pobre em biodiversidade e que armazena muito menos carbono. Se passar desse ponto, estudos de projeção indicam que 50% a 70% da Amazônia como conhecemos hoje desapareceria.

A floresta só permaneceria no Oeste, porque os Andes induzem muita chuva na região. Ao mesmo tempo, se a gente não tivesse o aquecimento global, mas o desmatamento ultrapassasse 40% na Amazônia, diminuiria tanto a reciclagem de água da floresta que a estação seca também ficaria com uma duração superior a seis meses, e também induziria à savanização. Então para evitar esse cenário é preciso superar esses dois desafios e há também um terceiro elemento que é a restauração da floresta.

Jaqueline Sordi – Na COP27, o senhor apresentou um projeto sobre restauração florestal. Pode falar mais sobre ele?

Carlos Nobre – Eu e vários pesquisadores como a Luciana Gatti acreditamos que se tivermos sucesso no Acordo de Paris, se zeramos o desmatamento e reconstruímos rapidamente a floresta secundária nesta área do sul da Amazônia, conseguiremos fazer a floresta permanecer ali. É sobre isso o projeto que lançamos na COP27, chamado Arcos da Restauração Florestal.

A floresta secundária evoluiu em dezenas de milhões de anos junto com a floresta primária da seguinte forma: quando você tinha uma mega seca provocada pelo El Niño, o que acontecia mais ou menos uma vez por século, o fogo acabava destruindo milhares de quilômetros quadrados da floresta. Nessas ocasiões, a floresta secundária rapidamente crescia, cobrindo tudo em 5 a 7 anos.

Depois, devagar, a floresta primária ia voltando a crescer. Hoje, como as secas estão mais frequentes, não há tempo para esse processo, por isso achamos que é preciso ter dois arcos de restauração, um imenso do Atlântico até a Bolívia, de 2,3 milhões de km², e outro ao longo dos Andes. Na região dos Andes, por mais que a chuva seja muito intensa e dificilmente a floresta irá desaparecer, é a região com a maior biodiversidade do planeta. Se desmatar ali demais, há um enorme impacto na biodiversidade.

Jaqueline Sordi – Sobre o Acordo de Paris, em 2015 o Brasil havia se comprometido a neutralizar as emissões de gases de efeito estufa até metade do século. Só que, de lá para cá, o país vem aumentando suas emissões, principalmente pelo aumento no desmatamento. Ainda é possível cumprir o acordo?

Carlos Nobre – Sim, e para isso é preciso em primeiro lugar zerar o desmatamento e a degradação em todos os biomas, pois continuamos com níveis muito altos. Tivemos 60% de aumento do desmatamento da Amazônia [durante o governo Bolsonaro]. Também houve nesse período um enorme desmatamento do Cerrado, da Mata Atlântica, dos Pampas. O desmatamento é responsável por quase 50% das nossas emissões, e nos dados oficiais dos inventários de emissões] não constam aquelas provenientes da degradação, que são altíssimas também.

Então temos que zerar a degradação também. Se atingirmos esse objetivo nos próximos anos, já praticamente alcançamos o primeiro objetivo do Acordo de Paris, que é o de reduzir em 50% as emissões até 2030. E aí temos o desafio seguinte, que é zerar as emissões líquidas até 2050, o que é totalmente factível. Quase 30% das nossas emissões vêm da agropecuária, principalmente pela emissão de metano. Podemos praticar uma agricultura e pecuária regenerativas, aumentando a produtividade da pecuária a um nível tão grande que utilizaremos menos de 50% dos cerca de 1,7 milhões de km² de pastagem hoje utilizados com muito mais eficiência e reduzindo muito as emissões.

Em uma escala de 15 a 20 anos, antes mesmo de 2050, dá para fazer isso. Em 3 a 5 anos é possível transformar a agricultura e pecuária em regenerativas sem um enorme custo, mas, para tal, políticas de governo e o setor privado devem investir nessa transformação. Depois, cerca de 18% a 20% das emissões brasileiras provêm da queima de combustíveis fósseis, e o investimento precisa ser em renováveis.

O Brasil tem uma matriz energética com menor emissão, mas toda necessidade de aumento de demanda de energia, o que ocorre principalmente se melhorarmos a qualidade de vida das pessoas mais pobres [o que aumenta o consumo de energia elétrica], precisará ser suprida com energia eólica, solar ou hidrogênio verde. O Brasil tem todas as condições de ser o primeiro país a atingir as metas do Acordo de Paris, é o único entre os grandes emissores que pode reduzir 50% das emissões até 2030, se tornar um grande exemplo, e ser um grande protagonista para todos os países tropicais. Se o Brasil for nessa direção, a nossa economia vai se tornar muito mais poderosa.

Jaqueline Sordi – A eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva despertou um sentimento de esperança em diversos setores da sociedade civil. No entanto, os governos anteriores do PT também foram marcados por alguns retrocessos nas pautas ambientais. O senhor acredita que a partir de 2023 teremos uma retomada das políticas sociais e ambientais que ficaram abandonadas durante o governo Bolsonaro?

Carlos Nobre – Existe uma crítica muito conhecida, que é o fato de a usina de Belo Monte ter sido aprovada no primeiro governo Lula. No entanto, eu acho que já houve uma mudança de postura e que haverá uma mudança nas políticas. No meu ponto de vista, esse novo governo já não defende uma expansão absurda das hidrelétricas, por exemplo.

É claro que precisamos esperar para começar a ver quais serão as novas políticas de governo, mas de qualquer forma o discurso do candidato e depois presidente eleito Lula vai na direção de uma economia de floresta em pé, em que a árvore em pé vale muito mais do que a árvore derrubada, uma nova economia que deve respeitar todos os direitos das populações tradicionais e que querem manter a floresta em pé. E isso vale para todos os ecossistemas, inclusive os aquáticos.

Se passaram 20 anos [do primeiro governo Lula], e nesse período o preço da energia solar caiu 80%. Hoje, a energia eólica já é um terço da do preço da termelétrica e é menos da metade do preço da hidrelétrica. Então nós temos soluções sustentáveis para o fornecimento de energia.

Vinte anos depois, o mundo evolui muito em soluções sustentáveis. Por isso, eu sinto que alguns dos equívocos das administrações dos primeiros oito anos do governo Lula serão corrigidos. Não imagino que o novo governo irá criar qualquer política que encoraje e incentive o desmatamento, a degradação. O presidente já disse muito claramente que vai investir no combate ao crime organizado, ao crime ambiental, que explodiu na Amazônia nos últimos quatro anos.

Jaqueline Sordi – De que forma o governo deve atuar para cumprir essa promessa de redução da criminalidade e degradação da floresta?

Carlos Nobre – O grande sucesso que o governo Lula e depois o primeiro governo Dilma [Rousseff, sucessora de Lula] tiveram reduzindo o desmatamento em 83% [de 2004 a 2012] foi devido a vários fatores, mas alguns dos mais importantes foram as políticas de comando, controle e punição e a criação de áreas de proteção ambiental e demarcação de terras indígenas.

O desmatamento, a degradação, o roubo de madeira, a abertura de pista clandestina da mineração ilegal, tudo isso é possível ver por satélite. O satélite enxerga o crime já no primeiro dia em que ele acontece. Não é como o narcotráfico, em que é difícil rastrear onde está a droga. Então, com uma ação efetiva de comando e controle, você cerca o crime.

Lá atrás [nos governos anteriores do PT], a Polícia Federal também realizou inúmeras investigações para descobrir a origem de quem financiava o crime ambiental. Existe sim uma possibilidade de atacar o crime ambiental, e é o que se compromete esse novo governo. Além disso, temos agora a criação do Ministério dos Povos Originários, que ajudará muito no processo de demarcação de terras indígenas.

Jaqueline Sordi – O senhor está liderando um projeto inovador, o Instituto de Tecnologia da Amazônia (AmIT), que já foi chamado de “MIT da Amazônia” por trazer a proposta de desenvolver uma bioeconomia baseada em recursos naturais, biodiversidade e florestas de forma revolucionária, inspirada no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). O que é esse projeto?

Carlos Nobre – A ideia é termos um instituto de desenvolvimento de tecnologia no mesmo padrão do MIT, só que o AmIT já está sendo pensado e desenvolvido desde o início como pan-amazônico. Ele terá núcleos de pesquisa e de ensino de forma descentralizada por toda a Amazônia. A ideia é envolver o maior número de países amazônicos possíveis. Já iniciamos algumas conversas preliminares com Colômbia, Bolívia, Peru e Equador.

A ideia é que seja tudo na Amazônia, mas em muitos locais, em muitas cidades. No Brasil, por exemplo, os estados do Pará, Amazonas, Acre, Rondônia e Amapá demonstraram interesse. Haverá inúmeros laboratórios flutuantes em barcos, bases de pesquisa móveis e fixas, assim como centros educacionais. É algo bastante novo porque pretendemos utilizar tecnologias modernas e virtuais para o ensino.

Queremos desenvolver esse centro de desenvolvimento de tecnologia e de ensino, aberto para alunos de toda Amazônia, incorporando os conhecimentos dos povos originários. Esse projeto é um sonho grande. Eu já tenho esse sonho há muito tempo. Várias outras pessoas também compartilham dessa ideia e agora chegou o momento de nós tentarmos implementar.

Jaqueline Sordi – Nos documentos preliminares do projeto são citados cinco eixos principais de atuação do AmIT. Você pode explicar quais são eles?

Carlos Nobre – Os cinco eixos, que são os centros de pesquisa e desenvolvimento, serão: águas da Amazônia, florestas e sociobiodiversidade, paisagens alteradas, infraestrutura sustentável e Amazônia urbana. Essas são as cinco grandes áreas em que vamos desenvolver de fato uma nova bioeconomia, e não serão centros únicos geograficamente falando. Idealmente, eles serão disseminados por toda a Amazônia. Essas são as grandes áreas para se desenvolver o que nós chamamos de bioeconomia de florestas em pé e rios fluindo.

Águas da Amazônia porque esse é o lugar com maior sistema fluvial de água doce do mundo, maior vazão e maior diversidade de sistemas aquáticos, e é perfeitamente possível desenvolver uma sociedade industrializada que utilize todas as formas de energia renovável sem precisar de grandes hidrelétricas que causam uma grande transformação nos ecossistemas aquáticos da Amazônia. Amazônia urbana porque 65% da população da Amazônia, o que corresponde a 44 milhões de habitantes, é urbana, e precisamos desenvolver soluções também para essas pessoas, avançando com infraestrutura sustentável de transporte, de telecomunicações, energia, entre outros.

Florestas e sociobiodiversidade porque obviamente esse é o grande potencial que a Amazônia tem, já que é o lugar com a maior biodiversidade do planeta e que conta com os conhecimentos dos povos tradicionais e comunidades locais. E por fim paisagens alteradas porque obviamente a Amazônia tem mais de 2 milhões de km² desmatados ou degradados, então existe um enorme potencial, por exemplo, de desenvolver sistemas agroflorestais em boa parte das paisagens alteradas.

Jaqueline Sordi – Em julho deste ano foi apresentado um pré-estudo de viabilidade do AmIT. Em que fase o projeto está agora?

Carlos Nobre – O MIT nos ajudou a fazer um pré-estudo de viabilidade, algo ainda preliminar, que foi lançado em meados deste ano. Agora, estamos desenvolvendo o estudo pleno e o plano de implementação. Queremos desenvolver esse plano completo até meados do ano que vem para entregar em agosto ou setembro. Neste plano já vamos demonstrar como serão todos os laboratórios, o sistema educacional, como desenvolver a infraestrutura física.

Estamos desenvolvendo um plano bem arrojado, com infraestrutura educacional e de laboratório descentralizados que terão o objetivo de construir essa nova economia da floresta em pé, algo que estamos defendendo há muito tempo. O instituto será um importante formador de milhares de alunos por ano em todas essas áreas para a nova economia. O AmIT será também um parceiro de toda a rede amazônica nacional e principalmente internacional de institutos de pesquisa e de universidades. Não é uma coisa única, é uma coisa em parceria com instituições já existentes.

Jaqueline Sordi – Vocês já estão articulando essas parcerias?

Carlos Nobre – Para esse projeto, além de continuarmos em parceria com o MIT, estabelecemos parcerias com a Universidade de Stanford, por exemplo, além de inúmeras parcerias no Brasil, com governos estaduais, com a Universidade Federal de São Paulo [USP], o Instituto Nacional de pesquisa da Amazônia [Inpa], o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais [Inpe], além de várias outras universidades nacionais e internacionais e com o setor privado.

Quando lançarmos o plano, em meados do ano que vem, vamos buscar também uma grande parceria internacional com bancos, como o Banco Mundial, o Banco Nacional do Desenvolvimento [BNDES], entre outros, além de bancos privados e governos que financiem a construção do AmIT.

Jaqueline Sordi – No sumário executivo do AmIT, vocês afirmam que a visão revolucionária – e também o maior desafio do instituto — é focar as ações no empoderamento social. Como isso será feito?

Carlos Nobre – Esse empoderamento social das populações amazônicas será baseado em educação de qualidade, no padrão MIT, e na criação de condições de desenvolvimento para a implantação muito rápida e efetiva dessa nova economia da floresta em pé, gerando uma grande quantidade de novos produtos, em quantidade suficiente para alimentar essa nova bioeconomia. Portanto, a ideia é termos um grande número de alunos jovens da Amazônia urbana e rural, de populações indígenas, de comunidades quilombolas e ribeirinhas. O objetivo é dar uma opção para todos esses jovens de ter uma educação que lhes permita se engajar em todos os ângulos dessa nova bioeconomia.

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