08 Outubro 2025
Ministra dos Povos Indígenas recebeu jornalistas para uma conversa sobre os preparativos para a COP30, em Belém.
A reportagem é de Leonardo Fernandes, publicada por Brasil De Fato, 07-10-2025.
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, recebeu um grupo de jornalistas, na manhã desta terça-feira (7), para falar sobre a expectativa para a 30ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP30), que acontece entre os dias 10 e 21 de novembro, em Belém (PA) e que terá relevante participação dos povos indígenas.
Segundo a ministra, a conferência deste ano terá a maior participação indígena da história, resultado da realização de etapas regionais de debates prévios sobre a COP. São 360 participantes indígenas como delegados e outros 3 mil vindos de todas as regiões do Brasil, além das delegações internacionais.
“Nós estamos trabalhando para que essa seja a maior e melhor COP em participação e protagonismo indígena, em articulação com outros indígenas também de todas as partes do mundo. A gente tem dentro da comissão internacional no Círculo dos Povos, a representação das sete regiões, que a gente chama etnoculturais, dessa área geográfica mundial. E nós teremos aqui a representação de todas essas regiões”, destacou.
Em relação à priorização das delegações indígenas pelos governos de outros países, a ministra brincou com a notícia de que uma startup japonesa pretende “minerar a lua”.
“Cada indígena está trabalhando no seu país para fazer a sensibilização, para fazer a incidência, mas eu já ouvi até a apresentação de interesse de minerar na lua. Então, eu não sei exatamente como é, mas a gente vê de tudo. Tem aqueles países que olham para nós realmente como protagonistas e grandes atores que contribuem para a redução da crise climática, e tem esses que realmente, se aqui não dá mais certo, vai na lua para buscar minério. Então, tem de tudo”, brincou.
Guajajara explicou que na chamada “zona verde” da Conferência do Clima, funcionarão os quatro ciclos de debate, entre eles, um dedicado às organizações populares.
“Os círculos são uma iniciativa desta presidência, da Presidência do Brasil, onde se criou quatro ciclos. Um é o círculo dos ex-presidentes da COP dos últimos dez anos, pelo menos. O Círculo de Finanças, que é liderado pelo ministro [Fernando] Haddad, o Círculo do Balanço Ético Global, que é presidido pela ministra Marina Silva em conjunto com o presidente Lula, porque ele quis também fazer esse debate mais amplo, global, para ver quais os entraves, porque não conseguiu até agora reduzir esses impactos da crise. E o círculo dos povos. Este círculo é presidido por mim, enquanto ministra dos povos indígenas”, destacou.
Marco temporal
Questionada pelo Brasil de Fato sobre a contradição de sediar uma COP sob a vigência do marco temporal (Lei 14.701), a ministra lamentou que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha mantido os efeitos na norma, declarada inconstitucional pela própria Corte.
“O marco temporal segue sendo uma assombração para todos nós”, respondeu a ministra. “O veto do presidente Lula foi derrubado e o que a gente esperava era que o Supremo Tribunal Federal pudesse ali reafirmar a posição que já tinha sido dada anteriormente no julgamento dessa tese no marco temporal”, destacou, referindo-se à decisão do STF que determinou a inconstitucionalidade da tese, antes mesmo de aprovada a lei no Congresso Nacional.
A tese do marco temporal estabelece que só poderão ser demarcadas terras indígenas (TIs) que estavam ocupadas por determinado povo na data de promulgação da Constituição de 1988. A regra é vista pelos indígenas como um retrocesso na política de demarcação de TIs no Brasil.
“O marco temporal segue sendo ali um grande impeditivo para o avanço na demarcação das terras indígenas. A lei 14.701 é um entrave muito grande”, ressaltou. “A gente precisa seguir falando que essa lei precisa ser derrubada”, concluiu Sonia Guajajara.
Dificuldades com infraestrutura
Diante das dificuldades que a presidência brasileira da COP vem enfrentando na organização da conferência, sobretudo em relação à infraestrutura de alojamentos, a ministra anunciou a criação da Aldeia COP, onde também funcionará a feira de bioeconomia indígena.
“Estamos construindo, organizando esse espaço da Aldeia COP, um espaço que é para alojamento, mas também onde vão acontecer agendas com indígenas que vêm para apresentar seus projetos comunitários, as iniciativas que eles estão fazendo no território. Vamos ter lá também a feira da bioeconomia dos povos indígenas, e sempre uma agenda cultural à noite, com artistas indígenas e não-indígenas. Nós queremos fazer da Aldeia COP o coração da COP30”, disse a ministra, fazendo ainda um chamado a não perder o foco dos temas relacionados à emergência climática.
“Muita gente traz o foco para a questão da hospedagem, a questão logística, que é importante, mas nós, enquanto indígenas, nós estamos trabalhando para que a gente não tenha esse problema, porque o foco não pode ser a hospedagem. O foco tem que ser a emergência que o mundo já vive, o foco tem que ser os impactos que a gente já está sofrendo nos territórios”, afirmou.
Demarcação Já
A ministra informou que o MPI, em articulação com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Itamaraty e representantes do movimento indígena, vêm debatendo a construção de uma NDC indígena. NDC é a sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada, uma série de metas estabelecidas por cada país para a redução das emissões de carbono e o consequente arrefecimento da temperatura do planeta.
“Nós temos construído uma pauta, tanto nós do MPI como com o movimento indígena, que prevê incluir demarcação de terras indígenas, o reconhecimento dos territórios como parte dessa mitigação das emissões para o enfrentamento da crise climática. O movimento indígena tem discutido uma NDC Indígena e nós realizamos seminários, junto com o Ministério do Meio Ambiente, com o Ministério as Relações Exteriores, para a gente poder amadurecer mais esse debate também sobre a NDC indígena para incluir a proteção territorial como uma das formas de mitigação da crise climática”, disse a ministra, agregando que o governo federal vem promovendo a desintrusão de madeireiros e garimpeiros em territórios indígenas.
“Todos os territórios onde aconteceu a desintrusão, teve uma contribuição significativa para a redução do índice do desmatamento na Amazônia. Então, a gente quer trazer proteção territorial, considerando não só a fiscalização, o monitoramento, mas essas ações de desintrusão, de retirada dos invasores, seja de madeireiros, seja de garimpeiro, de grileiros, dos territórios”, defende Guajajara.
A secretária Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena, Ceiça Pitaguary, falou também sobre a expectativa do ministério em relação aos anúncios de novas homologações de terras indígenas.
“Vamos acreditar que presidente Lula vai fazer grande anúncio de homologações de terras indígenas. Estamos aqui todos animados com essa possibilidade, os territórios também. Os povos estão fazendo rituais para que isso aconteça”, disse a secretária.
Outras prioridades
A ministra Sônia Guajajara mencionou a tramitação no Congresso Nacional do Projeto de Lei que cria a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). Entre as regras estabelecidas pela proposta, está a que garante o financiamento direto aos povos indígenas para o enfrentamento das mudanças climáticas.
“A gente vem fazendo essa construção conjunta com MMA, Ministério da Fazenda, Ministério das Relações Exteriores, a construção do TFFF, que é o Fundo Floresta Tropical para Sempre [por sua sigla em inglês]. Então, na criação desse mecanismo para a proteção dos países de florestas tropicais, a gente acrescentou ali o financiamento climático direto”, ressaltou.
“Comprovadamente, os territórios indígenas são os que detém a maior área de floresta em pé, de biodiversidade, de água limpa, mas a gente não tem esse reconhecimento, essa valorização de quem protege. E aí é uma forma da gente avançar com esse agora com o reconhecimento dos territórios e das pessoas que protegem”, complementou a ministra.
Negacionismo climático
Guajajara criticou o descumprimento de metas, sobretudo das nações mais ricas. “Por mais que no Acordo de Paris já se estabeleceu que o mundo não poderia ultrapassar 1,5 graus da temperatura média global, nada do que foi feito até agora foi suficiente para impedir o aumento dessa temperatura”, afirmou.
Mais uma vez questionada pelo Brasil de Fato sobre a viabilidade do atingimento de metas no contexto do negacionismo climático, materializado na intervenção do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante a Assembleia Geral da ONU, no mês de setembro, a ministra declarou que o Brasil vai seguir buscando influenciar os líderes mundiais para a implementação dos acordos relacionados ao clima.
“A gente já vive hoje com essa realidade onde há um crescimento do negacionismo climático, assim como há um crescimento do negacionismo, da democracia. E a gente segue bem. Eu acho que o Brasil conseguiu enfrentar muito bem. O presidente Lula, ultimamente, tem dado essa mensagem importante para o mundo, pela soberania do nosso país, e pela importância de priorizar o enfrentamento à crise climática, ao invés de priorizar o investimento em armas e munições para fortalecer as guerras”, ponderou.
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