21 Mai 2018
Quando Juan Carlos Cruz entrou na Capela Sistina na semana passada, ele ficou chocado. Não era como das outras vezes que esteve ali, apertado entre uma horda de turistas com câmeras tentando tirar selfies com “A Criação de Adão”. Desta vez, estava sozinho com um guia, uma hora e meia antes do templo abrir para o público. A visita foi organizada pelo próprio Papa Francisco.
A entrevista é de Constanza Hola Chamy, publicada por BBC Mundo, 18-05-2018. A tradução é de André Langer.
“Foi impactante. A única coisa que eu pensava era: ‘o que eu faço aqui’”, conta Cruz à BBC Mundo, de Filadélfia, onde mora.
O jornalista chileno é um dos três denunciantes – junto com James Hamilton e José Andrés Murillo – que destaparam o “caso Karadima”, acusando o padre Fernando Karadima de abusos sexuais que, segundo eles, eram acobertados por uma rede dentro da cúpula eclesiástica chilena.
No início de maio, as três vítimas aceitaram o convite pessoal do Papa Francisco, que queria ouvir pessoalmente as denúncias antes de se reunir com o grupo de bispos da hierarquia eclesiástica chilena, que estavam em Roma esta semana.
“Agora eu entendo porque ele queria encontrar-se primeiro conosco. Grande parte das nossas conversas está contida na carta que o Papa entregou aos bispos, na qual pede sua renúncia”, disse Cruz.
A carta à qual se refere é a que Francisco entregou aos 34 bispos chilenos depois de receber um duro relatório de dois enviados vaticanos especialistas em abusos sexuais que expuseram a maneira escandalosa de como as denúncias eram tratadas.
Na carta, o Papa reconhece os danos causados à Igreja chilena durante todo esse processo, cujas consequências “tiveram um preço muito alto”, o que torna “urgente” a reparação desse “escândalo”.
A carta é clara: para isso se faz necessário – embora não suficiente – a “remoção de pessoas”. E nesta sexta-feira, 18 de maio, os 34 bispos mencionados apresentaram sua renúncia ao Papa.
Em entrevista à BBC Mundo, Juan Carlos Cruz fala sobre o impacto desta ação e o precedente que abre para outros casos de abusos sexuais na Igreja Católica.
Você imaginava que tudo isso poderia terminar com a renúncia dos 34 bispos convocados a Roma pelo Papa?
Sabia de alguma coisa, e também que os bispos estavam tentando contornar a decisão, mas o Vaticano vestiu as calças e o próprio Papa os fez renunciar. Porque isso não aconteceu por bondade e admiração deste grupo de bispos, não. O Papa, através da carta que lhes entregou na reunião, deixou claro que esta era a única opção que eles tinham.
E isso é algo inédito. Nunca antes todos os bispos de um país renunciaram dessa maneira. E isso claramente é um precedente para outros casos mundo afora.
Concretamente, pode o Papa aceitar a renúncia de toda a cúpula eclesiástica?
Não pode tirá-los todos imediatamente, mas logo as mudanças começarão a ser notadas. Provavelmente, ele colocará administradores apostólicos, novos bispos, mas é preciso dar-lhe tempo, porque precisa encontrar substitutos.
O Papa quer que isso vá além de uma mudança de pessoas. Quer limpar, que pessoas novas entrem e que não estejam contaminadas por esta quadrilha de delinquentes. Além da cúpula, precisa haver uma intervenção nos seminários, nas dioceses e que as coisas comecem a mudar.
Como foram as conversas que teve com o Papa?
Conversamos longamente. Ao contrário da experiência que tivemos com os bispos, o Papa pareceu-me um homem absolutamente sincero e próximo, que está condoído com tudo o que aconteceu. Foi como estar com alguém que você conhece a vida toda. Muito próximo.
Contei-lhe sobre esses bispos corruptos, mafiosos, e ele também os chamou de corruptos, como apareceu na investigação: esconderam documentação, destruíram provas e fizeram passar casos sérios como simples pecadinhos. Ele não sabia como eram as coisas até a investigação do arcebispo Charles Scicluna e do padre Jordi Bertomeu.
Você acredita nele?
Eu acredito nele. Se você soubesse como é o núncio, como agia o cardeal Francisco Javier Errázuriz, entenderia porque o Papa não estava bem informado. A Conferência Episcopal Chilena é uma máfia que contou e pintou uma coisa enquanto escondia a realidade ao Papa. Apenas quando foi ao Chile (em janeiro passado) se deu conta.
Mas em janeiro passado, o Papa disse que as acusações contra o bispo Juan Barros, acusado de acobertar os abusos que tinha presenciado, eram “calúnias” e que voltaria a referir-se ao assunto apenas quando lhe apresentassem provas...
É por isso que ele enviou Scicluna e Bertomeu para investigar. Eles encontraram todas as provas que possa imaginar; era uma questão de procurar. Eles fizeram um trabalho espetacular, porque a Conferência Episcopal Chilena não permitia investigar; ela ocultava e destruía provas. Mas graças a eles, abriram-se os olhos e chegamos onde estamos.
Você sente que depois de todo esse processo, que durou anos, com muitos custos práticos e emocionais para você e os outros denunciantes, a justiça está sendo feita?
Os abusos sexuais nunca serão remediados, infelizmente. Mas é encorajador ver que medidas concretas estão sendo tomadas para que isso não volte a acontecer nunca mais, e punir os nefastos acobertadores é um tratamento de choque para bispos surdos e tontos.
O Chile será um modelo para o mundo inteiro. Alegro-me por mim, mas também por tantos sobreviventes no Chile. Penso em todos aqueles que perderam a vida obtendo justiça, muitos sobreviventes em todo o mundo... este é um precedente para que nunca mais sejam ignorados ou tenham que viver o que viveram. Estou feliz por ter contribuído com meu grãozinho de areia.
Você nunca se deu por vencido...
Nunca! E nunca vou me dar por vencido.
No convite papal, Francisco os recebeu em sua própria casa. Como foi essa experiência?
Fiquei impressionado com a simplicidade do lugar. É como um hotel dentro do Vaticano, mas é simples. O Papa desce todos os dias para almoçar e jantar com as pessoas. Nós estávamos a duas mesas dele.
Ele se encontrou com cada um de nós em separado. Ele falou três horas comigo. Também se encontrou com os três juntos. No último dia, inclusive, ajudei-o em uma missa.
Você se reconciliou com a Igreja Católica?
Eu nunca deixei de ser católico. Eu me reconciliei com algumas partes da instituição, mas quero ações concretas que, no momento, estou vendo e agradeço por elas.
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Caso Karadima. “Punir os nefastos acobertadores é um tratamento de choque para bispos surdos e tontos”. Entrevista com Juan Carlos Cruz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU