22 Junho 2024
"Este conjunto de ações destruidoras afeta sensivelmente a vida na cidade. A política antiambiental ganha dimensões preocupantes expressando nos últimos períodos de estiagem um rosto inconfundível de morte e sofrimento. Para alterar esta lógica que domina a cidade há séculos e tanto prejudica a convivência e a qualidade de vida dos moradores não basta realizar ações isoladas e paliativas", escreve o padre jesuíta Sandoval Alves Rocha, SJ.
Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE, MG), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
Os desastres ambientais contemporâneos que afetam o Brasil e a Amazônia não deixam dúvidas a respeito da grave crise ambiental vivida mundialmente: secas e enchentes rigorosas, aquecimento global, diminuição das calotas polares, destruição da camada de ozônio, elevação do nível dos oceanos e o desaparecimento da biodiversidade. Somente mentalidades altamente fechadas em si e mal intencionadas resistem a esta percepção. Já não há como esconder a nossa incapacidade de cuidar do planeta que nos gerou e que ainda se esforça para manter a vida. A crise ambiental entra pela porta da frente, deixando todos atônicos, mas não nos pegou de surpresa, pois alertas não faltaram.
O bloco de medidas antiambientais tomadas pelo Congresso Nacional nas últimas décadas não tem justificativa racional e mostra a limitação da inteligência brasileira e a força de um pequeno e poderoso setor político que ainda se agarra à tese do negacionismo. O Observatório do Clima rastreou 25 propostas em tramitação no Congresso Nacional voltadas ao enfraquecimento ambiental, conhecidos como “Pacote da Destruição”. Dentre esses 25 projetos, oito atacam diretamente a gestão e a governança da água no Brasil.
Manaus tem sido hostil com tudo o que lembra a natureza. A gestão pública impõe uma política antiambiental que salta às vistas nos primeiros contatos com o território urbano. A construção da cidade foi realizada às custas do soterramento e morte dos igarapés urbanos, não restando nenhum deles que reúna condições para a prático do banho ou qualquer utilização das águas. Se no passado tais cursos d`água eram usadas para refrescar o calor, hoje, os igarapés são usados como esgotos a céu aberto, espaços onde se acumulam todas as espécies de resíduos e dejetos. Como sobreviver ao escaldante calor que se intensifica?
Situada em plena região amazônica, Manaus é uma das cidades menos arborizadas do Brasil. Segundo estudos produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a capital amazonense está na antepenúltima posição do ranking com apenas 23,90% dos domicílios em área urbana com a presença de arborização. Trata-se de mais uma grande contradição existente em Manaus, resultado de gestões urbanas descomprometidas com a valorização e proteção ambiental.
Infelizmente, algumas reações e medidas governamentais tomadas para superar estes desafios são eleitoreiras e ridículas, chegando a agredir a mais rude sensibilidade. Numa parceria com a concessionária do saneamento, a Prefeitura de Manaus instalou totens nebulizadores no Passeio Público do Mindu, bairro Parque 10 de Novembro, zona centro-sul da capital, para aliviar a sensação de calor durante as práticas esportivas em Manaus. Os totens serão instalados em 20 pontos de práticas de esporte em Manaus. As máquinas funcionam com o auxilio de borrifadores e têm estruturas em tubos de PVC em 300 milímetros. O tempo de borrifo da água é de até 10 segundos. Basta acionar uma única vez para que o borrifador funcione.
A empresa de saneamento, atualmente Águas de Manaus, encontra-se em grande dívida com a população, uma vez que fora contratada para realizar os serviços de esgotamento sanitário, mas ironicamente já foi processada inúmeras vezes por causar poluição dos igarapés da cidade. Com essa atuação, a concessão privada tece uma história de insatisfação popular, processos judiciais e inquéritos parlamentares que mostram o baixo desempenho do empreendimento. Como se observa, a política privatista adotada na cidade também não favorece a valorização e proteção da natureza.
Casos em que empresas e indústrias são flagradas causando a poluição dos rios ou outros crimes ambientais não são incomuns na cidade. Tais ocorrências provocam a mortandade de peixes, o adoecimento das pessoas e a degradação ambiental. Um caso emblemático é a tentativa de construir o famigerado Porto das Lajes no Encontro das Águas, o que inviabilizaria a manutenção de espécies aquáticas e prejudicaria a vida das comunidades pesqueiras da região. Com este empreendimento, o cartão postal da cidade seria colocado em risco.
Este conjunto de ações destruidoras afeta sensivelmente a vida na cidade. A política antiambiental ganha dimensões preocupantes expressando nos últimos períodos de estiagem um rosto inconfundível de morte e sofrimento. Para alterar esta lógica que domina a cidade há séculos e tanto prejudica a convivência e a qualidade de vida dos moradores não basta realizar ações isoladas e paliativas, como a instalação de totens nas zonas privilegiadas da cidade, visando aliviar o calor que se intensifica cada vez mais.
Não adianta tapar o sol com a peneira! Não é possível ocultar a realidade com medidas autoritárias e ineficientes! Para superar os desafios socioambientais é necessário que os poderes públicos implantem políticas ambientais participativas e comprometidas com o bem da cidade. Para superar o problema do superaquecimento de Manaus é necessário mudar a forma de fazer política, chamando a população para conversar e buscando atingir as causas do problema com ações que dialogam com a cultura local. Além da recuperação dos igarapés, necessitamos de uma política eficiente de arborização.
Para resolver problemas tão graves é preciso sair das partes e pensar o todo, mas a nossa classe política pensa somente no seu próprio interesse e no das empresas que a apoia. Para transformar a nossa cidade numa cidade arborizada é necessário ir além da mera presença de parque e jardins. Uma verdadeira política de arborização abraça práticas sustentáveis em todos os aspectos da vida urbana. A sustentabilidade urbana implica em preservação ambiental, redução da poluição, eficiência no transporte público e crucialmente abundância de áreas verdes.
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Arborização é melhor do que totemização. Artigo de Sandoval Alves Rocha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU