11 Dezembro 2024
O pesquisador holandês Simon Lobach examina o passado e o futuro do setor de mineração a partir de uma perspectiva das Ciências Sociais. Ele é pesquisador de pós-doutorado no Geneva Graduate Institute, na Suíça, e viveu no Brasil em 2006 e em 2022. Em 2024, defendeu a tese de doutorado sobre a produção de alumínio na Amazônia, com base em pesquisas realizadas em conjunto com o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará. Em seus trabalhos de campo ao redor do globo, Lobach se dedica a um enigma atual que envolve a exploração de minerais, sustentabilidade e tecnologia. “Tentamos sair da dependência dos recursos naturais, mas estamos entrando em uma penúria de recursos de eletricidade”, alerta o cientista social nesta entrevista por telefone.
A entrevista é de Viviane Vaz, publicada por Le Monde Diplomatique Brasil, 09-12-2024.
O que são os chamados “raros metais tecnológicos”?
No contexto da transição energética, os “metais raros tecnológicos” são aqueles necessários para sair do modelo atual, baseado no petróleo, gás e carvão, e adotar um modelo econômico em que, por exemplo, os carros sejam elétricos e a energia seja utilizada de maneira mais eficiente. Alguns desses metais precisam ser extraídos em grandes quantidades, como o níquel, o cobre, o alumínio, o cobalto e o lítio, além do grafite, que não é um metal, mas é o principal ingrediente das baterias dos carros elétricos. Na tabela periódica, há outros metais, os “metais raros”, que são necessários para certas aplicações. Muitas vezes, esses metais são encontrados nas mesmas reservas. Por exemplo, cobre e outro metal podem ser extraídos juntos. No Brasil, há o caso do nióbio, que é muito citado. Eles são chamados de “metais raros”, embora nem sempre sejam realmente raros. Às vezes, são bastante abundantes, mas a concentração é tão baixa que são difíceis de extrair. Vamos precisar de quase todos os metais em maiores quantidades.
Quais são os maiores produtores desses metais no mundo?
Historicamente, a China desempenhou e continua a desempenhar um papel importante na produção de metais raros. Primeiro, porque na China não existe o mesmo tipo de oposição contra os projetos de mineração. E, segundo, porque o Estado tem subsidiado fortemente a procura por esse tipo de metal. A China adota um programa econômico agressivo ou expansivo (dependendo do ponto de vista, positivo ou negativo). Além dos metais raros, o aço, o grafite e o alumínio também são predominantemente produzidos na China, que controla ainda a produção de cobre e cobalto em outros continentes. Os países onde estão localizados os produtores de carros elétricos, sobretudo na América do Norte e na Europa, estão se dando conta do nível de dependência desses materiais vindos da China. Esse é o contexto que levou, na Europa, ao “Regulamento de Matérias-Primas Críticas” (Critical Raw Materials Act – CRMA, em inglês), que determina que a Europa precisa produzir mais minérios em seu próprio território. De maneira semelhante, nos Estados Unidos, políticos como Donald Trump querem bloquear a entrada de produtos chineses para incentivar a extração petrolífera e mineradora no próprio território.
É uma medida até certo ponto protecionista. Os países do Norte global temem perder sua indústria, uma vez que a China afirma: “olhem, temos todos os elementos e estamos investindo na nossa própria indústria, não precisamos mais de vocês”. Os chineses produzem quase todas as matérias-primas e agora também se lançaram na produção de carros elétricos. Isso é visto como uma má notícia nos países do Norte, que até agora viviam sem concorrência na produção desses bens.
Daí a importância do CRMA?
Virou uma questão importantíssima depois da guerra na Ucrânia, quando a Europa se deu conta de que, de um dia para o outro, a Rússia poderia cortar o gás. Isso também poderia acontecer com a China – cada vez mais, estamos caminhando para um confronto, não tanto político, mas econômico. Já houve casos em que a China cortou materiais para outros países, como recentemente com o Japão. Assim, cada vez mais os países da Europa ficam nervosos com a situação envolvendo a China.
E no caso do grafite natural e sintético, são produtos que precisam de mais eletricidade?
Não apenas o grafite. Esse é o caso de várias outras coisas de que precisamos. Os produtos mais notórios são o alumínio, o grafite e o hidrogênio. Esses três produtos são de extrema importância para a transição energética, e todos eles consomem muita eletricidade no processo de produção.
