25 Março 2020
Há dois antagonistas na luta contra a Covid-19 que raramente são mencionados: o medo da doença e a solidão. Eles reaparecem em todas as epidemias.
"O medo levou à negação da própria existência do Ebola ou ao estigma social em relação aos infectados e suas famílias", relata ao site da Organização Mundial da Saúde um antropólogo africano.
E as medidas de contenção, como a quarentena, podem provocar novas fraturas na sociedade.
"A epidemia não é apenas uma emergência sanitária, mas social e política", explica Umberto Pellecchia, referência para a pesquisa qualitativa e antropológica dos Médicos Sem Fronteiras, que trabalhou na Itália, França e Bélgica e estudou a difusão do Ebola na Libéria em 2014. "É por isso que a quarentena deve ser gerida de baixo e não apenas de cima”.
A reportagem é de Antonella Scarfò, publicada por Business Insider Italia, 24-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
A quarentena não deve se tornar um instrumento de controle e poder.
“Hoje, estão sendo tomadas medidas para corrigir o comportamento dos indivíduos. Por trás dessas medidas institucionais há uma concepção do comportamento humano individualista”, comenta o antropólogo, que especifica que fala de forma pessoal e não pela ONG.
A visão de mundo baseada no indivíduo pertence em geral à nossa cultura contemporânea, explica, mas pode ser uma limitação, porque gera muito medo em uma situação de emergência.
O remédio? É fortalecer as comunidades, evitando impor medidas sem dar voz aos cidadãos:
“A quarentena não deve ser um instrumento de controle e poder. As comunidades devem estar envolvidas no processo de tomada de decisão", ressalta Pellecchia.
De fato, existem condições básicas para que essa medida de contenção possa ser eficaz, de acordo com o estudioso: os direitos civis devem ser garantidos, deve haver compensação financeira pela perda do emprego e um processo transparente de conscientização e compartilhamento de informações.
"Em nível biológico, o vírus afeta todos indiscriminadamente, mas as condições sociais fazem a diferença", enfatiza o antropólogo.
E dessas diferenças devem ser assumidas pelos governos democráticos.
O risco de qualquer crise, de fato, é o agravamento das desigualdades:
“O que me impressiona no momento é que as medidas adotadas, como a distância física ou bloqueio da mobilidade, mostram grandes contradições: a polícia deve multar na rua, mas o metrô está lotado de pessoas indo trabalhar".
Uma leitura antropológica pode nos ajudar a nos sentir parte ativa da solução, não permanecer passivos. Cada epidemia tem sua própria história e comparações não podem ser feitas entre sociedades muito diferentes, mas da experiência na Libéria Pellecchia aprendeu que as comunidades têm a capacidade de se organizar de forma autônoma para se defender contra o vírus, de maneira solidária.
“Comunidades são realidades plásticas, que interpretam a crise, a reelaboram, porque simplesmente ninguém quer morrer. Mesmo durante o Coronavírus, podemos observar como nossas comunidades estão colocando em prática formas de autocontrole e contenção a partir de baixo, continuando a manter uma estrutura social. Basta pensar nos bairros que se organizam de forma autônoma para dar apoio aos idosos. Essas são práticas sociais e as pessoas estão cientes do perigo que correm".
Por que é tão importante permanecermos ativos como comunidade, mesmo quando todo o resto para?
"O ser humano precisa de uma estrutura social que deve necessariamente ser criada em um momento de crise".
Mas hoje existem as comunidades?
"Sim, e mais frequentemente estão nos bairros mais pobres das cidades".
A petição de jovens antropólogos que querem ajudar contra o coronavírus:
"Infelizmente, a disciplina antropológica não é reconhecida como saber prático - comenta o estudioso -. Como antropólogos, levamos em conta o ponto de vista das comunidades para ajudar os epidemiologistas a fazer as perguntas certas, mas no nível institucional sempre há a ideia de que a epidemia deve ser tratada apenas em um plano clínico, legislativo ou coercitivo. E é um indicador de como hoje é interpretada a própria medicina: como um saber técnico”.
Em vez disso, há uma dimensão humanística do saber que se revela inestimável no tempo de quarentena. E as novas gerações parecem estar cientes disso. Entre os voluntários que querem ajudar na emergência, de fato, há também jovens que estudam antropologia: "alguns estudantes de Roma lançaram uma petição no Change.org", revela o antropólogo. Destina-se às mídias para que se fale da comunidade e da importância do inter-relacionamento. Como o coronavírus é uma "doença antropológica", escrevem os estudantes. "E a distância - lembra Pellacchia - deve permanecer física e não social".
O papel da mídia é, portanto, também não ampliar uma narrativa alterada dos fenômenos.
"Estamos em guerra, declarou Macron, mas essa narrativa é muito perigosa. A guerra prevê um inimigo. Que se materializa no outro: os outros antes eram os chineses, depois foram os italianos. Os outros costumam ser os mais fracos”, alerta Pellacchia.
E das palavras aos fatos, é um pequeno passo:
"Essa narrativa pode ser concretizada em seguida, através das forças militares”, conclui o antropólogo.
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O antropólogo que estudou o Ebola: “O coronavírus não é uma emergência apenas sanitária. Diante da epidemia, não somos todos iguais” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU