18 Novembro 2025
Foto registra momento em que a tensão entre lideranças Munduruku e o presidente da COP30 cedeu espaço a uma negociação, após manifestação indígena bloquear entrada da Blue Zone por quatro horas na sexta-feira (14)
A reportagem é de Fernando Martinho, publicada por Repórter Brasil, 17-11-2025.
“Não melhorou. Não melhorou nada”. A resposta da liderança indígena Maria Leusa Munduruku veio rápida e dura, depois que o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, perguntou se a situação do território dela, do povo Munduruku, “não tinha melhorado com o governo Lula”. O círculo de assessores que acompanhava o diálogo silenciou na hora. O constrangimento foi imediato.
Pouco antes, Maria Leusa e Alessandra Munduruku descreviam garimpo, contaminação por mercúrio e a pressão de hidrovias sobre o Tapajós. Falavam sem pausa. Disseram que estavam ali com crianças no sol, quando deveriam estar protegendo o território. A cobrança era direta: a revogação do Decreto 12.600/2025, interrupção de obras que transformam rios em corredores de soja e presença de Lula — não de intermediários — na conversa.
A CEO da COP30, Ana Toni, apareceu e dialogou com Maria Leusa e Alessandra. Foi ela quem propôs levar Corrêa do Lago ao portão. Ele chegou escoltado. A conversa foi dura.
Corrêa do Lago tentou retomar o diálogo perguntando pelo bebê que Maria Leusa carregava num dobuy (palavra em munduruku para o que os não indígenas chamam de sling). Quis saber o nome e pediu para segurá-lo. Ela entregou a criança. O gesto mudou o clima o suficiente para que as lideranças aceitassem seguir para uma área reservada, onde a negociação avançou. Minutos depois, a entrada da Blue Zone foi liberada — após quatro horas de bloqueio.
A foto nasceu dessa cena: o presidente da COP30 cercado por policiais, segurando o bebê de uma liderança que acabara de lhe dizer que a situação “não melhorou nada”.
O embaixador André Correa do Lago, presidente da COP30, segurou o filho da ativista Maria Leusa Munduruku durante as negociações para liberar a entrada da Blue Zone, ao lado de Ana Toni (de branco), CEO da COP30 (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil).
A equipe da Repórter Brasil acompanhava o grupo desde a madrugada, quando partiram da Aldeia COP rumo ao Parque da Cidade. Assim que a marcha chegou à entrada principal, os portões estavam trancados e, atrás deles, policiais da Força Nacional, Exército e segurança da ONU. As lideranças disseram: “Se está fechado para nós, ninguém entra”. O bloqueio era uma crítica ao governo do presidente Lula, que, segundo elas, permite hidrovias, portos privados, a Ferrogrão e créditos de carbono sem consulta prévia, como exigem as normas internacionais e a legislação nacional.
O protesto tratava de algo maior que o acesso à COP: denunciava que o rio Tapajós — já impactado por dragagens, barcaças e mercúrio — está sendo transformado em rota industrial sem considerar o próprio rio ou quem vive dele.
Dezenas de indígenas do povo Munduruku protestam diante do portão fechado da Blue Zone da COP30, em Belém, desde as 5h da manhã desta sexta-feira (14). #GloboNewsEmPonto
— GloboNews (@GloboNews) November 14, 2025
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