O padre jesuíta alemão Hans Zollner, um dos maiores especialistas do Vaticano na questão dos abusos, não tem dúvida: a renúncia em bloco do episcopado chileno, um fato sem precedentes na história, abre um novo capítulo não apenas para a Igreja do Chile, mas também para o resto da Igreja universal. Teólogo e psicólogo, membro da Pontifícia Comissão para Menores criada por Francisco e presidente do Centro para a Proteção de Menores da Pontifícia Universidade Gregoriana, em conversa com La Nación Zollner destacou a grande humildade demonstrada no caso chileno por Francisco.
A entrevista é de Elisabetta Piqué, publicada por La Nación, 19-05-2018. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
A apresentação da renúncia em bloco dos bispos chilenos é um fato sem precedentes?
Não há nada parecido. Certamente é algo extraordinário; algo assim nunca tinha acontecido na história da Igreja.
O que isso significa para o Papa, que pôs a sua credibilidade à prova ao lidar com a questão dos abusos?
Significa que, como ele escreveu na carta que entregou aos bispos no primeiro dia, se trata de um gesto de toda a Igreja local como tal, como “sistema” e instituição, que se coloca à disposição, com espírito de humildade e obediência. Os bispos seguem a inspiração do Santo Padre, que na carta lhes diz que a simples remoção de pessoas não resolve os problemas, mas que devemos ir ao fundo da questão e encontrar as raízes que estão na origem desses problemas: como foi possível que houvesse abusos durante tantos anos e que tenham sido acobertados e se tenha agido de forma tão negligente. É um sinal muito forte.
E o que podemos esperar agora?
Haverá tempo para refletir e depois o Papa confirmará as renúncias de alguns e rejeitará as de outros. Aconteceu algo semelhante ao que acontece toda vez que morre um Pontífice: todos os prefeitos de dicastérios colocam seus cargos à disposição.
Você acredita que será possível restaurar a confiança das pessoas na Igreja chilena, a mais desacreditada da América Latina?
Seguramente um gesto forte como o que vimos ajudará. Agora (os críticos) já não podem mais dizer que se trata apenas de palavras: o que aconteceu com os bispos creio que superou todas as expectativas, mais não se podia esperar, é um fato extraordinário, único. Claro que a confiança pode ser recuperada mais adiante com o compromisso e a perseverança. É o início de um novo capítulo, com repercussões teológicas e eclesiológicas, porque deixa claro que as medidas para o ministério da Igreja são a verdade, a honestidade e a atenção às pessoas, à luz do Evangelho.
O caso chileno também terá repercussões no resto da Igreja Católica?
A Igreja do Chile faz parte da Igreja Católica e este caso fará muitas pessoas refletirem sobre o que significa ser sacerdote ou bispo e ser Igreja: em primeiro lugar, não é um poder, mas é um serviço ao Povo de Deus e que se deve agir com coerência vivendo o que se diz.
Você acredita que agora acabaram as críticas em relação a como o Papa lidava com a questão dos abusos?
Algumas pessoas, que nunca estão satisfeitas, continuarão a criticar. Mas o Papa fez gestos nunca vistos anteriormente: ele admitiu que errou, pediu perdão às vítimas e teve a coragem de não remover um bispo, mas de querer debater com todos para ver as raízes de um sistema que produzia abusos sexuais, de consciência e de poder. O Papa admite que precisa aprender, e isso ele já disse várias vezes também durante os encontros com a Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, o que é um gesto de grande humildade.
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