31 Março 2025
"Do meio do Encontro das Águas, os romeiros elevaram as suas vozes até à sociedade e aos integrantes da COP30 pedindo responsabilidade, honestidade e agilidade para atenuar as consequências do mal que já foi feito contra o planeta e contra a vida que ele abriga. Nosso tempo está acabando...", escreve Sandoval Alves Rocha.
Sandoval Alves Rocha, doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
O Dia Mundial da Água em Manaus foi marcado pela 2ª Romaria do Fórum das Águas do Amazonas que reuniu 150 pessoas no Porto da Ceasa. Esta segunda edição do evento contou com a participação de Movimentos Sociais, Movimentos Ambientais, Universidades, Líderes religiosos de diversas matrizes, Representantes de indígenas, ribeirinhos e quilombolas, Pastorais Sociais, Áreas Missionárias, Paróquias e outras organizações da sociedade civil. Depois de uma calorosa acolhida e uma mística às margens das águas, os militantes embarcaram rumo ao famoso Encontro das Águas, onde os rios Rio e Solimões se abraçam para formar o gigantesco Rio Amazonas.
A iniciativa, que teve o apoio da Associação Habitat para a Humanidade Brasil, lançou um apelo a partir do Encontro das Águas para toda a sociedade e poderes públicos chamando a atenção para a necessidade de cuidarmos dos corpos hídricos amazônicos, trabalhando para a sua preservação e garantido o acesso de todas as populações à água potável e ao saneamento. O ato também visou mostrar aos representantes dos países da Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP30) a importância de que as suas deliberações sejam mais ousadas, levando em consideração a justiça socioambiental planetária e que as metas e compromissos ambientais estabelecidos não fiquem somente no papel, mas sejam realmente cumpridos.;
O Encontro das Águas é um espaço simbólico, reconhecido como patrimônio cultural, paisagístico, histórico, econômico e geológico. A união dos dois rios para formar o Rio Amazonas tem inspirado diversas imagens icônicas, mobilizando emoções e subjetividades que configuram o ser amazônico. Do encontro do Rio Negro com o Rio Solimões nasce para nós ricas reflexões sobre os tantos encontros vividos pela humanidade, fazendo com que esse fenômeno além de visualmente belo seja também algo místico. O espaço também é o lugar de onde famílias ribeirinhas, pescadores e indígenas retiram o seu sustento cotidiano, através da atividade pesqueira.
Todo este simbolismo proveniente do Encontro das Águas forneceu inspiração e esperança aos manifestantes, que reacenderam os ideais do Bem Viver, preconizando um estilo de vida equilibrado e pautado no respeito à natureza, na justiça socioambiental e na valorização das diversas culturas. O abraço dos rios simboliza a harmonia dos seres humanos com a natureza e a união dos povos entre si, buscando um mundo justo, fraterno e sustentável. Não é possível construir esta sociedade sem que aja uma mudança radical do padrão econômico capitalista, que tem espalhado destruição e sofrimento em todo o planeta. O Bem Viver rompe o individualismo da sociedade atual mostrando que somos todos interdependentes e que precisamos cuidar de cada ser vivo para que a vida se perpetue.
Esta mensagem de harmonia e união emitida pelo Encontro das Águas fortalece a vontade de continuar lutando em prol da vida, que é ameaçada pela injustiça e a violência. Em Manaus, esta violência é manifesta no desmatamento, na destruição dos parques ecológicos, nas moradias precárias, nos diversos tipos de poluição hídrica e na falta de saneamento. O acesso à água potável não pode ser condicionado ao pagamento de tarifas elevadíssimas cobradas pela empresa privada de saneamento. A vida não pode ser reservada somente para aqueles podem pagar a Águas de Manaus!
A 2ª Romaria do Fórum das Águas, a partir do Encontro das Águas, mostrou que a vida é um dom sagrado e a natureza ostenta a diversidade, a gratuidade e a beleza deste dom. A lógica capitalista que tudo mercantiliza inibe esta manifestação sagrada da vida, transformando-a em mercadoria de compra e venda, excluindo todos aqueles que não possuem dinheiro para integrar-se ao mercado. A violência desta prática tem assassinado a natureza e com ela muitos seres vivos, inclusive o ser humano.
Do meio do Encontro das Águas, os romeiros elevaram as suas vozes até à sociedade e aos integrantes da COP30 pedindo responsabilidade, honestidade e agilidade para atenuar as consequências do mal que já foi feito contra o planeta e contra a vida que ele abriga. Nosso tempo está acabando...