21 Mai 2018
Juan Carlos Cruz ainda não se recuperou de seu estupor. Há três meses, esta vítima dos abusos do padre chileno Fernando Karadima protagonizava um confronto dialético com o Papa, que em plena viagem ao país austral o acusava de espalhar “infâmias” contra o bispo Juan Barros, discípulo de Karadima, que, de acordo com Cruz, estava presente quando era abusado.
Depois, o Papa deu um giro de 180 graus, convidou-o para passar uma semana na sua residência em Santa Marta, pediu-lhe perdão e acreditou em sua versão. E agora viu como os 34 bispos chilenos apresentaram a sua renúncia forçados por Francisco. Um acontecimento sem precedentes que representa um marco na luta das vítimas de todo o mundo. Cruz responde por telefone a El País, muito emocionado e confiante em que o giro do Papa é definitivo.
A entrevista é de Carlos E. Cué, publicada por El País, 19-05-2018. A tradução é de André Langer.
Como recebeu a notícia da renúncia dos 34 bispos?
Estou passado. Depois de passar uma semana na casa do Papa conversando com ele por horas, como se o conhecesse a vida toda, e ele tão carinhoso, agora ver que ele, na carta aos bispos chilenos, contou-lhes muitas coisas sobre as quais conversamos, as levou muito a sério, como quando fala sobre a corrupção dos bispos e os acusa de esconder documentos ou de minimizar as coisas. Fiquei emocionado pelo fato de ver que ele levou tão a sério o que conversamos. Senti que a nossa visita não foi uma questão de protocolo, de relações públicas.
O que ele contou a você?
Falamos de tudo, sobre a minha vida, sobre o que aconteceu comigo, sobre a falta de ação dos bispos, de como tentaram nos fazer sentir culpados. Foi-lhe dito que eu era uma pessoa perturbada. O Papa disse depois ao seu secretário: “Juan Carlos não pode ser mais carinhoso; que maravilha tê-lo conhecido”.
Você lhe explicou que viajou enganado para o Chile? Ele defendeu ali que tudo não passava de infâmia.
A primeira coisa que ele me disse foi: “Quero pedir-lhe perdão, em nome do Papa e da Igreja, por tudo o que você passou. Peço-lhe perdão por mim, porque fui a causa dessa situação que causou tanta dor nestes últimos meses”. Eu respondi dizendo que não é possível que esteja cercado por pessoas como o núncio, que é nefasto, como o cardeal Errázuriz, que o desinforma, que é tóxico. E depois há bispos que são uma verdadeira máfia, que escondem tudo, minimizam isso. O Papa estava espantado. Eu disse a ele que esses homens afundaram sua imagem no Chile. Essa é a razão pela qual havia poucas pessoas nas missas. Ele me disse que adorou ir ao Chile, mas que tinha visto coisas estranhas. Eu senti que estava condoído por ter ido para o Chile com tanta desinformação; é por isso que eu acredito nele.
Falou para ele sobre os abusos?
Sim, com muito detalhe. Eu chorei e ele parecia condoído. Colocou a mão no meu ombro e disse: “Chore ‘chiquillo’” (rapazinho).
Você explicou que continua sendo crente?
Sim, claro. Ele tinha a informação de que eu não acreditava, que eu era um inimigo da Igreja. Eu lhe disse que estava com muita raiva, porque continuava crendo, amando a Igreja, pensando que isso pode mudar. “Minha fé é muito importante para mim, Santidade”, eu lhe falei. Parece-me espantoso que até mesmo isso procurem destruir. “Isso é um tremendo mal”, respondeu-me. Expliquei-lhe que quero ser uma boa pessoa e não posso suportar que, do modo como fizeram comigo, outros bispos façam com milhares de pessoas do mundo, e isso tem que acabar.
Eu disse a ele que já tem uma boa fama de ser um homem próximo. “Você pode ter um papado espetacular se pegar o touro pelos chifres e atacar de frente a questão dos abusos e enviar a mensagem de que o Papa não vai tolerar mais isso”, disse-lhe. Ele me respondeu: “ajude-me para que o Espírito Santo me guie para que saiba o que tenho que fazer”.
Você acha que a questão dos abusos agora foi levada a sério?
Muito a sério. Está chamando muitas vítimas. Eu estava muito preocupado com o fato de que as pessoas pudessem pensar que eu teria sido comprado pelo Vaticano, que esse era um exercício de relações públicas. Era muito importante transmitir-lhe o sofrimento de tantas pessoas, explicar que as vítimas sofrem horrores e os bispos se cobrem as costas. Penso que ele entendeu isso, e a carta é muito clara nesse sentido. Ele cutuca os bispos. Penso que pedir a renúncia de toda uma conferência episcopal é um grande passo; nunca vimos coisa parecida.
Poderia este Papa passar para a história por um giro na questão dos abusos?
Penso que sim. Ele está dando passos inéditos, sabe que isso está sendo visto pelo mundo inteiro. Sou otimista, não quero pecar por naif, mas sim. Tudo isso tem um efeito tsunami. Já foi assentado o precedente chileno e isso vai acontecer em outros países. Estamos muito esperançosos. Essas pessoas são muito más e tudo o que queremos no Chile é que vão para suas casas.
O Papa nos tratou como reis em Santa Marta e os bispos como crianças. Está claro que ele acreditou em nós. Quando viajou para o Chile, ele estava mal informado; quero dar-lhe uma segunda chance, ele a merece como todo mundo.
Vocês falaram sobre sua homossexualidade e como o fizeram sofrer mais por isso?
Sim, falamos. Ele tinha a informação de que eu era praticamente um pervertido. Expliquei-lhe que eu não sou a reencarnação de São Luiz Gonzaga, mas não sou uma pessoa má, procuro não prejudicar ninguém. Ele me disse: “Juan Carlos, não importa se você é gay. Deus o fez assim e o ama assim e não me importa. O Papa quer você assim, você tem que ser feliz com quem você é”.
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“O Papa me pediu perdão e está espantado com os abusos; isto é um tsunami”. Entrevista com Juan Carlos Cruz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU