27 Mai 2018
“O choque dessas demissões em massa cria uma oportunidade e um impulso que Francisco deve aproveitar para implementar o tribunal que propôs há três anos. Sem mais atrasos. Ele deve agir agora” afirma o editorial do National Catholic Reporter, 24-05-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Muitos momentos marcantes na luta da Igreja Católica para resolver a longa crise de abusos sexuais do clero e seu acobertamento pela hierarquia foram vistos ao longo das ultimas semanas. A principal manchete foi a demissão em massa do episcopado chileno no dia 18 de maio. O Papa ainda não aceitou formalmente nenhuma das renúncias e as implicações da demissão ainda estão sendo resolvidas. A importância deste fato não pode ficar em segundo plano.
O contraste entre a reunião de Francisco com os bispos do Chile em meados de maio e o seu encontro com jornalistas no final de janeiro não poderia ser mais gritante. Em janeiro, Francisco rejeitou publicamente por duas vezes o testemunho das vítimas de abuso. Ele os acusou de "calúnia" contra os bispos, acusados de ignorar relatos e de encobrir casos de abuso sexual por parte do clero.
Logo depois de fazer essas declarações, no entanto, Francisco nomeou o arcebispo da Malta, Charles Scicluna, para investigar a situação no Chile. Em abril Francisco recebeu um relatório de 2.300 páginas. Depois, em uma extraordinária carta pública, o Papa admitiu — “confessou” pode ser uma palavra mais apropriada — que havia cometido "graves erros" de julgamento sobre o escândalo de abuso sexual no Chile. Ele convidou as vítimas que ele tinha denegrido a irem a Roma para pedir perdão e também convocou os bispos para discutir uma maneira de reparar os danos do escândalo.
Ao longo de um longo fim de semana no final de abril, Francisco se reuniu no Vaticano, individualmente e em grupo, com três chilenos vítimas de abuso. Mais tarde, eles disseram à imprensa que o Papa tinha sido "atencioso, receptivo e muito simpático". Uma das vítimas relatou o que o Papa havia lhe dito: "Eu era parte do problema. Eu causei isso e peço desculpas a você.”
Francisco se encontrou com os bispos chilenos durante três dias, para o que deve ter sido uma difícil, mas franca discussão. Após essas reuniões, os bispos se demitiram em massa.
Essa série de eventos é um marco pessoal para este Papa. A admissão de que estava errado foi impressionante em sua honestidade. A determinação de Francisco para corrigir os erros é um poderoso testemunho pessoal e um momento de aprendizado para toda a Igreja.
Estes são sinais de que as vozes da multidão que permaneceram batendo na porta da Igreja, exigindo justiça estão sendo ouvidas. Foram décadas de sacrifícios e sofrimentos incalculáveis, mas — finalmente — uma mudança real é aparente. A prestação de contas está ultrapassando a impunidade.
Assistir a este incidente se desdobrar de janeiro a maio ressalta a necessidade de Francisco revisitar a proposta que ele fez no verão de 2015 para estabelecer um tribunal que julgaria bispos e religiosos responsáveis que tratarem de forma incorreta casos de abuso sexual do clero. Naquela época, nós saudamos este anúncio, declarando que "bispos que perpetuaram este escândalo ao encobrir, desdenhar ou ignorar o abuso serão responsabilizados". Mas nós também advertimos que "uma burocracia entrincheirada por costumes antigos de privilégios e status" resistiria a um tribunal desta natureza.
Um ano mais tarde, Francisco adicionou à lista de "causas grave" pelas quais um bispo poderia ser destituído a "negligência no exercício das suas funções, particularmente em relação a casos de abuso sexual contra menores e adultos vulneráveis". Isso veio em um documento papal, Come Una Madre Amorevole ("Como uma mãe amorosa"), mas não havia nenhum tribunal. Os poderes e deveres propostos no ano anterior sobre um tribunal que pudesse investigar e julgar os bispos e chefes das comunidades religiosas por negligência que causasse dano "físico, moral, espiritual ou patrimonial" dissipou-se na “Congregação competente da Cúria Romana."
A primavera e o verão de 2015 viram a demissão de três bispos dos EUA que tinham sido indiciados em tribunais civis por não denunciarem abuso de menores: o bispo Robert Finn, da Cidade do Kansas, St Joseph, Missouri, o arcebispo John Nienstedt e o bispo auxiliar Lee Piché de St. Paul, Minneapolis . Essas demissões só vieram depois de anos de agitação pública por parte dos católicos locais e da mídia, e por intensa pressão interna.
O processo real para obter as demissões dos bispos chilenos pouco difere do processo que forçou Finn, Nienstedt e Piché a renunciarem. A Igreja ainda não tem nenhum sistema e nenhuma autoridade independente para investigar e prender bispos e superiores responsáveis que permitem o abuso.
O choque dessas demissões em massa cria uma oportunidade e um impulso que Francisco deve aproveitar para implementar o tribunal que propôs há três anos. Sem mais atrasos. Ele deve agir agora.
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Chile. Francisco deve aproveitar o momento de demissões - Instituto Humanitas Unisinos - IHU