06 Julho 2024
"A ausência do serviço de esgotamento sanitário leva o coletivo a destacar o impacto dos esgotos na qualidade de vida das pessoas, dos igarapés e rios da cidade. Por irresponsabilidade da concessionária, é comum encontrarmos esgotos escorrendo a céu aberto na frente da maioria das residências manauenses", escreve o padre jesuíta Sandoval Alves Rocha.
Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE, MG), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
No dia 04 de julho de 2000, Manaus privatizou os seus sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Realizado pelo então governador Amazonino Mendes, o processo de privatização foi imposto de goela abaixo à população, que temia uma maior precarização dos serviços e receava a exploração econômica do mercado da água através atuação predatória das empresas de saneamento. Ao longo dos últimos 24 anos, a população vem experimentando diuturnamente a realização dos seus temores.
Diante desta situação, o Fórum das Águas do Amazonas, agregando diversos movimentos e organizações da sociedade civil, eclodiu um grito de protesto em frente à empresa Águas de Manaus ressoando suas queixas e reclamações. O coletivo ali reunido não se intimidou diante dos olhares furiosos da concessionária e denunciou o descaso do saneamento na cidade. Indignadas com a irresponsabilidade da empresa, as lideranças bradavam palavras de ordem como, ”Água é vida, não é mercadoria!” e “Água essencial, direito universal!”. Por outro lado, os transeuntes e curiosos que ali passavam emitiam sinais de aprovação à iniciativa.
Representando os clamores da sociedade em geral, ali estavam presentes os seguintes movimentos e organizações: Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental, Associação das Mulheres do Amazonas, Associação de Luta por Moradia, Associação de Moradia Ana Oliveira, Associação dos Movimentos Ambientais, Comunidades Eclesiais de Base, Conselho Regional de Economia, Etnia Pankararu, Fórum Amazonense de Reforma Urbana, Instituto Sumaúma, Instituto Vida e Cidadania, Movimento Nacional de Luta pela Moradia – AM, Pastoral Operária de Manaus, União Nacional por Moradia Popular – AM e Observatório Socioambiental Encontro das Águas.
Sentindo-se enganado pelo discurso falacioso da privatização, o coletivo destacou 10 motivos para justificar a sua repulsa à política privatista instalada na cidade. Entre eles, frisou-se o fato de que depois de 24 anos de concessão, o serviço de esgotamento sanitário chega a somente 26% do município. A este respeito, o contrato de concessão assinado em julho de 2000 projetou que hoje este serviço já estaria quase universalizado. Diante cenário contraditório, é possível perceber que o discurso privatista fora articulado no ano 2000 somente para enganar o povo e convencê-lo a aceitar a privatização do saneamento.
A ausência do serviço de esgotamento sanitário leva o coletivo a destacar o impacto dos esgotos na qualidade de vida das pessoas, dos igarapés e rios da cidade. Por irresponsabilidade da concessionária, é comum encontrarmos esgotos escorrendo a céu aberto na frente da maioria das residências manauenses. Não é necessário frisar o quanto isso afeta negativamente a saúde da população, sobretudo as crianças e os idosos. Grande parte destes resíduos é lançada nos igarapés da cidade e nos rios que a margeiam. A falta de compromisso da concessionária prejudica o povo e contribui para a deterioração do meio ambiente.
No evento, as lideranças também destacaram a falta de abastecimento de água em várias comunidades da cidade, sobretudo as mais pobres e vulneráveis. Não encontrando nessas localidades um ambiente propício para o retorno econômico, a empresa abandona estes territórios, contribuindo ainda mais com os processos de exclusão que afetam as suas populações. Esta situação é agravada também pela baixa qualidade do abastecimento em muitos bairros manauenses.
Vivendo este contexto desfavorável, não nos surpreendemos com o fato de sempre ocuparmos as piores posições no ranking do saneamento que abrange as 100 maiores cidades do Brasil. Este ranking é realizado anualmente tendo como base os indicadores do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SINISA). De fato, como já constatou um conhecido site da cidade, “há 10 anos, Manaus está entre as 20 piores cidades no ranking do saneamento básico”. A mesma plataforma comunicacional também constata que no último ranking produzido Manaus ocupa a 21ª colocação entre as capitais brasileiras.
Podemos concluir, portanto, que a privatização nos estancou entre os piores. Isso reforça a qualificação do discurso privatista como falacioso e enganador. Não queremos mais ser enganados! Basta de privatização, basta de tanta humilhação! Diante de tudo isso, perguntamos quem é o responsável pela fiscalização da empresa? A última Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI 2023) respondeu esta pergunta, afirmando que a Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos (AGEMAN) não realiza adequadamente a fiscalização dos serviços de água e esgoto. Se não há fiscalizador a empresa se sente livre para fazer o que bem entende pelos seus interesses, ignorando os interesses da população.
A partir desta lógica, não é difícil compreender porque estamos entre os piores do Brasil e pagamos as mais caras tarifas da região amazônica. Com esta conjuntura desfavorável à população, o mercado do saneamento encontrou em Manaus o lugar ideal para a exploração econômica e financeira: abundância de recursos hídricos, elevada presença de consumidores, ausência de fiscalização dos serviços, políticos descomprometidos, poderes públicos omissos, vantajosos benefícios fiscais e financiamento de obras com recursos públicos.
Aqui estão algumas das razões que têm levado a população reclamar tanto da empresa de saneamento, fazendo dela umas das mais reclamadas da cidade. Eis alguns dos motivos que têm gerado decepção, desencanto e indignação com a política privatista aplicada em Manaus. Na capital amazonense, o dia 4 de julho se transformou em data de protesto contra a privatização do saneamento. Nesta data, os movimentos populares mostram que apesar do sofrimento, é preciso resistir, pois direitos não caem do céu. São conquistas alcançadas a custa de muito empenho, união e participação.
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Privatização do saneamento de Manaus. 24 anos de sofrimento. Artigo de Sandoval Alves Rocha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU