26 Mai 2018
As apostas em jogo são altas, e devemos esperar e rezar para que o papa entenda bem isso.
A reportagem é de Robert Mickens, publicada em La Croix Internacional, 25-05-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O escândalo profundamente perturbador do abuso sexual clerical no Chile e seu encobrimento pelas lideranças da Igreja no país continuam indo de mal a pior.
Depois de uma investigação liderada pelo Vaticano em fevereiro, que levou o Papa Francisco a convocar uma cúpula de emergência em Roma com toda a hierarquia chilena, houve um fluxo aparentemente ininterrupto de novos casos revelados de crimes sexuais contra jovens.
Primeiro, houve uma reportagem sobre um círculo organizado de pedofilia (ou pelo menos de efebofilia) em uma diocese ao norte da capital, Santiago, onde padres estiveram envolvidos na troca de imagens pornográficas de menores e informações sobre como se envolver sexualmente com esses adolescentes.
Agora, há aqueles no país sul-americano que afirmam que esse cartel de abusos não se limita a uma diocese, mas envolve várias outras dioceses.
Então, na quinta-feira, 24, a Arquidiocese de Santiago admitiu publicamente que seu chanceler, o Pe. Óscar Muñoz Toledo, entregou-se às autoridades da Igreja em janeiro passado por ter abusado sexualmente de jovens.
O que torna esse caso ainda mais dramático é o fato de que o padre de 56 anos estava encarregado de lidar com as denúncias de abuso sexual clerical em Santiago – incluindo aquelas contra o predador em série Fernando Karadima, que tem sido a figura central na crise dos abusos no Chile.
A arquidiocese alega que suspendeu o Pe. Muñoz imediatamente, depois que ele se entregou há mais de cinco meses, e, em seguida, o denunciou à Congregação para a Doutrina da Fé.
No entanto, parece que a equipe arquidiocesana não notificou as autoridades civis no Chile.
Pode-se apenas imaginar o que mais virá à tona nessa horrível saga. E é preciso se perguntar seriamente se a Igreja Católica no Chile é a única na América Latina onde padres e bispos se envolveram em abusos de menores e, depois, em conspirações para manter tudo em segredo.
O falecido cardeal Dario Castrillón Hoyos, um prelado conservador colombiano que morreu na semana passada aos 88 anos, notoriamente ridicularizou a sugestão de que os abusos sexuais do clero poderiam ser um fenômeno mundial.
Em 2002, quando ele era prefeito da Congregação para o Clero, no exato momento em que a crise dos abusos sexuais estava explodindo nos Estados Unidos, Castrillón sugeriu que esse era um problema limitado ao mundo de língua inglesa.
Mais tarde, descobriu-se que o cardeal havia elogiado um bispo na França que se recusou a denunciar um padre abusador aos agentes da lei ou a cooperar com a investigação civil.
Não sabemos se o cardeal Castrillón admitiu alguma vez o seu diagnóstico errôneo da crise dos abusos ou se ele se encaminhou ao túmulo convencido – como ele disse uma vez – de que as chamadas vítimas se manifestam principalmente porque podem conseguir dinheiro.
Em todo o caso, o que foi revelado no Chile mostra que ele prestou um grande desserviço aos que foram estuprados e manipulados pelo clero católico, por causa de suas negativas da magnitude do problema.
Não é preciso ser clarividente para ver que as dioceses de toda a América Latina (assim como da Europa, Ásia e África) acabarão descobrindo que o abuso sexual clerical existe em suas comunidades em uma escala comparável à que presenciamos nos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Irlanda e Austrália e à que estamos vendo na Alemanha, França, Bélgica e em uma lista crescente de outros países.
A grande questão agora é o que o Papa Francisco fará em seguida. Ele não fez muito (pelo menos publicamente) para enfrentar o abuso sexual por parte do clero nos primeiros cinco anos de seu pontificado. Mas ele certamente fez uma grande reviravolta nos últimos meses no modo como está enfrentando a crise no Chile.
Relatou-se que, durante as suas recentes reuniões em Roma, cada bispo chileno (26 ordinários e cinco auxiliares) entregou um pedido de renúncia por escrito, deixando a Francisco a opção de demitir quem ele quiser.
Mas, depois, descobriu-se que o bispo Santiago Silva, o chefe do ordinariato militar nomeado por Francisco e presidente eleito da Conferência Episcopal nacional, não assinou nenhuma carta desse tipo. Assim como nenhum bispo que dirige um vicariato apostólico em uma região missionária distante do país.
Isso significa que 29 bispos se ofereceram para renunciar. Alguns supõem que esses prelados o fizeram como uma forma de enfrentar o papa e forçar sua mão. De acordo com essa análise, os bispos basicamente disseram a Francisco que ele deve arrumar a bagunça deles.
É dificilmente concebível que o papa aceitará até mesmo a maioria dessas renúncias, pelo menos não imediatamente ou de uma só vez. Mas quatro desses bispos já têm mais de 75 anos, a idade canônica para a aposentadoria sugerida. Um deles é o cardeal Ricardo Ezzati, 76 anos, de Santiago.
Há também quatro bispos que eram próximos do infame Karadima e foram acusados de acobertar seus crimes de abuso sexual. Está incluído nesse grupo Dom Juan Barros, cuja designação pelo Papa Francisco à Diocese de Osorno em 2015 foi a faísca que acendeu aquilo que agora se tornou um incêndio florestal eclesiástico em todo o país.
Portanto, há oito bispos que podem e provavelmente devem ser removidos e substituídos nos próximos meses.
O papa de 81 anos provavelmente nunca pensou que seria forçado a lidar com algo dessa magnitude e horror. Até agora, ele mostrou sinais de que está disposto a proceder de uma maneira muito diferente e muito mais abrangente do que seus dois antecessores mais recentes.
As apostas em jogo são altas, e devemos esperar e rezar para que Francisco entenda bem isso. Seu desafio é conceber uma resposta verdadeiramente eficaz e radical a uma crise que até mesmo as autoridades vaticanas (mortas e vivas) certamente devem ver agora que não está mais limitada a uma parte geográfica ou linguística do mundo.
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Francisco poderá consertar a crise dos abusos sexuais do clero? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU