27 Agosto 2025
Enquanto a crise climática piora, os maiores poluidores do mundo aumentam as emissões de gases que a provocam e, ao mesmo tempo, justificam-se e lucram com falsas “soluções” para o clima, como mercados de carbono e tecnologias de geoengenharia. Um caso típico é o das megaempresas tecnológicas. É o setor industrial que mais aumentou o grau de emissões, principalmente devido à ascensão da inteligência artificial (IA), que devora energia, água e outros recursos e produzem lixo tóxico.
A reportagem é de Silvia Ribeiro, jornalista e pesquisadora uruguaia, publicada por CLAE, 23-08-2025. A tradução é do Cepat.
De acordo com a Agência Internacional de Energia, de 2017 a 2024, a demanda por energia dos data centers - a base da IA - aumentou 12% ao ano, quatro vezes mais rápido do que a taxa de consumo global total de eletricidade. A organização prevê que este número triplicará até 2030. Os Estados Unidos, o país com o maior número de data centers, consumirão mais eletricidade nessas instalações, até o final da década, do que para a produção de alumínio, aço, cimento, produtos químicos e todos os outros bens de alto consumo de energia em seu conjunto.
A Amazon é uma das cinco maiores empresas do mundo. Em 2020, Jeff Bezos, seu fundador e presidente executivo, criou o Bezos Earth Fund (Fundo Bezos para a Terra), que apareceu em cena com grandes doações a projetos sobre mudança climática, conservação e biodiversidade. Repetidamente, tem sido denunciado por seu impacto negativo na privatização da natureza e da biodiversidade.
A Grain publica, agora, um relatório sobre as atividades do Bezos Earth Fund em temas climáticos e elas estão interligadas e servem para beneficiar a empresa.
De acordo com os cálculos próprios da empresa, as emissões de gases do efeito estufa da Amazon aumentaram 53,6%, entre 2018 e 2024. Devido à sua alta demanda por energia, a Amazon foi pioneira no uso do conceito de “neutralidade climática” ou “emissões líquidas zero”. Não se trata de reduzir emissões, mas de “compensá-las” para que a soma seja zero. Assim, as empresas podem continuar poluindo, se em alguma outra parte alguém captura e armazena uma quantidade equivalente de carbono. Para elas, são realizadas plantações de monoculturas de árvores e algas, apropriação de florestas e outras áreas naturais, terras agrícolas, prados, áreas úmidas, manipulação do mar etc.
Estima-se que uma tonelada de dióxido de carbono capturada e retida (“sequestrada”) é equivale a um crédito de carbono. Uma vez convertida em crédito de carbono, torna-se um instrumento financeiro que pode ser revendido e render muito mais do que o custo inicial. Em resumo: as empresas continuam suas atividades poluentes e fazem um negócio extra acumulando e revendendo créditos de carbono. As plantações e os projetos também lhes trazem lucros extras.
Nada disso serve para deter a crise climática, ao contrário, justifica o aumento das emissões. Adicionalmente, muitos projetos violam direitos das comunidades indígenas e camponesas, inclusive as deslocam e violentam para se apropriarem de seus territórios para capturar e vender carbono.
Por exemplo, em 2024, a Amazon se uniu ao Walmart, à Bayer e a outras empresas para comprar créditos de carbono de florestas no estado do Pará, Brasil, por 180 milhões de dólares. Em 2025, as autoridades brasileiras interromperam o projeto porque não tinham consultado, nem obtido permissão das comunidades que moram nessas florestas.
Para certificar, comercializar e verificar se os projetos absorvem carbono, existem grandes empresas intermediárias dedicadas a essa tarefa que criaram padrões internacionais. Nos últimos três anos, surgiram muitos escândalos que demonstram que essas empresas - por exemplo, a Verra - geram “créditos fantasmas”, que na verdade não existem. Baseiam-se, entre outros mecanismos, em falsear a situação inicial “ruim” das florestas e em exagerar na sua suposta melhoria.
O relatório da Grain mostra como a Amazon foi além: estabeleceu seu próprio padrão de certificação de créditos de carbono (Abacus) e lançou uma plataforma de comercialização de créditos de carbono onde os fornecedores da empresa podem comprar créditos certificados por esse padrão.
O Bezos Earth Fund teve um papel complementar ao financiar o desenvolvimento do padrão. Muitas das ONGs financiadas por ele também atuam como assessoras em organismos dos mercados de carbono.
Um dos maiores projetos do Bezos Earth Fund é o Land & Carbon Lab, criado em conjunto com o World Resources Institute e a Meta (dona do Facebook) para mapear e monitorar “da forma mais exaustiva possível todas as fontes e depósitos de gases do efeito estufa nos solos” por meio de satélites e inteligência artificial, o que lhes serve para definir novos projetos florestais e agrícolas e, em seguida, verificá-los.
Dessa forma, a Amazon criou ou está estreitamente vinculada à definição de padrões e a órgãos certificadores e verificadores. Esse tipo de relação entre poluidores e verificadores de mercado de carbono é um claro conflito de interesses, como se destacou em um recente artigo da revista científica Science.
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