21 Mai 2018
Agora caberá ao papa realizar as necessárias depurações, isto é, a demissão em massa dos bispos chilenos. Se isso não ocorrer, se o papa tomar tempo, e, enquanto isso, a história for esquecida pela mídia, nos encontraremos diante de uma encenação sobre a pele das vítimas.
A opinião é do sociólogo italiano Marco Marzano, professor da Universidade de Bergamo, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 20-05-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A decisão dos bispos chilenos de apresentarem em massa a renúncia aos seus cargos ao papa é retumbante. Sinaliza a consciência de uma responsabilidade coletiva do episcopado chileno pelos graves crimes cometidos por membros da Igreja naquele país. O gesto chega depois de décadas de encobrimento e é a consequência de uma drástica mudança na linha de Francisco no combate à pedofilia clerical no Chile.
Até janeiro deste ano, isto é, até a sua viagem ao país andino, Francisco não parecia descontente com o andamento das coisas na Igreja chilena. Em 2015, ele promoveu, nomeando-o bispo, Juan Barros, um “aluno” e amigo do pedófilo abusador Pe. Fernando Karadima.
Quando Francisco o nomeou bispo, já pendia sobre a cabeça de Barros a acusação de ter assistido de modo impassível às violências que Karadima infligia aos menores.
Justamente durante aquela viagem, Francisco tinha reagido com aborrecimento à pergunta de quem lhe pedia contas de seu apoio a Barros, respondendo que, sobre a cumplicidade daquele bispo com os crimes do Pe. Karadima, não havia provas certas e, portanto, até prova em contrário, tratava-se de calúnias contra ele. Essas palavras pareceram ser a enésima manifestação da cumplicidade vaticana com os abusadores e despertaram a reação indignada de grande parte da opinião pública, não só chilena.
Foi nesse ponto que o papa mostrou estar pronto para mudar de linha, admitiu ter se equivocado ao julgar a situação chilena, declarou ter estado mal informado e de querer finalmente ir a fundo na questão. Enviou ao Chile um investigador que adquiriu novas informações, depois convocou os dirigentes chilenos a Roma e obteve as renúncias deles.
Agora caberá a ele realizar as necessárias depurações, isto é, a demissão em massa dos bispos chilenos. Se isso não ocorrer, se o papa tomar tempo, e, enquanto isso, a história for esquecida pela mídia, nos encontraremos diante de uma encenação sobre a pele das vítimas.
Em uma carta dirigida aos bispos chilenos que devia permanecer confidencial Francisco admite que os problemas no Chile vão muito além do caso Karadima-Barros, que na Igreja chilena foram verificados ao longo do tempo abusos e deficiências de todos os tipos, que foram destruídos documentos que comprometiam alguns padres, encobertos e protegidos ou transferidos precipitadamente de uma paróquia a outra e logo encarregados de se ocupar de outros menores.
As acusações também dizem respeito às instituições formativas, os seminários, culpados de não terem detido a carreira de padres que, já como estudantes, mostravam claros sinais de um comportamento patológico na esfera sexual e afetiva. O problema é “o sistema”, concluiu o papa.
E é muito verdade. O ponto é: qual sistema? A menos que queiramos acreditar que a Igreja chilena desenvolveu patologias totalmente peculiares, que era uma espécie de associação criminosa fora de controle, e a menos que queiramos negar que fenômenos idênticos aos descritos pelo papa na sua carta ocorreram por toda a parte no mundo, é preciso admitir que o sistema é a própria Igreja na sua forma organizacional atual. Isto é, o problema é uma organização estruturada em torno da supremacia de uma casta clerical totalmente masculina e celibatária, formada em torno dos valores da fidelidade absoluta e da disciplina do corpo dentro de instituições totais e claustrofóbicas como os seminários e, depois, investida do monopólio absoluto na gestão do sagrado, da competência exclusiva de todos os aspectos cruciais da vida da instituição.
Se o pontífice realmente quiser combater até o fim o sistema e debelá-lo, por que não pega todos de surpresa e toma a iniciativa de iniciar uma grande reflexão coletiva e pública, eventualmente através de um sínodo extraordinário, sobre o tema da responsabilidade dos funcionários e das instituições católicas nos inúmeros casos de abuso contra menores cometidos pelos membros da Igreja na sua história recente?
E por que não convida a fazer parte disso também aqueles estudiosos que, há anos, defendem que o problema dos abusos sexuais por parte do clero católico deve ser abordado levando em consideração a eventualidade de ter que desmantelar a tradicional estrutura clerical que, há séculos e sem qualquer descontinuidade até o presente, governa a Igreja nos quatro cantos da terra?
Isso, sim, seria o início da revolução.
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Pedofilia, toda a Igreja tem os problemas do Chile. Artigo de Marco Marzano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU