Pressão do agronegócio trava Plano Clima, e Brasil sai da COP30 sem definir como cumprirá sua NDC

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26 Novembro 2025

Disputa entre Meio Ambiente e Agricultura sobre a responsabilidade pelas emissões do desmatamento atrasou a aprovação do plano, ameaça o orçamento climático de 2026 e deixa em suspenso ações de mitigação e adaptação para povos indígenas e comunidades tradicionais.

 A informação é de Jullie Pereira, publicada por InfoAmazônia, 25-11-2025. 

O Brasil encerrou a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) sem apresentar o Plano Clima, documento que detalha como o país pretende cumprir a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), a estratégia para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Até a quarta-feira (19), o Ministério do Meio Ambiente (MMA) ainda nutria a expectativa de concluir a versão final aprovada pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), composto por 23 ministérios, mas a pasta esbarrou em um impasse com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

O Plano Clima tem duas áreas: mitigação, as medidas para redução dos gases de efeito estufa, e adaptação, a estratégia para reduzir os danos já sentidos devido aos eventos climáticos. Cada uma delas tem setores e cada um deles tem suas metas.

Na mitigação, são sete setores (resíduos, cidades, transportes, indústria, energia, agricultura e pecuária, conservação da natureza) e eles têm que atingir reduções específicas para colaborar com a NDC brasileira — o país tem o objetivo de reduzir entre 59% e 67% as emissões até 2035. A maior causa de emissões brasileiras é o desmatamento e, por isso, os esforços estão concentrados no objetivo de zerar a perda de floresta.

Desde julho, quando o documento de mitigação do plano foi publicado, em uma página online, o setor agropecuário, que reúne organizações e parlamentares, se posicionou contra a metodologia empregada. Na primeira versão, o método do governo considerou que as emissões por desmatamento que ocorrem dentro de áreas agrícolas privadas são responsabilidade do setor agropecuário.

Além disso, o plano também incluiu como atribuição do setor agropecuário o desmatamento em assentamentos rurais e territórios quilombolas. Isso colocaria o setor agropecuário como responsável por 68% das emissões brasileiras.

Logo na primeira semana da COP30, o MMA chegou a considerar os desejos do agro. Uma nova versão foi entregue, dessa vez com um setor específico de mudança do uso da terra para alocar as emissões de propriedades privadas, que ficariam a cargo do MMA e do Mapa. O documento também retirou as áreas de assentamentos e quilombos e as transferiu para a categoria de terras públicas. Com essas alterações, a responsabilidade do setor cairia para 31% das emissões.

As revisões foram feitas após reuniões com representantes do agronegócio, como o Instituto Pensar a Agropecuária e o Mapa. Mesmo assim, Carlos Fávaro, ministro da Agricultura e Pecuária, disse que não houve diálogo e que não há necessidade de “tomar uma decisão abrupta, imposta e unilateral”.

O agro não é o único ramo com demandas no Plano Clima, que está sendo consolidado há dois anos. Cada um dos setores ligados à parte de mitigação tem objetivos específicos. Energia, por exemplo, precisa reduzir emissões nas atividades de exploração, produção e refino de petróleo e gás natural, desenvolver mercados para hidrogênio de baixa emissão de carbono, ampliar as ações de eficiência energética, entre outros. Transportes precisa incentivar modalidades de carga e de passageiros mais eficientes e implementar limites de emissões veiculares.

Em nota, o MMA informou que o tempo para aprimorar as metodologias já foi concluído, mas que: “as tratativas sobre os planos setoriais de mitigação para os setores de agricultura e pecuária, uso da terra e florestas estão em curso, com a perspectiva de conclusão em breve. A governança instituída prevê que o CIM aprecie o teor do Plano Clima Mitigação e Adaptação e suas respectivas estratégias e planos setoriais para, somente após isso, estarem aptos à publicação”, diz.

Preocupação com a imagem do agro

Ainda em agosto, o senador Zequinha Marinho (Podemos/PA), presidente da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, solicitou uma audiência com o MMA, a Casa Civil e representantes do agronegócio para fazer cobranças sobre a metodologia que seria abordada no Plano Clima. Naquele momento, a preocupação com o impacto do debate durante a COP30 já era mencionada.

Na audiência, Nelson Ananias Filho, coordenador de sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), disse: “essa realocação de emissões impacta diretamente a curto prazo no setor agropecuário, porque nós vamos entrar num período de Conferência das Partes, da qual o setor agropecuário entra como maior emissor de gases de efeito estufa do país e, quem sabe, do mundo. Então, a curto prazo, o impacto na imagem é muito grande”.

A InfoAmazonia solicitou uma entrevista com o ministro Carlos Fávaro, procurou o Instituto Pensar o Agro e também questionou a assessoria de imprensa do Mapa se a intenção do ministro era proteger a imagem do setor, mas não houve resposta.

A preocupação do agro atrasou a finalização do plano, que ainda precisa ser aprovado por um comitê com 23 ministérios. Depois, ainda deverá entrar num período de implementação, com a definição do financiamento.

Caso não seja aprovado neste ano, em 2025, isso pode inviabilizar o orçamento do próximo ano. O porta-voz da Frente de Justiça Climática do Greenpeace Brasil, o geógrafo Rodrigo Jesus, explica os impactos do atraso:

“A lei orçamentária anual é aprovada com antecedência, passa pelo Congresso. Como isso já vai ser contemplado a partir do Plano Clima para ele entrar em vigor em 2026 e ter dinheiro para execução em 2026? Então, o planejamento orçamentário é muito importante para que o plano possa ter uma ação efetiva. Sem dinheiro, sem orçamento destinado para os setores, é impossível que a gente tenha uma ação que está contemplada ali”, diz.

O atraso também preocupa as ações do plano de adaptação. É nesse documento, por exemplo, que estão os setores de povos indígenas, comunidades tradicionais, igualdade racial, segurança alimentar e zonas costeiras.

Entre as metas estabelecidas para adaptação de povos indígenas, por exemplo, está a emissão de portarias declaratórias e um protocolo de respostas para emergências climáticas, considerando as especificidades locais. Para comunidades tradicionais, está prevista a regularização fundiária de 2.000 novos territórios.

Para o Greenpeace Brasil, os documentos são importantes, mas a prioridade deve ser o orçamento para garantir que todas essas medidas apresentadas sejam realizadas.

“A gente precisa ter um documento que estruture e organize toda essa ação do Estado perante a crise climática, mas só ter o plano não significa muita coisa. Porque ter um plano em nível local, estadual ou federal sem orçamento vinculado possivelmente fará com que aquelas ações desenhadas ali não saiam do papel. Então, acho que a fase mais importante do Plano Clima segue agora”, diz.

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