Que COP30 foi essa? Entre as mudanças climáticas e a gestão da barbárie. Artigo de Sérgio Barcellos e Gladson Fonseca

Ativistas fazem protesto, na Blue Zone da COP 30, exigindo a exclusão de grandes corporações e lobistas das negociações climáticas da COP 30.| Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

26 Novembro 2025

"A COP torna-se o objeto fetichizado que permite manter viva a ilusão de sustentabilidade enquanto a realidade segue sendo devastada. É também um cenário de expiação simbólica, uma espécie de confissão pública sem consequências materiais, onde o pecado é proclamado, mas nenhuma prática efetiva se altera. Na prática, o ritual político funciona como uma forma de recalcamento estrutural".

O artigo é de Sérgio Botton Barcellos, professor adjunto do Departamento de Ciências Sociais (DCS) e do programa de pós-graduação em Sociologia na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e de Gladson Paulo Milhomens Fonseca, doutor em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e professor da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).

Eis o artigo. 

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30, realizada em Belém entre os dias 10 a 21 de novembro foi como um evento de dupla face. De um lado, é anunciada como o epicentro das negociações mais relevantes para o futuro do planeta e da humanidade. De outro, transforma-se em um vasto balcão de negócios no espectro do sistema capitalista e no que se denomina como Greenwashing. Essa ambiguidade não é apenas circunstancial. Ela faz parte do próprio funcionamento político e simbólico da conferência, que combina zonas diplomáticas, espaços corporativos e arenas da sociedade civil em uma arquitetura que, cada vez mais, se torna terreno fértil para o avanço preponderante de interesses privados.

A COP30 e a participação popular

Claro, não se desconsidera o avanço da organização popular com a Cúpula dos Povos e a menção de novas categorias sociais no documento final da Conferência. Ocorreu resistência, pois a mobilização da Cúpula dos Povos, organizada por mais de mil entidades de 62 países também foi um espaço onde outra temporalidade e outro modo de existir tentaram ter expressão e fizeram muitas manifestações. Ali, a COP da verdade pode finalmente se materializar não a verdade dos discursos oficiais, mas a verdade das experiências vividas das populações que já enfrentam o colapso climático.

Enquanto delegações de 195 países negociavam compromissos na Zona Azul, estava ocorrendo diversas manifestações nas ruas, onde indígenas, trabalhadores(as), estudantes e movimentos sociais faziam a Marcha Mundial pelo Clima no dia 15/11 que reuniu cerca de 30 mil pessoas de 65 países. Em um conjunto de lutas e pautas como justiça ambiental, direitos humanos e crítica ao modelo econômico predatório. Caixões simbólicos para enterrar petróleo, gás e carvão, figuras do folclore paraense nas ruas e cartazes que pediam desde demarcação de terras até o fim da exploração fossilífera deixaram clara a centralidade dos povos da floresta e das causas populares. Entre todas as pautas, os indígenas foram protagonistas, exigindo demarcação imediata, rejeitando grandes obras como Ferrogrão e hidrovias e cobrando consulta prévia conforme a Convenção 169 da OIT.

Uma das ações que mais marcou a conferência ocorreu quando o povo Munduruku bloqueou a entrada principal da COP, forçando negociadores a enfrentar horas de espera sob o calor amazônico. O impacto foi imediato: as ministras Marina Silva e Sônia Guajajara e o presidente da COP30 abriram um diálogo emergencial com as lideranças, resultando em compromissos de avançar na demarcação de Sawré Muybu e Sawré Ba'pim e de levar denúncias contra grandes projetos aos ministérios responsáveis. Em Belém, ficou evidente que a luta ambiental e climática não é apenas técnica e financeira, mas profundamente política. Como se não bastasse, a chamada “área azul” da COP – local onde boa parte das atividades relacionadas a reuniões, tratativas e grupos de trabalho estavam atuando, teve um incêndio que, felizmente não deixou vítimas, mas resultou em atrasos no evento e expôs a falta de organização e o improviso no tocante à infraestrutura celebrada aos holofotes internacionais.

