21 Mai 2018
Se não houver sanções e reformas rápidas, a renúncia de 31 bispos chilenos, após um relatório sobre os abusos sexuais encobertos pela Igreja Católica, terá sido apenas um furo na água.
Publicamos aqui o editorial do jornal Le Monde, 20-05-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Cinco anos após sua eleição, em 13 de março de 2013, o Papa Francisco tenta sair da crise mais violenta que teve que enfrentar em relação aos escândalos de pedofilia que abalaram o clero chileno durante anos.
Na sexta-feira, 18 de maio, com um gesto sem precedentes há dois séculos, 31 bispos chilenos, convocados pelo pontífice argentino a Roma, após um relatório chocante de 2.300 páginas que trazia à tona “muitas situações de abusos de autoridade e sexuais” encobertos pela Igreja Católica, apresentaram sua renúncia. Esse escândalo ofusca a imagem de um papa que sempre enfatizou a defesa dos fracos e dos indefesos diante dos poderosos, mas que, até agora, era menos vigilante do que seu antecessor, Bento XVI, sobre os escândalos de pedofilia.
Durante sua visita ao Chile, em janeiro, Francisco tinha manifestado seu apoio ao bispo de Osorno, Juan Barros, acusado de ter protegido um padre, Fernando Karadima, em relação ao qual a Igreja tinha reconhecido que havia abusado sexualmente de diversos menores. O prelado rejeitava essas acusações.
E o papa havia afirmado que “não havia uma única prova contra ele”, não hesitando em imputar essas “calúnias” a “esquerdistas”.
Pouco tempo depois, o cardeal estadunidense Sean Patrick O’Malley, um dos principais ministros do pontífice, tinha usado palavras que eram como uma bofetada em plena cara do papa, dizendo que compreendia “a grande dor” provocada pelas suas palavras “nos sobreviventes de abusos sexuais por parte dos membros do clero ou de outros abusadores”.
No fim, dando-se conta do erro, Francisco iniciou uma investigação no Chile, ouviu as vítimas e reconheceu sua incapacidade de ver a situação. Com um giro de 180 graus, de algum modo, ele se declarou culpado, confessando sua “dor” e sua “vergonha” diante do “mal irreparável feito contra crianças por parte de ministros da Igreja”. “Estamos todos envolvidos, eu por primeiro”, afirmou, admitindo “ter cometido graves equívocos de avaliação e percepção”.
Mas também pôs em discussão o sistema eclesial, que demonstrou incapacidade de estabelecer mecanismos de controle para evitar tais desvios. Enquanto havia denunciado muitas vezes a propensão do clero de se atribuir uma autoridade superior à dos outros fiéis, ele agiu, no caso chileno, como um diretor-executivo preocupado acima de tudo em defender seus agentes.
Hoje, ele reconhece que “algo no corpo eclesial está doente” e fala até de “perversão” eclesial.
O papa reconhece sua culpa, mas ele mesmo diz que não será suficiente mudar os homens e que será preciso “encontrar as raízes e as estruturas que permitiram que esses eventos acontecessem e se perpetuassem”.
Uma primeira comissão para a proteção dos menores, instituída por Francisco, havia formulado propostas para implementar a “tolerância zero” solicitada pelo papa. Mas até agora nenhuma foi ativada.
Se não houver sanções e reformas rapidamente – como a criação de um tribunal encarregado de julgar os bispos inadimplentes, a supressão do segredo pontifício sobre os procedimentos canônicos em caso de abuso sexual, a abolição da prescrição – a renúncia dos bispos chilenos será apenas um furo na água, que deixará intactas a vergonha da Igreja e a dor das suas vítimas.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Pedofilia: a culpa da Igreja. Editorial do jornal Le Monde - Instituto Humanitas Unisinos - IHU