14 Outubro 2022
O último testemunho chegou em janeiro passado, através da Unidade de crise do Ministério das Relações Exteriores, por um suposto membro do ISIS, o Estado Islâmico. Ele diz que seu nome é Ibrahim Saleh Al Hamdan, e na frente de uma câmera conta o sequestro e assassinato do padre Paolo Dall'Oglio, que desapareceu de Raqqa, na Síria, em 29 de julho de 2013.
Mas os elementos disponíveis não permitem que se prossiga na apuração da responsabilidade e, portanto, o Ministério Público de Roma levanta a bandeira branca pedindo o arquivamento da investigação. Agora caberá a um juiz decidir, avaliando as pistas coletadas com dificuldade por procuradores e investigadores. A começar justamente pela reconstrução de Al Hamdan.
A reportagem é de Giovanni Bianconi, publicada por Corriere della Sera, 12-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Naquele dia, há nove anos, segundo o vídeo conseguido pelo subprocurador Sergio Colaiocco, o motorista do ISIS (ou Daesh, em árabe) estava com o líder Abu Hamzeh Riadiat, quando este foi avisado de que o jesuíta italiano - na época 59 anos, defensor do diálogo inter-religioso com o mundo islâmico, expulso da Síria um ano antes - havia sido sequestrado por um certo Kassab, responsável pela aldeia Karama, a leste de Raqqa.
Lá o padre Dall'Oglio tinha ido para se encontrar com o emir Abu Lukman, com quem pretendia interceder pela libertação de dois religiosos (um greco-ortodoxo e outro sírio-ortodoxo) sequestrados em abril por um grupo jihadista. Abu Lukman, porém, não estava lá, Dall'Oglio conversou com outra autoridade e após se afastar a pé se deparou com o grupo liderado por Kassab que, pressentindo o “potencial” do possível prisioneiro, o tomou como refém.
Ao ouvir esse relato, Abu Hamzeh Riadiat imediatamente procurou Kassab pelo telefone, conseguiu falar com ele depois de uma hora, mas "este último informou-o de que já havia matado o padre Dall'Oglio". Riadiat, "extremamente irritado com o ocorrido e por não ter sido informado", imediatamente foi ao encontro do Emir Abu Lkma na barragem de Al Baath, sempre acompanhado pela testemunha Al Hamdan. Quem relata que o emir "enfureceu-se exigindo a prisão de Kassab".
O suposto réu confesso foi então detido e ficou preso por dois dias, nos quais explicou que havia matado o sequestrado depois de estar convencido de que "representava uma ameaça, pois se chegasse a uma reconciliação entre as facções, estas poderiam tomar partido contra nós". O assassinato, teria acrescentado Kassab, foi cometido apesar das tentativas de Dall'Oglio de convencê-lo de que "não se podia assassinar um padre seu hóspede", e o corpo da vítima teria sido enterrado em um "cemitério conhecido pelos moradores, bem como pelos membros do Daesh da época, alguns dos quais estão atualmente detidos pelos curdos”.
O relato de Ibrahim Saleh Al Hamdan, por mais genérico que seja, é o mais detalhado entre os acumulados durante nove anos de investigação e se sobrepõe a outras indicações sobre o mesmo hipotético assassino. Já uma fonte confidencial do Aise, definida pelo serviço secreto italiano para o exterior como um "sujeito sírio com boa circulação nos ambientes de Raqqa", havia dito em fevereiro de 2014 que o padre Dall'Oglio havia sido morto por um certo Kassab Al Jazrawi, "ex elemento de Jabhat al Nusra (facção jihadista ativa desde 2012, ndr) que havia lutado no Iraque”. Segundo a mesma fonte, o assassinato do jesuíta ocorreu após a tentativa de encontrar Abu Luqman e Abu Bakr Al Baghdadi, na época califa e depois emir do Isis.
Outros reféns com melhor sorte relataram ter sabido, durante sua prisão, que o assassinato ocorreu imediatamente após o sequestro. Por exemplo, o ativista de uma organização não governamental Federico Mokya, sequestrado em abril de 2013 e liberado em maio de 2014: “Os meus sequestradores me contaram que tinham assassinado o padre Dall’Oglio, e isso nos foi relatado, creio eu, no mês de fevereiro de 2014. Além disso, conversando com outros sequestrados, percebi que o padre Dall'Oglio estava em Raqqa para realizar uma atividade e ali tinha sido preso”.
Dois dias antes do sequestro, o próprio jesuíta havia escrito um e-mail a um de seus irmãos na Itália para informá-lo de que estava em Raqqa e que no dia seguinte ‘iria para a localidade de Deir El Zor, onde iria ficar dois dias para tratar da libertação de dois irmãos religiosos, que estavam nas mãos de extremistas islâmicos’”.
Esses elementos, juntamente com outros, convenceram o adjunto Colaiocco e o procurador Franco Lo Voi de que a hipótese de um homicídio depois do sequestro “parece ser a mais concreta” em comparação com um sequestro prolongado. No entanto, "a incerteza sobre a identificação" dos responsáveis, indicados por "nomes a serem considerados provavelmente apenas apelidos, impossibilita qualquer aprofundamento posterior". Testes de DNA realizados nos restos mortais de 30 pessoas, entre os quais 13 homens, encontrados em uma vala comum em Raqqa, em 2018, deram resultados negativos.
Na pendência da decisão do juiz e "na ausência de provas e relatos diretos" atualmente considerados impossíveis pelos procuradores, aquele do padre Paolo Dall'Oglio continua sendo o sacrifício de um sacerdote que acreditava no diálogo inter-religioso, que desapareceu na tentativa de salvar duas vidas humanas.
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“Morto imediatamente após o sequestro”. A revelação sobre o padre Dall’Oglio. Mas os promotores: sem provas, arquivam - Instituto Humanitas Unisinos - IHU