A COP30 carregou em tese um simbolismo extraordinário. Belém, às margens da maior floresta tropical do mundo, foi toda reformada e projetada, com falhas no licenciamento ambiental, como a vitrine da liderança climática brasileira. O governo Lula a apresentou como a “COP da verdade”, sugerindo um suposto momento de coragem moral e ação inadiável. No entanto, a promessa oficial contrasta radicalmente com um conjunto de práticas que revela a crescente apropriação da conferência por setores extrativistas, financeiros e corporativos. Essa contradição constitui o núcleo das críticas de vozes, como, por exemplo, Ailton Krenak, que interpreta o evento como uma grande maquinaria destinada a negociar petróleo, madeira e terras raras sob o pretexto da sustentabilidade.

A COP dos lobbies

No entanto, em grande parte, o que se viu ao longo de dez dias na capital paraense foi um misto de bussines empresarial – em sua maioria ligada à mineração e setores de energia fóssil – por meio do chamado discurso da sustentabilidade verde, responsável e pouco afeita à realidade dos povos tradicionais e suas pautas de luta. Do outro lado da Ilha do Marajó, no estado do Amapá, na desembocadura do rio Oiapoque, já temos o novo megaprojeto em curso, a exploração petrolífera da Margem Equatorial, uma nova e extensa bacia de petróleo recém-descoberta. E isso, obviamente, já leva em consideração a presença e surgimento da Cúpula dos Povos (evento ocorrido paralelamente à COP) como forma de organizar distintas frentes de luta dissonantes do discurso oficial do evento.

O relatório “A COP dos Lobbies”, produzido pelo observatório De Olho nos Ruralistas em parceria com a FASE, aprofunda essa crítica ao expor a influência crescente de grandes corporações com extensos passivos socioambientais. Segundo o estudo, essas empresas utilizam a cúpula climática como plataforma para promover narrativas de sustentabilidade e transição verde instrumentalizadas, convertendo a COP em uma vitrine de marketing e relações públicas.

As principais empresas que orbitaram e até financiaram diferentes espaços na COP30 carregam passivos socioambientais profundos que contrastam frontalmente com suas campanhas de sustentabilidade. A Vale, marcada pelos crimes de Mariana e Brumadinho, acumula ações judiciais que somam mais de 28 bilhões de reais, além de denúncias contínuas de contaminação hídrica e violações trabalhistas. A Hydro, investigada por vazamentos e poluição em Barcarena, é acusada de comprometer a saúde de comunidades inteiras no Pará. A Bayer enfrenta processos globais relacionados ao glifosato, classificado por organismos internacionais como potencialmente cancerígeno, e é denunciada por contaminação de áreas indígenas Avá-Guarani. A Rumo Logística e a Raízen, ambas ligadas ao grupo Cosan, respondem por incêndios em larga escala no Pantanal e no interior paulista, com multas suspensas ou reduzidas, enquanto mantêm práticas de expansão sobre territórios vulneráveis.

No sistema financeiro, o Itaú Unibanco figura entre os maiores financiadores internacionais de cadeias associadas ao desmatamento, destinando bilhões ao agronegócio de alto impacto, especialmente soja, gado e celulose. O BTG Pactual é vinculado a empresas envolvidas em desmatamento ilegal da Mata Atlântica, com multas originalmente milionárias reduzidas após acordos judiciais. No setor fóssil, a Petrobras segue expandindo fronteiras exploratórias, incluindo a controversa tentativa de perfuração na foz do Amazonas, com riscos severos para biodiversidade e comunidades costeiras. Empresas como Marfrig, BRF e Suzano completam o bloco, com histórico de emissões elevadas, desmatamento indireto e conflitos territoriais. Em conjunto, esses passivos mostram que os principais patrocinadores e influenciadores da COP30 não apenas têm histórico de degradação ambiental, mas seguem ativos na reprodução dos mesmos modelos que empurram o planeta para o colapso.

A partir da pergunta decisiva sobre quem está realmente bancando a COP30, o relatório revela que os financiadores privados influenciam de forma decisiva a conferência muito antes de seu início, determinando quais temas emergem, quem tem acesso a quais espaços e quais agendas adquirem centralidade.

Essa dinâmica corporativa se articula com a própria geografia da COP. A estrutura oficial foi dividida entre a Blue Zone, onde ocorreram as negociações formais entre líderes globais, e a Green Zone, destinada à sociedade civil, empresas, ONGs e movimentos sociais. Contudo, além desses espaços institucionais, houve uma estrutura paralela organizada e financiada por grandes corporações, que funcionaram como cúpulas alternativas em pontos estratégicos da cidade-sede. Ambientes luxuosos destinados a difundir narrativas empresariais, muitas vezes construídas em aliança com ministérios que deveriam fiscalizá-las. A preparação para a COP30 evidenciou esse movimento com clareza. A Agrizone, concebida pela Embrapa e apresentada como o principal espaço do agronegócio na conferência, foi organizada e financiada pela CNA, o maior órgão de lobby do setor, e pela Bayer, gigante mundial de agrotóxicos. Ao anunciar que pretende despachar de um local patrocinado por uma empresa que é diretamente regulada por sua pasta, o Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, sintetiza a simbiose problemática e o conflito de interesses entre Estado e corporações. O mesmo ocorreu com a Estação do Desenvolvimento, pavilhão de quatro mil metros quadrados financiado pela associação MV Infra, que lidera o lobby pelo chamado “PL da devastação” e integra o movimento de desmantelamento do licenciamento ambiental no Brasil.

Esse panorama corporativo deve ser compreendido não apenas como captura institucional, mas como expressão de um conflito mais profundo que constitui a COP30 em sua superfície: o conflito entre diferentes formas de vida e regimes de temporalidade. De um lado, o tempo vivido dos povos originários e comunidades tradicionais que já experimentam a destruição de seus modos de vida. De outro, o tempo lento da diplomacia, que opera com metas distantes como 2030 e 2050 adiando mais uma vez decisões substantivas. A esse quadro soma-se o tempo financeiro-corporativo, que não reconhece urgência e age segundo a lógica da expansão contínua, sem considerar o tempo ecológico do planeta, que deixou de ser futuro e se impõe dramaticamente no presente com eventos extremos, perda acelerada de biodiversidade, colapsos territoriais e injustiças ambientais. O tempo do planeta, dos biomas e da vida não convergem na COP e no dia a dia da política ambiental de grande parte dos países, sobretudo no Brasil, pois o tempo do capital tende a se sobrepor a todos os demais seja como foi no dia a dia do evento, seja de forma cínica quando querem passar a impressão para a sociedade de que o evento trará soluções sustentáveis.

No entanto, a guerra dos tempos revela apenas uma parte do problema. O que emerge com força na COP30 é também uma guerra de modos de existir. Não se trata apenas de definir quando agir, mas de decidir como existir no planeta. Há o modo de existir extrativista, que reduz a Terra a recurso; o modo técnico-burocrático, que a transforma em sistema gerenciável; o modo indígena e ribeirinho, que a reconhece como bens naturais, corpo relacional e ancestral; o modo corporativo, que a converte em ativo financeiro; e o modo ecológico, que opera segundo ciclos biológicos e não negocia sua capacidade de regeneração e prazos.

A COP30, realizada na Amazônia, foi um palco desses embates particularmente visíveis. Em Belém, o rio pode ser parente ou corredor logístico, a floresta pode ser, um ser vivo ou depósito de créditos de carbono, o território pode ser corpo ou jazida de petróleo. A autorização para a Petrobras iniciar pesquisas para perfuração na foz do Amazonas, mesmo ignorando vários alertas e estudos contrários, às vésperas da COP, escancara que o modo de existir extrativista e espoliativo ainda governa a tomada de decisões, mesmo quando construído em discursos de transição verde.

A contradição torna-se ainda mais ampla quando se observam os diversos casos corporativos documentados no relatório mencionado anteriormente “A COP dos lobbies”. A Vale S.A. investe pesadamente em reconstrução de imagem, incluindo o lançamento de um álbum de figurinhas para crianças, a contratação de artistas regionais e quase um bilhão de reais para a construção do Parque da Cidade, sede dos principais espaços da COP. Porém, o peso simbólico dessas ações se dissolve diante dos crimes ambientais e humanos de Mariana e Brumadinho e de um passivo judicial que alcança 28,2 bilhões de reais, montante 65 vezes superior ao volume total investido pelo Fundo Vale em projetos socioambientais desde 2009.

A Bayer investe um milhão de reais para ser patrocinadora master da Agrizone e organiza palestras sobre direitos humanos na agropecuária, ao mesmo tempo em que enfrenta graves denúncias de violações associadas ao glifosato e aos transgênicos, com impactos diretos sobre povos Avá-Guarani no Brasil. A Rumo Logística, do grupo Cosan, que se apresenta como liderança em ESG, foi responsável por um incêndio que devastou 18 mil hectares do Pantanal em 2024, enquanto a multa de 58 milhões de reais do Ibama foi suspensa judicialmente. O Itaú Unibanco patrocina espaços de mídia e inovação verde, mas é o terceiro maior financiador mundial de empresas com alto risco de desmatamento. O BTG Pactual anuncia reflorestamento do Cerrado, mas controla empresas multadas por destruição da Mata Atlântica, em processos que tiveram multas reduzidas de 55 milhões de reais para cem mil reais.

Essas iniciativas não são isoladas. São parte de uma associação estruturada de coalizões empresariais que operam em rede. A MV Infra patrocina integralmente a Estação do Desenvolvimento e atua no Congresso para flexibilizar licenciamento ambiental. A SBCOP reúne empresas como Vale, Hydro, Suzano, Itaú e Marfrig para moldar consensos “verdes” compatíveis com seus interesses. A iniciativa CASE, liderada por Itaú, Bradesco e Vale, prepara workshops e painéis que difundem soluções pró-mercado como respostas à crise climática. Como destacou o professor Luiz Marques (Unicamp), autor de “Capitalismo e Colapso Ambiental”, em entrevista recente, o agronegócio brasileiro é o principal adversário da agenda climática, responsável por aproximadamente 75% das emissões nacionais e beneficiário de 184 bilhões de reais anuais em renúncia fiscal.

E a captura da narrativa pública é reforçada pelo financiamento corporativo à imprensa, que inclui o patrocínio a veículos jornalísticos da Amazônia Vox à CNN Brasil, passando por O Liberal e por agências como Colabora e Reset. Jornalistas foram levados a visitas guiadas a refinarias de empresas denunciadas por violações socioambientais, buscando influenciar fortemente percepções e limitando o debate público a um leque restrito de informações.

Esse ambiente de intensa influência encontrou terreno fértil nas contradições e disfuncionalidades internas do governo brasileiro. A política climática do governo Lula é marcada pela dissonância entre o discurso ambiental e as posições de ministérios estratégicos. Enquanto o Ministério do Meio Ambiente defende medidas de transição energética, o Ministério de Minas e Energia projeta o aumento da produção de petróleo para 5,4 milhões de barris por dia até 2029, tornando o Brasil o quarto maior produtor do mundo. O Ministério da Agricultura considera irrealista o compromisso de zerar o desmatamento até 2030 e se alinha ao agronegócio ao despachar de espaços patrocinados por empresas reguladas pela sua própria pasta.

A COP30 e as suas “deliberações”

Enfim, a COP30 realizada em Belém encerrou com a ausência de um compromisso explícito para eliminar progressivamente os combustíveis fósseis, tema vetado por países petroleiros e boicotado pelos Estados Unidos. Essa lacuna obrigou a presidência da COP30 a propor dois “mapas do caminho” para combustíveis fósseis e desmatamento fora do texto oficial, adiando mais uma vez decisões essenciais para a COP31. Assim, formou-se um espectro de avaliações que vai da condenação científica ao entusiasmo empresarial, já que o agronegócio e o setor privado celebraram sua presença inédita e pactos como o acordo entre 25 países para quadruplicar a produção de etanol. Para a sociedade civil organizada, entretanto, esses arranjos simbolizaram mais uma contradição e anacronia entre o discurso diplomático e a emergência climática.

Mesmo diante desse impasse estrutural, a COP30 produziu avanços considerados importantes para organizações e movimentos sociais, como o Mecanismo de Ação de Belém, voltado à transição justa, e a adoção da Meta Global de Adaptação, que cria indicadores comuns para medir a preparação dos países frente a eventos climáticos extremos. Houve ainda o reconhecimento inédito do papel dos povos indígenas e de populações de origem africana na agenda climática, sinalizando um deslocamento simbólico relevante. Porém, tais conquistas conviveram com lacunas decisivas, entre elas o financiamento insuficiente para adaptação, a falta de metas claras de mitigação e a procrastinação de compromissos estruturais. Dessa forma, a COP30 evidenciou os limites de um modelo de governança baseado no consenso entre países e atores sociais com interesses diametralmente opostos e sem brecha para um diálogo em um sentido dialético.

A COP 30 e a gestão da aparência e da “culpa” das elites capitalistas globais

A COP, sobretudo em edições como a de Belém, pode ser compreendida como um grande dispositivo de gestão da culpa ecológica das elites do capitalismo global. Do ponto de vista sócio antropológico, ela funciona como uma cena ritualizada na qual os responsáveis estruturais pelas mudanças climáticas encenam sua própria absolvição. Trata-se de um ato performativo em que o sujeito coletivo que devastou a natureza encontra, na conferência, um espaço para deslocar e recalcar sua culpa. O mal-estar produzido pela devastação ecológica, que deveria se voltar contra o próprio sistema que a produz, é projetado para o futuro, diluído em metas longínquas, compensações de carbono, “transições justas” e promessas vagas de inovação tecnológica. A responsabilidade é convertida em promessa, e a responsabilidade é transformada em discurso. Em termos psicanalíticos, é um mecanismo de negação articulado com uma racionalização coletiva: todos sabem que não estão fazendo o suficiente, mas insistem na crença de que a mera participação no ritual já constitui um gesto reparador.

Esse processo cria um espaço que lembra o funcionamento de um tipo fetiche. A elite global sabe que é responsável pelo colapso ambiental, mas organiza uma conferência monumental para sustentar o enunciado oposto: “Sabemos muito bem o que fazemos, mas, ainda assim, agimos como se estivéssemos salvando o planeta”. A COP torna-se o objeto fetichizado que permite manter viva a ilusão de sustentabilidade enquanto a realidade segue sendo devastada. É também um cenário de expiação simbólica, uma espécie de confissão pública sem consequências materiais, onde o pecado é proclamado, mas nenhuma prática efetiva se altera. Na prática, o ritual político funciona como uma forma de recalcamento estrutural: a destruição concreta fica fora do campo da consciência pública, substituída por narrativas de esperança controlada e responsabilidade gerenciável. O resultado é um grande pacto inconsciente para aliviar o mal-estar sem transformar suas causas, convertendo o trauma ambiental em espetáculo diplomático e garantindo que o sistema que produz a devastação permaneça ao fim e ao cano em boa parte inalterado.

Isto é, deixando o cinismo de lado, a conclusão é incontornável diante dos fatos. Com a fachada de compromissos climáticos e ações publicitárias, a COP30 foi mais uma vez agenciada de forma predominante por um poderoso lobby dos setores mais poluentes e socialmente danosos. Empresas do agronegócio, da mineração, das finanças e da infraestrutura não apenas participam das discussões, mas estruturam a conferência e influenciaram sua agenda. A conferência, quando capturada dessa forma, transforma-se em um balcão de negócios onde os interesses do capital ameaçam sequestrar a agenda climática global. A advertência de Krenak de que corremos o risco de legar às próximas gerações um planeta defeituoso poderia funcionar como bússola ética, mesmo que a ganância torne os ouvidos moucos. Enfim, mais uma vez fica pendente a ideia e fica o desafio para adiar o fim do mundo.

Leia mais