A presença feminina na vida do presbítero. Artigo de Pe. Matias Soares

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27 Novembro 2025

"É complexo para qualquer presbítero a negação da presença feminina na sua história. Enquanto essa proximidade não acontecer de modo mais efetivo, sempre existirão muitas barreiras, mesmo que de modo furtivo, para a maior valorização Delas na vida da Igreja. Pensemos profundamente sobre isso."

O artigo é de Pe. Matias Soares, pároco da paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório-Natal/RN, Capelão da UFRN.

Eis o artigo. 

Jesus Cristo, o nosso Mestre e Senhor, modelo da vida presbiteral e sacerdotal, era um homem profundamente integrado com as mulheres (cf. A. Puig, Jesus: uma biografia, p. 261-266). Ele subverteu a mentalidade vigente. Era um homem que não dispensou a presença feminina da sua vida e ministério. Ele teve mulheres discípulas. A partir dos evangelhos, a tradição cristã primitiva realça que ser discípulo de Jesus é uma possibilidade aberta tanto a homens como a mulheres. Um caso emblemático é o da pecadora pública, provavelmente uma prostituta, que pede perdão com um gesto comovedor que provoca o escândalo dos fariseus: molha com lágrimas os pés de Jesus, seca-os com os cabelos, beija-os e unge-os com perfume (cf. Lc 7, 36-50).

Nos evangelhos, aparece como incontestável que a atividade de Jesus na Galileia se caracteriza pela presença ativa de algumas mulheres que colaboram de forma continuada com Jesus e que, por isso, merecem o nome de discípulas. A adesão a Jesus, segundo Puig, manifesta-se no fato de a maioria destas mulheres O acompanhar a Ele e aos restantes discípulos a Jerusalém e, contrariamente aos discípulos masculinos, ficarão ao seu lado nos momentos críticos da crucifixão, morte e sepultura. Na verdade, nos relatos da paixão, e entre os cinco nomes que aparecem entre Marcos 15,40-41; Mateus 27,56 e Lucas 8,1-3; 23,49, apenas Susana não é mencionada. As mulheres não abandonam o Mestre (cf. Idem, p. 263).

Forjados pelos paradigmas das culturas grega, romana e semítica, carregamos os elementos patriarcais que nos tornaram reféns do machismo político, econômico e religioso. A mudança de mentalidades e de estruturas exige tempo e luta. Um outro fator, que tem um viés mais filosófico, é o da influência da antropologia platônica, que circulou até o último século pelas nossas concepções cristãs. Esse dado não é irrelevante. Com essa visão pessimista acerca do corpo, também uma percepção negativa da sexualidade e através desta uma negação do papel da mulher, com sua dignidade e fundamento de harmonização da humanidade.

Num certo momento das suas sábias interpretações da beleza e do papel da mulher na Igreja e na Sociedade, o Papa Francisco afirmara: “Para entender uma mulher antes é necessário sonhá-la: eis por que a mulher é o grande dom de Deus, capaz de trazer harmonia à criação” (cf. disponível aqui). Continuara o saudoso Francisco a afirmar que “é a mulher, reconheceu o mesmo, que nos ensina a acariciar, a amar com ternura e que faz do mundo uma coisa bela. E se explorar as pessoas é um crime de lesa humanidade, explorar uma mulher é mais do que um delito e um crime: significa destruir a harmonia que Deus quis dar ao mundo, é voltar para trás”. No final da sua homilia, ainda enfatiza o pontífice que “a mulher é harmonia, é poesia, é beleza. A ponto que sem ela o mundo não seria tão bonito, não seria harmônico” (cf. Idem).

A presença feminina na vida de grandes homens de Igreja, inclusive de grandes santos, como São Francisco de Assis, foi recorrente e é perceptível até os nossos dias. Esse fenômeno não é difícil de ser reconhecimento no decorrer da história do cristianismo. Se formos coerentes com a antropologia integral que propomos e com a teologia do sacramento do matrimonio que ensinamos, tendo em vista essa concepção tão belamente apresentada pelo Papa Francisco, assumiremos tranquilamente e com profunda liberdade, tanto humana, quanto cristã, que a presença feminina na vida dos presbíteros é um bem a ser desejado por cada um de nós. Negar isso é ofender a vontade de Deus (cf. Gn 2, 18-25). Com isso, o que também devemos ter presente é que a intenção desta reflexão não tem uma direção limitada às questões que contradigam o valor do celibato sacerdotal, que é um bem que favorece a paternidade espiritual e a disposição ao serviço (cf. disponível aqui, n. 80).

Essa questão é muito marcante, quando paramos para contemplar a história de grandes sacerdotes do nosso conhecimento que testemunharam e confirmam pelo alegria vocacional que a sua existência é um sinal vivo de uma integração da personalidade pelo favorecimento afetivo da presença feminina, sem medo de si e da sua humanidade. É muito complicado quando, desde os primeiros anos da sua caminhada como ministro ordenado, a pessoa do sacerdote não mantém relações saudáveis com as mulheres. Estas nunca serão problema, quando a humanidade do presbítero não é problemática.

Quando fui enviado a Roma, pelos idos do ano de mil novecentos e noventa e nove, recordo-me que, no ambiente formativo no qual tantíssimos seminaristas de vários países do mundo éramos oriundos, não era permitida a entrada das mulheres nos refeitórios daquela casa. A mulher era tida como um “problema” a ser evitado, por causa dos receios que aquela presença poderia trazer à vocação dos jovens em processo de discernimento. Depois de alguns anos, foi noticiado que o próprio fundador da congregação era um ‘abusador’ de menores. O que deveria gerar em nós grande abertura para tratarmos desta questão é que essa negação do papel da mulher nas estruturas formativas e demais espaços eclesiásticos, quiçá tenha sido um dos grandes motivos do encrustamento do “Clericalismo’ nas realidades eclesiásticas, além de outros desafios que até os nossos dias causam tantos escândalos pelos contratestemunhos de alguns eclesiásticos eclipsados nas suas tendências e complicações identitárias.

Esse distanciamento feminino das nossas estruturas de comando, também tem favorecido os lobbies e negação do justo lugar que elas podem ocupar, justamente para que os nossos espaços sejam mais equilibrados e harmonizados, como ressaltara o amado Papa Francisco. Sempre tive a impressão que o mesmo pontífice tinha uma psicologia de um homem profundamente integrado com a beleza e a importância das mulheres na sua vida. Basta lembrar como ele falava da importância da sua avó na sua formação cristã e de como ele chegou a testemunhar que antes de ingressar na Companhia de Jesus namorara uma jovem.

Deste modo, trago estas meditações com profundo senso de responsabilidade e confiança de que entre nós mesmos, presbíteros, precisamos valorizar a presença das mulheres em nossas vidas: nossas mães, irmãs, religiosas e tantas amigas que devem fazer parte do nosso estilo de vida. Longe de minimizar o meu pensamento, que seja patente a intenção de termos maturidade para reconhecer que a nossa maturidade para viver o celibato passa pelo modo humanizado e sereno de convivência com as mulheres.

A Igreja, atenta aos sinais dos novos tempos, não pode deixar de falar de modo propositivo e feliz da importância das mulheres na vida dos presbíteros, a começar das casas de formação, onde as mulheres deveriam ter mais espaços, inclusive como diretoras espirituais. É complexo para qualquer presbítero a negação da presença feminina na sua história. Enquanto essa proximidade não acontecer de modo mais efetivo, sempre existirão muitas barreiras, mesmo que de modo furtivo, para a maior valorização Delas na vida da Igreja. Pensemos profundamente sobre isso. Assim o seja!

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