O alumínio é um dos metais-chave, mas não é encontrado na natureza em sua forma pura, e sim na bauxita. O processo de transformar a bauxita em alumínio é muito intenso em termos de energia, sendo cerca de 10 vezes mais demandante que o processo de produção de aço. A bauxita em si não tem muito valor; o item mais importante para a produção do alumínio é a eletricidade. Por isso, quando se descobriu a enorme reserva de bauxita de Trombetas (Pará) nos anos 70, o Brasil imediatamente construiu também a hidrelétrica de Tucuruí. Com os dois juntos, o Brasil conseguiu produzir alumínio.
E a produção de grafite no Brasil?
O fator limitante é sempre a eletricidade. O grafite segue o mesmo padrão. O Brasil tem o Vale do Jequitinhonha (em Minas Gerais), que faz do país a segunda maior reserva de grafite natural do mundo, perdendo apenas para a China. No entanto, o Brasil produz uma pequena parte do grafite mundial.
Alguém poderia pensar que, com o grafite sintético, o problema da falta de grafite natural e da dependência da China está resolvido. Agora, conseguimos fazer grafite sintético a partir de qualquer tipo de carbono (até mesmo de lixo, de outras indústrias e até de gases que contêm carbono). Mesmo do ar é possível produzir grafite. O problema, porém, é o mesmo: a produção de grafite consome muita eletricidade.
E qual seria o cenário europeu?
Na Suíça, os Alpes têm um grande potencial hidrelétrico e, desde o início do século XX, produzem grafite sintético. No entanto, ainda há reclamações de que essa eletricidade poderia ser melhor utilizada para outras finalidades, pois está cara. A Noruega é outro país que produz muito grafite sintético e quer produzir mais, mas de onde vai tirar essas grandes quantidades de eletricidade? As diferentes indústrias vão entrar em competição umas com as outras. Ou se produz alumínio, ou grafite, ou hidrogênio, ou se exporta eletricidade para outro país. A Islândia, sendo uma ilha remota, quase não pode exportar eletricidade, mas tem muita energia geotérmica; por isso, está se tornando um país bem posicionado para atrair essas indústrias consumidoras de eletricidade.
No fim das contas, todos estes metais necessários para a transição energética são altos consumidores de eletricidade… não é irônico?
Este é o paradoxo. Os carros elétricos precisam carregar baterias pesadas, e, para não ficarem pesados demais, os carros não são feitos de aço, mas de alumínio. No entanto, para produzir alumínio, é necessária eletricidade. A indústria automobilística acaba competindo consigo mesma. A produção de carros elétricos requer eletricidade, que, portanto, não pode mais ser utilizada para fazer esses carros elétricos funcionarem.
A verdadeira batalha é como conseguir eletricidade. Outra alternativa seria fazer os carros não funcionarem com eletricidade, mas com hidrogênio. Não apenas os carros: se quisermos que a aviação deixe de usar combustíveis fósseis, também os aviões terão que voar com hidrogênio. O hidrogênio também pode ser produzido a partir do petróleo ou até da água. Mas, em todos os casos, o fator limitante é se você consegue a eletricidade para produzi-lo. Estamos tentando sair da dependência dos recursos naturais e entrando em uma penúria de recursos de eletricidade.
Alguém já fez essa conta para ver se vale a pena? Essa conta fecha?
Estou tentando fazer (risos). Não temos uma análise integrada dessas questões. Existe um grande otimismo sobre a quantidade de eletricidade que vamos produzir. Mas o próprio setor de eletricidade precisa desses materiais. É um círculo vicioso.
Em algum momento, vai ficar difícil. Certas coisas terão que acontecer na Europa. O CRMA diz que será necessária mais mineração na Europa, algo que os europeus, por muito tempo, tentaram justamente evitar. Toda vez que se tenta abrir uma mina, há movimentos “verdes” e ecológicos que protestam. E com razão: uma mina sempre diminui a qualidade de vida e impacta o meio ambiente. Ao mesmo tempo, a mesma sociedade que aplaude esse tipo de ativismo não quer reduzir o consumo de recursos naturais. O que acontece na Europa, então, é que se admite o extrativismo, desde que ele se desloque para outros continentes.
Os europeus não querem nada aqui que polua. Por exemplo, na Europa, fecham as refinarias que processam a bauxita, mas, como a sociedade não reduz seu consumo de alumínio, esses processos se expandem no Brasil. E o problema é deslocado, como no caso da lama vermelha, produto resultante do refinamento da bauxita, que se acumula em Barcarena, no Pará.
Ou seja: só muda o problema de lugar?
Exatamente. Hoje, para abrir uma mina na Europa, é preciso passar por uma burocracia gigantesca. A América Latina é vista como outro continente parceiro, mas mais seguro que a China, porque são nossos amigos, falam línguas que também falamos e não têm uma agenda secreta. Assim, os europeus acham que todas as indústrias extrativistas e poluentes podem facilmente ser transferidas para a América Latina. Mas os produtos que geram riqueza, que agregam valor, esses a Europa quer continuar produzindo aqui mesmo.
O anúncio da Noruega ter descoberto terras raras muda algo na Europa sobre a questão dos metais, altera o contexto do CRMA?
O fato de terem encontrado esses metais oferece mais possibilidades para que o CRMA possa ser parcialmente implementado. Para a Europa deixar de depender de outros continentes, primeiro é necessário encontrar os materiais dentro da própria Europa. Na Noruega, muitas empresas estão ativas, tentando encontrar vários tipos de materiais. Por exemplo, existem projetos de mineração de cobalto em uma antiga área de mineração de cobre, que já não nos interessa mais. O cobalto tem mais valor agregado.
A Noruega sempre teve uma cultura muito positiva em relação ao extrativismo, com a extração de cobre, petróleo e gás… É um dos poucos países que possui grafite natural e energia hidrelétrica, graças às montanhas e aos fiordes. Portanto, é um candidato importante para expandir a mineração e tem uma população menos densa que outros países europeus.
É uma contribuição, mas não resolverá todos os problemas. A mineração na Europa tem se mantido estável nos últimos 50 anos, enquanto a mineração se expandiu consideravelmente no resto do mundo. A mineração europeia é irrisória, e a tendência é produzir apenas os materiais menos impactantes.
Como foi a mineração do carvão na Bélgica nos séculos XIX e XX? E como está nos dias de hoje?
Mal vista. No entanto, na China, a indústria metalúrgica funciona ainda com carvão. Eles produzem aço, alumínio e tudo com eletricidade derivada da combustão de carvão. É colocado tudo o que pode para aumentar a produção o mais rápido possível. Não abrem mão de nenhuma possibilidade. Na Índia também. Isto na Europa é uma escolha política de não mais fazer, mas também porque preferem as atividades com maior valor agregado e menos impacto ecológico. Acho certíssimo, desde que não enviem a fatura para outros países.
Qual seria o papel do Brasil na mineração de metais raros e tecnológicos?
O Brasil atualmente possui processos de mineração nos quais as empresas tentam ser mais responsáveis (ou pelo menos parecer), se comparado a outros países onde não existe esse monitoramento por parte do Estado. Claro que ainda está longe de ser perfeito. Mas hoje há conflitos mais graves em países africanos e na América Latina, onde não há o mesmo nível de liberdade de expressão.
O Brasil impôs certas medidas e tem a capacidade de ir além, pedindo respeito. A cada novo projeto que surge, o país deve se perguntar se ele traz algo de positivo para o território nacional e para as populações locais. Essa ideia de que “vamos abrir algo e gerar emprego” precisa ser repensada, pois, muitas vezes, esses projetos só geram emprego na fase de abertura. Assim, o impacto positivo para a população local se evapora, e surge mais uma cidade fantasma. O Brasil deve tomar cuidado com esse tipo de investimento e cobrar o preço correto – por exemplo, se for explorar o grafite natural do Vale do Jequitinhonha.
Se a Europa não quiser ou não puder produzir os materiais que precisa, o Brasil deve “vender o peixe” pelo seu verdadeiro preço, colocar limites e, sobretudo, não cair nessa história de que “vão fazer do Brasil um país moderno como a Europa”. Na história, não há países que se modernizaram apenas com recursos naturais.
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Metais raros e tecnológicos: a verdadeira batalha é como conseguir a eletricidade. Entrevista com Simon Lobach - Instituto Humanitas Unisinos - IHU